Controle de constitucionalidade

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas377-582
SUMÁRIO
1. Controle de constitucionalidade, garantia e supremacia da Constituição – 2. Inconstitucio-
nalidade – 3. Custódia da Constituição: a polêmica entre Carl Schmitt e Hans Kelsen – 4. Sis-
temas e tipos de controle de constitucionalidade – 5. O controle de constitucionalidade no
direito constitucional comparado – 6. Evolução do controle de constitucio nalidade no Bra-
sil – 7. Controle preventivo e devido processo legislativo – 8. Controle difuso – 9. Contro-
le concentrado ou abstrato e as ações diretas. 10. Ação direta de inconstitucionalidade – a
Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 – 11. Ação de inconstitucio nalidade por omissão
– as omissões inconstitucionais – Lei n. 9.868/99 (Capítulo ii-A – acrescentado pela Lei n.
12.063/09) – 12. Ação direta de incons titu cio nalidade interventiva – origem, conceito e na-
tureza jurídica – 13. Ação declaratória de constitucionalidade – origem, conceito e nali-
dade – 14. Arguição de descum primento de preceito fundamental – considerações gerais e
parametricidade – 15. Controle estadual de constitucionalidade – considerações gerais –
16. Ju r isdição e tribunal constitucional – 17. Jurisdição constitucional e processo constitucional
objetivo – fundamentos – 18. Jurisdição constitucional e convergência dos sistemas de controle
de constitucionalidade americano e europeu-kelseniano. 19. Controle de convencionalidade.
1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE,
GARANTIA E SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
Constituição e constitucionalidade são conceitos inseparáveis, e o controle de consti-
tucionalidade, técnica de limitação do poder, através da submissão dos poderes instituídos,
visa garantir, por vários mecanismos, a supremacia material e formal da Constituição sobre
as leis e os atos do governo e da administração.1
1.1 O PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE
A Constituição é garantia, mas que, ao seu turno, tem de ser garantida, o que se dá pela
efetivação do princípio da constitucionalidade.2 Sendo a Constituição norma jurídica, sua
1 A ideia de controle não é exclusiva da teoria do direito, mas tem a ver com a noção de monitoração, de
scalização, que pode ocorrer quando existe limite à realização de alguma conduta humana. Pode-se
identicar, em qualquer setor da atividade humana, a presença de uma situação de controle, em que se
acham presentes os seguintes elementos: a) um sujeito controlador; b) uma conduta controlada; c) um
parâmetro de controle (PIMENTA. O controle difuso de constitucionalidade das leis no ordenamento
brasileiro: aspectos constitucionais e processuais, p. 31-32).
2 Canotilho e Vital Moreira lembram que “existe também uma conexão material entre a scalização
da constitucionalidade e a revisão constitucional. Ambos são modos de garantia e de preservação da
CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE 13
Book -DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 377 8/11/17 10:17 AM
KILDARE GONÇALVES CARVALHO DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 1
TEORIA DO ESTADO E DA CONSTITUIÇÃO
378
garantia deve ser jurídica, é dizer, prevista por norma jurídica. O controle de constituciona-
lidade, nesse horizonte, passa a ser tido como autônomo em relação à Constituição, título de
segurança e justiça. Porém, como salienta Jorge Miranda, “a garantia da constitucionalidade
reverte em garantia da Constituição como um todo. Do cumprimento ou incumprimento
das normas constitucionais – em qualquer caso, avulso – depende a integridade ou não da
Lei Fundamental. Não há garantia da constitucionalidade desprendida da respectiva Consti-
tuição – formal e material – ou incongruente com os seus princípios”.3
Controlar a constitucionalidade é vericar a adequação de uma lei ou de um ato nor-
mativo com a Constituição, nos seus aspectos formais e materiais; o controle de constitucio-
nalidade é um “juízo de adequação da norma infraconstitucional (objeto) à norma constitu-
cional (parâmetro), por meio da verticalização da relação imediata de conformidade vertical
entre aquela e esta, com o m de impor a sanção de invalidade à norma que seja revestida de
incompatibilidade material ou formal com a Constituição”.4
O controle de constitucionalidade alcança também a garantia dos direitos fundamen-
tais constitucionalmente protegidos, os quais, além de legitimar o Estado, viabilizam o pro-
cesso democrático, preservando o Estado de Direito.
Clèmerson Merlin Clève acentua que a “compreensão da Constituição como Lei Fun-
damental implica não apenas o reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica, mas,
igualmente, a existência de mecanismos sucientes para garantir juridicamente (eis um pon-
to importante) apontada qualidade. A supremacia, diga-se logo, não exige apenas a compa-
tibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores denidores do
modo de produção das normas jurídicas, mas também a observância de sua dimensão mate-
rial. A Constituição, anal, como quer Hesse, é uma ‘ordem fundamental, material e aberta
de uma comunidade’. É ordem fundamental, eis que reside em posição de supremacia. É,
ademais, ordem material, porque, além de normas, contém uma ordem de valores: o conteú-
do do direito, que não pode ser desatendido pela regulação infraconstitucional.5
1.2 SUPREMACIA E RIGIDEZ DA CONSTITUIÇÃO
Compreende-se que a ideia de rigidez revela a chamada supremacia ou superlegalida-
de constitucional, devendo todo o ordenamento jurídico conformar-se com os preceitos da
Constituição, quer sob o ponto de vista formal (competência para a edição de ato normativo
e observância do processo legislativo previsto para a elaboração da norma jurídica), quer sob
o ponto de vista material (adequação do conteúdo da norma aos princípios e regras cons-
titucionais): a Constituição é lei superior, norma normarum, higher law ou paramount law.
