Da Contestação (Arts. 335 a 342)

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas448-484
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Código de Processo Civil
ato atentatório à dignidade da justiça, tornando-o,
por isso, suscetível de sanção processual. A tipi ca-
ção da conduta do réu estará con gurada no inciso
IV do art. 774, do CPC: resistir injusti cadamente
às ordens judiciais. Para que se possa aplicar essa
sanção ao réu, o instrumento de intimação para que
compareça à audiência não deverá ser formulado da
forma de convite, e sim de ordem judicial.
A despeito do objetivo que levou o legislador a
introduzir essa norma no CPC, entendemos que ela
não se aplica ao processo do trabalho. Em primeiro
lugar porque, como já referimos, o réu poderá estar
atuando sem advogado, de tal modo que a sanção
processual prevista no sistema do CPC poderá soar a
violência. A admitir-se a incidência desse dispositivo
somente quando o réu estivesse representado por ad-
vogado acabaríamos por incorrer em discriminação,
criando classes distintas de réus para efeito de aplica-
ção dessa penalidade. Em segundo lugar, as partes,
na Justiça do Trabalho, estão vinculadas, há muito
tempo, a uma sólida cultura de conciliação, sendo,
por esse motivo, dispensável a adoção de mecanis-
mos coercitivos destinados a fazer com que o réu
compareça à audiência. Aliás, o réu já está motivado
a comparecer à audiência pelo próprio sistema do
processo do trabalho, pois sabendo-se que aqui não
há a designação de audiência especí ca para a conci-
liação, senão que de audiência una, ou de audiência
inicial e de instrução (e, também, para julgamento),
nas quais a conciliação será tentada, o não compa-
recimento das partes acarretar-lhes-á consequências
processuais previstas no próprio sistema (CLT,
art. 844) ou na jurisprudência (TST, Súmula n. 74, I).
Mesmo em relação às “Semanas Nacionais de Con-
ciliação” não vemos necessidade de adoção supletiva
do § 8º do art. 331, do CPC, haja vista o elevadíssimo
número de conciliações obtidas nessas oportunidades
— sem nenhum aparato coercitivo dirigido a assegu-
rar o comparecimento das partes às audiências.
§ 9º As partes poderão comparecer à audiência na
companhia de seus advogados ou defensores públi-
cos, conforme seja o caso.
§ 10. Faculta-se à parte constituir procurador, me-
diante procuração especí ca, dotando-o de poderes
para negociar e transigir, e, também, para receber e
dar quitação, no caso do réu (CPC, art. 105).
§ 11. A transação será reduzida a termo e homo-
logada por sentença.
No processo do trabalho a conciliação/transação
é proposta pelo próprio magistrado e “o termo que
for lavrado valerá como decisão irrecorrível”, ex-
ceto para a Previdência Social, naquilo que disser
respeito às contribuições que lhe são devidas (CLT,
art. 831, parágrafo único). Somente mediante ação
rescisória poderá ser desconstituída a sentença ho-
mologatória de transação (TST, Súmula n. 259) — a
despeito do disposto no art. 966, § 4º, do CPC.
§ 12. Para efeito de elaboração da pauta, as au-
diências de conciliação ou de mediação deverão ser
realizadas com o intervalo mínimo de vinte minu-
tos, entre o início de uma e o início de outra. Esse
período mínimo é necessário para que o conciliador
ou o mediador possam tentar conduzir as partes à
autocomposição.
Considerando a quantidade de ações cotidiamen-
te ajuizadas na Justiça do Trabalho, não vemos razão
para atender-se ao (longo) espaço mínimo de vin-
te minutos, entre uma audiência e outra; logo, esse
espaço poderá ser inferior, cando a critério do con-
ciliador ou do mediador a sua xação, levando em
conta, por exemplo, o volume de casos.
TST – IN 39/2016: o art. 334 é inaplicável ao pro-
cesso do trabalho.
CAPÍTULO VI
DA CONTESTAÇÃO
Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias,
cujo termo inicial será a data:
I — da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação,
quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
II — do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação
apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;
III — prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais
casos.
§ 1º No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º, o termo
inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu
respectivo pedido de cancelamento da audiência.
§ 2º Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso II, havendo litisconsórcio passivo
e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta
correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência.
Art. 335
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Código de Processo Civil
Introdução
Entre as formas legalmente previstas de respos-
ta do réu às pretensões manifestadas pelo autor a
contestação gura, sem dúvida, como a mais im-
portante. Assim a rmamos porque se o réu deixar,
por exemplo, de oferecer exceção, as consequências
danosas para o seu círculo jurídico serão, por certo,
muito menos graves do que as derivantes da falta de
contestação, conforme procuraremos demonstrar ao
longo das páginas seguintes.
Devemos, aliás, desde logo observar que a falta
de contestação caracteriza não só a revelia, senão
que traz consigo, quase sempre, a aceitação tácita
da veracidade dos fatos alegados na petição inicial,
segundo o ônus da impugnação especi cada, de que
se ocupa o art. 341, do CPC, e que está implícito no
art. 844, caput, parte nal, da CLT.
A contestação representa, por assim dizer, a
forma clássica de resposta do réu, sendo, por isso,
a mais frequente de todas, inclusive, no terreno do
processo do trabalho. Mais do que isso, ela é uma
expressão dos regimes democráticos, aos quais re-
pugna a ideia de que alguém possa ser condenado
sem haver recebido oportunidade para defender-
-se. Ka a, em “O Processo”, bem nos demonstra as
consequências disso. A história política dos povos
demonstra que o direito de defesa, em sentido am-
plo — no qual se inclui o processual — tende a ser
coarctado ou cerceado nos regimes de vocação dita-
torialesca. Os argumentos dos acusados não convêm
aos tiranos.
Vista, a contestação, sob a perspectiva estrita-
mente processual, podemos a rmar que se traduz
na mais alta manifestação do princípio da bilate-
ralidade, segundo o qual o juiz não deve emitir
nenhuma decisão acerca de pedido ou requerimento
formulado por uma das partes sem ouvir, antes, a
parte contrária. Só em situações verdadeiramente
excepcionais, expressamente previstas em lei, será
lícito ao juiz atender à solicitação de um dos litigan-
tes sem audiência prévia do outro, como se passa, e.
g., nos domínios das tutelas de urgência e na ação de
mandado de segurança.
Nenhum princípio tuitivo do patrimônio jurí-
dico do trabalhador, por mais fortes e inveteradas
que sejam as razões históricas e políticas em que se
assente, será capaz de justi car eventual eliminação
do direito de defesa do empregador — ou do réu,
em geral. Mesmo nos sítios peculiares do processo
do trabalho seria inconcebível a ideia de que a tutela
dos direitos dos trabalhadores pudesse (ou devesse)
ser empreendida, na prática, mediante o sacrifício
do direito de resposta do seu adversário.
Ao direito subjetivo público, do trabalhador, de
ver apreciada pelo Poder Judiciário qualquer amea-
ça ou lesão de direito (Const. Federal, art. 52, XXXV),
corresponde o do empregador (ou do réu, em sen-
tido amplo) de responder às pretensões deduzidas
pelo adversário (Const. Federal, arts. 59, V e LV, por
extensão). Veja-se, porém, que a lei não exige que
o réu responda à ação, e, sim, que lhe seja oferecida
a oportunidade para responder, se o desejar. Como
anotamos, páginas atrás, se a exigência legal fosse
de que o réu efetivamente respondesse estaríamos
diante de uma norma absurda, não tanto pelo fato de
impor que alguém se defendesse contra a sua vonta-
de, mas, acima de tudo, por propiciar aos maus réus
condições de fazer com que o procedimento não ti-
vesse curso enquanto não resolvessem demover-se
de seu intuito de não responder.
Tanto no sistema do processo civil, quanto no
do processo do trabalho, portanto, o réu resistirá
(estamos cogitando da contestação) às pretensões
formuladas pelo autor se isso for de sua conveni-
ência. O que importa, reitere-se, é a concessão de
oportunidade para que se defenda.
Quando falamos em autor e réu não estamos a
nos referir, necessariamente, a trabalhador e empre-
gador, segundo essa ordem nominal. Embora, na
ampla maioria dos casos, no processo do trabalho o
autor seja o trabalhador, e o réu, o empregador, há
situações em que essas posições se invertem, passan-
do o empregador a gurar no polo ativo da relação
processual, e o autor, no passivo, como se dá, por
exemplo, nos (impropriamente) chamados “inqué-
ritos” para apuração de falta grave (CLT, art. 494),
na ação de exigir contas (CPC, arts. 550/553) e na
reconvenção (CPC, art. 343). Essa ocasional altera-
ção topológica, todavia, em nada altera o direito de
ampla defesa, constitucionalmente assegurado (art.
59, LV) — que, na hipótese, será exercido pelo tra-
balhador.
Etimologia e conceito
O substantivo contestação é originário da forma
latina contestatio, de contestari. Para Antenor Nas-
centes, contudo, o termo provém de contestare, cujo
signi cado é o de contender com alguém por meio
de testemunhas (testis) e de provas, embora tenha
adquirido o sentido antonímico de refutar (Dicioná-
rio etimológico da língua portuguesa. 1. ed., 2ª tir., Rio
de Janeiro, 1955. p. 133).
Desde há muito, os estudiosos se preocupam em
enunciar um conceito de contestação; assim, colhem-
-se, na seara doutrinal, entre outros, os seguintes: “É
a direta contradição do réu à ação do autor” (João
Monteiro); “É a negação dos fatos em que se apoia
o direito em ação ou a adução de outros que impor-
tem o seu desaparecimento” (A onso Fraga). Os
conceitos reproduzidos, no entanto, são, data venia,
insu cientes para re etir o verdadeiro alcance da
contestação. O de João Monteiro, v. g., peca por alu-
dir, apenas, à direta contradição do réu, como se não
fosse possível a ocorrência da denominada “defesa
indireta”; o de A onso Fraga, conquanto tenha o
mérito de insinuar a possibilidade de haver defesa
indireta, não refere a viabilidade de a contestação ter
um objeto meramente processual.
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Código de Processo Civil
Para nós, a contestação consiste no instrumento
pelo qual o réu se opõe, direta ou indiretamente, às
pretensões formuladas pelo autor. Justi quemos o
conceito.
Em regra, a contestação se dirige ao direito ma-
terial alegado pelo autor, aos pedidos por este
formulados (res in iudicio deducta), seja para negar
a existência da situação jurídica em que se baseia
a pretensão, seja para contrapor um fato que faça
eliminar tal situação. Em vários casos, entretanto, o
réu, antes de resistir, propriamente dito, às preten-
sões de direito material do autor, apresenta objeções
de ordem puramente processual, como é o caso das
preliminares, a que alude o art. 337, do CPC e de
alguns dos incisos do art. 485, do mesmo Código. É
o que a doutrina tem denominado de “defesa pro-
cessual”.
Sendo assim, qualquer conceito de contestação,
para ser completo, deve considerar, também, a
defesa processual ou indireta. Em suma: a contesta-
ção pode ser como objeto não somente a pretensão
deduzida pelo autor, de direito material (defesa
direta), como o próprio processo (defesa indireta).
Na defesa direta, como cou dito, o réu visa a obter
um provimento jurisdicional que rejeite os pedidos
apresentados pelo autor; na indireta, ele se dirige ao
processo como instrumento pelo qual o autor impe-
tra a tutela da jurisdição, seja para obter a extinção
do processo sem julgamento do mérito, seja para sa-
nar eventuais irregularidades processuais.
Em princípio, na contestação, o réu não formula
pedidos, não deduz nenhuma pretensão, senão que
resiste a ela. Sob este aspecto, pode-se asseverar que
a contestação não altera as dimensões da lide, não
modi ca, en m, os lindes objetivos da entrega da
prestação jurisdicional, embora deva ser reconheci-
do que ela amplia o campo de cognição do juiz, pelo
trazimento de fatos capazes de modi car, de impe-
dir ou de extinguir o direito em que o autor funda a
ação. Os limites da lide são estabelecidos pelo autor,
na petição inicial. Somente na reconvenção (CPC,
art. 343) é que o réu formula pretensões, oportuni-
dade em que se transforma em autor, para os efeitos
dessa modalidade reversiva de resposta.
Escorço histórico
Não há uma uniformidade doutrinária quanto ao
momento em que a contestação surgiu no direito ro-
mano. Para alguns, ela já era encontrada no período
das legis actiones; para outros, no entanto, só apare-
ceu na época do processo formulário.
Uma coisa é certa: a contestação já era conheci-
da na fase do processo por fórmulas, onde aparecia
com as denominações de lis ordinata, iudicium accep-
tum, constitutum etc.
Esse processo se caracterizava pelo fato de de-
terminadas fórmulas de ações e de defesas serem
elaboradas por jurisconsultos, cabendo aos litigan-
tes pronunciá-las em juízo, na presença do pretor. O
rigorismo dessas fórmulas fazia com que se a parte
deixasse de mencionar uma única sílaba ou palavra
não lhe fosse concedida a ação. Se o fosse, o pretor
autorizava o uso da ação, cabendo ao autor formu-
lar as suas alegações, e ao réu, responder. Tanto as
alegações do autor quanto as do réu deveriam ser
comprovadas por meio de testemunhas, derivando
daí a denominação de litiscontestação (litis et cum
testatio).
A litiscontestatio constituía, por isso, o pro-
cedimento por meio do qual se rmava, com
testemunhas, o acordo necessário para a formação
da instância.
Com Justiniano, a contestação da lide sofreu al-
gumas alterações (mas não deixou de existir), seja
quanto à forma, à natureza ou aos efeitos. Basta ob-
servar que se estabelecia entre as partes um outro
contrato, que não afetava a relação jurídica original,
em que se baseava a res in ludicio deducta, e que per-
mitia a reparação do erro causado na ação durante
todo o curso do processo.
Na síntese de A onso Fraga, a contar do momen-
to em que se formava a litiscontestatio, surgia um
vínculo obrigatório que unia as partes, sujeitando-as
a acatar os efeitos que produzia, e que eram estes:
a) cada litigante tinha o direito de exigir que a de-
manda prosseguisse da maneira como fora iniciada,
e que fosse resolvida por sentença; b) os pontos
essenciais da causa se consideravam xados, não po-
dendo, por essa razão, o autor modi cá-los; c) nenhum
dos contendores poderia alienar o objeto ou o direito
disputado; d) o autor, se vencedor na demanda, de-
via ser reposto na situação em que se encontraria se
a sentença fosse prolatada ao tempo do surgimento
da litiscontestatio; e) o objeto da lide deveria, no caso
de a sentença ordenar a sua restituição, ser entregue
com os seus pertences e acessórios, da mesma forma
como se achava à época em que a lide foi contestada;
f) a obrigação proveniente da instância atingiria o
patrimônio de ambos os litigantes; g) a contestação
da lide interrompia a prescrição, tanto a aquisitiva
quanto a extintiva (Instituições do processo civil do Bra-
sil. Tomo II. São Paulo: Saraiva, 1940. p. 269).
Em termos gerais, o direito canônico abeberou-
-se dessas disposições do direito romano, conquanto
haja efetuado pequena adaptação da litiscontestatio,
mediante as alterações introduzidas pelos glosado-
res na Idade Média.
Conforme pudemos ver, a fase processual in jure
se realizava ante o magistrado, culminando com
a litiscontestatio, por meio da qual os litigantes se
obrigavam a prosseguir no processo, perante o juiz
nomeado (fase apud iudicem) e a acatar a sentença
que fosse por ele proferida. A litiscontestio não dei-
xava de representar, também, o momento formal em
que o réu se opunha às pretensões do autor, advin-
Art. 335

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