O controle da constitucionalidade das leis, como garantia da Constituição,está inti-
mamente relacionado com a concepção de Constituição rígida (a que demanda processo
especial para sua emenda, diverso do processo legislativo de elaboração das leis ordinárias),
embora a concepção de supremacia da Constituição seja inerente também à de Constituição
Constituição. A scalização da constitucionalidade garante-a e preserva-a contra os actos ou omissões
do Estado; os limites de revisão da Constituição garantem a sua estabilidade e resguardam-na contra
alterações desguradoras das suas características essenciais” (Fundamentos da constituição, p. 235).
3 MIRANDA. Manual de direito constitucional, t. 6, p. 47.
4 MORAES. Direito constitucional: teoria da constituição, p. 145.
5 CLÈVE. A scalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 25-26.
Book -DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 378 8/11/17 10:17 AM
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 1
TEORIA DO ESTADO E DA CONSTITUIÇÃO
379
exível, mas, nesse caso, trata-se de superioridade material, já que a superioridade formal é
revelada pelo caráter rígido das Constituições.
Grande parte da doutrina tem na rigidez constitucional um dos pressupostos do con-
trole de constitucionalidade. Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreve, por todos, que o cri-
tério real da distinção entre rigidez e exibilidade constitucionais, bem como entre Poder
Constituinte originário e Poder Constituinte derivado, implica a existência de um controle
de constitucionalidade, e “onde este não foi previsto pelo constituinte, não pode haver real-
mente rigidez constitucional ou diferença entre o Poder Constituinte originário e o derivado.
Em todo Estado onde faltar controle de constitucionalidade, a Constituição é exível; por
mais que a Constituição se queira rígida, o Poder Constituinte perdura ilimitado em mãos
do legislador. Este, na verdade, poderá modicar a seu talante as regras constitucionais, se
não houver órgão destinado a resguardar a superioridade desta sobre as ordinárias. Mais ain-
da, órgão bastante para fazê-lo.6 E, por estarem no mesmo plano normativo, à míngua de um
processo de elaboração diferenciado, é que, havendo contrariedade entre as normas consti-
tucionais e as leis, o fenômeno seria o da revogação da lei e não da inconstitucionalidade.
Exemplo de país de Constituição exível é a Inglaterra, onde supremo é o Parlamento.
E essa supremacia é caracterizada pelos seguintes elementos: a) poder do legislador de modi-
car livremente qualquer lei, fundamental ou não; b) ausência de distinção jurídica entre leis
constitucionais e ordinárias; c) inexistência de autoridade judiciária ou qualquer outra com
o poder de anular um ato do Parlamento ou considerá-lo nulo ou inconstitucional.7 Ainda
na Inglaterra, embora formalmente, o mais alto tribunal britânico seja a Câmara dos Lordes,
“efetivamente quem julga é seus Appellate Committee, do qual participam o Lorde Chan-
cellor (Presidente da Câmara), 11 Lordes Judiciais nomeados e os Lordes que já exerceram
funções judiciárias previstas em lei”.8
Jorge Miranda, em contraponto, depois de mostrar que, seja qual for o seu tipo, a Cons-
tituição, rígida ou exível, pode ser atacada por normas e atos material e formalmente vicia-
dos, pelo que a inconstitucionalidade existe, quer em Constituição rígida, quer em Consti-
tuição exível, esclarece: “Na verdade, o critério desta distinção – para o seu grande autor,
James Bryce, a distinção principal a fazer entre todas as Constituições – está na posição
ocupada pela Constituição perante as chamadas leis ordinárias. Se ela se coloca acima destas,
num plano hierárquico superior, e encerra características próprias, considera-se rígida; ao
invés, se se encontra ao nível das restantes leis, sem um poder ou uma forma que a supor-
tem em especial, é exível. Apenas as Constituições rígidas, e não também as Constituições
exíveis, são limitativas, porque ultrapassam as leis e prevalecem sobre as suas estatuições.9
6 FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional, p. 29-30.
7 Como referido no Capítulo 9, item 3, deste trabalho, a supremacia do Parlamento inglês foi mitigada,
após a aprovação, em 1998, e entrada em vigor, em 2000, do Human Rights Act, que tornou a Con-
venção Europeia de Direitos Humanos diretamente aplicável, o que implica o dever de observância,
pelo Parlamento, das disposições constantes desse Ato.
8 PALU. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 96.
Em virtude da participação do Reino Unido na União Europeia, houve mudanças no Poder Judiciário
inglês, com a aprovação do Constitutional Reform Act, de 2005, que nele introduziu duas transfor-
mações: criou uma Corte Constitucional fora do Parlamento e independente em relação a ele, e es-
vaziou as funções judiciais da Câmara dos Lordes e do Lorde Chanceler. A nova Corte Constitucional
instala-se em outubro de 2008 e os 12 Law Lordes são os primeiros membros do Tribunal.
9 MIRANDA. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidad e, p. 37.
Book -DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 379 8/11/17 10:17 AM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT