Das Provas

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas547-708
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Código de Processo Civil
• Comentário
A CLT se ressente, em sua parte processual, de
melhor tratamento sistemático a respeito da prova (a
Seção IX, do Título X : “Do Processo Judiciário do Tra-
balho”) dedica à matéria somente treze artigos (818 a
830), sendo que o 826 foi revogado, por incompatibili-
dade lógica, pelo art. 3º da Lei n. 5.584/70 (Decreto-Lei
n. 4.657, de 4-9-42, art. 2º, § 1º), obrigando, em razão
disso, que, frequentemente, todos os exercentes de
pro ssões forenses trabalhistas se valham, em caráter
supletivo, das normas processuais civis concernentes
à matéria, desde que satisfeito o requisito essencial da
compatibilidade (CLT, art. 769).
Em sentido amplo, o vocábulo prova (originário
do latim proba, de probare = demonstrar) signi ca
tudo o que demonstra a veracidade de uma proposi-
ção ou a realidade de um fato, sem nos esquecermos,
ainda, dos sentidos de indício, sinal, ensaio, expe-
riência, que ele também sugere (AULETE, Caldas.
Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Delta, 1964. p. 3.300).
Para nós, prova: (1) É a demonstração (2), segun-
do as normas legais especí cas (3), da verdade dos
fatos (4) relevantes (5) e controvertidos (6) no pro-
cesso.
Dissemos (1) demonstração, porque, em concreto,
a atividade probatória, que às partes preponderan-
temente incumbe em decorrência do ônus que a lei
lhes atribui (CLT, art. 818), consiste em trazer aos au-
tos elementos que demonstrem a verdade dos fatos
alegados e com base nos quais deverão desenvolver
um raciocínio lógico, tendente a in uir na formação
do convencimento do órgão jurisdicional; (2) segun-
do as normas legais especí cas, porque o direito
processual não apenas estabelece as modalidades de
prova admitidas em juízo, como também disciplina o
procedimento probatório das partes; (3) da verdade
dos fatos, porque, regra genérica, o objeto da prova
são os fatos, como tais considerados todos os acon-
tecimentos do mundo sensível, capazes de provocar
repercussão na ordem jurídica; só excepcionalmente
se exigirá prova do direito (CPC, art. 376); (4) rele-
vantes, porque a prova não deve incidir sobre todos
os fatos narrados na ação, mas somente em relação
àqueles que se revelam importantes (relevantes)
para a justa composição da lide; (5) e controvertidos,
porquanto devem car fora do campo da prova os
fatos incontroversos, assim entendidos os que, sen-
do a rmados por uma das partes, são confessados
pela parte contrária (CPC, art. 374, II); os admitidos
no processo como incontroversos (CPC, art. 374, III),
bem assim os notórios (art. 374, l) e aqueles em cujo
favor milita a presunção legal de existência ou de
veracidade (art. 374, IV); (6) no processo, pois os
fatos a serem provados são os que foram trazidos
pelas partes ao conhecimento do juiz; assim, os fa-
tos que permaneceram à margem do litígio (embora
pudessem ser relevantes), ou que foram narrados
intempestivamente, não podem ser destinatários
da prova — “Quod non est in actis non est in mundo”,
adverte o conhecido apotegma jurídico, de larga e
proveitosa aplicação na realidade forense.
Princípios reitores da prova
Amauri Mascaro Nascimento (Curso de direito
processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1978. p.
199) aponta como princípios regentes da prova no
processo do trabalho os seguintes:
a) da necessidade da prova, em virtude do qual
os fatos que são do interesse das partes devem ser
demonstrados em juízo, não bastando que sejam
meramente alegados. O próprio juiz só pode julgar
de acordo com o alegado e provado;
b) da unidade da prova, que embora possa ser
constituída por diversos meios, se corpori ca em
um todo, uno, que deverá ser apreciado englobada-
mente;
c) da lealdade ou probidade da prova, segundo o
qual há um interesse de todos em que a verdade seja
encontrada, sem deformações, razão por que as par-
tes devem colaborar para que a vontade da lei possa
incidir no caso concreto, via prestação jurisdicional,
sem vícios ou falsos pressupostos;
d) da contradição, porque a parte contra quem
foi produzida a prova tem o direito de impugná-
-la, de produzir contraprova, sendo, por isso,
inadmissível a produção secreta de provas;
e) da igualdade de oportunidades de prova, com
o que se garante às partes a mesma oportunidade
CAPÍTULO XII
DAS PROVAS
Seção I
Disposições Gerais
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade
dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Art. 369
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Código de Processo Civil
para requererem a produção de provas, ou mesmo
para produzi-las;
f) da legalidade, que vincula a produção de pro-
vas à forma prevista na lei;
g) da imediação, que signi ca não apenas a di-
reção da coleta da prova, pelo juiz, mas a direta
intervenção deste na instrução, notadamente nos
sistemas que adotam a oralidade;
h) da obrigatoriedade da prova, a poder da qual
“sendo a prova de interesse não só das partes, mas
do Estado que quer o esclarecimento da verdade, as
partes devem ser compelidas pelo Juiz a apresentar
no processo determinada prova, sofrendo sanções
no caso de omissão, especialmente as presunções
que passam a militar contra aquele que se omitiu e a
favor de quem solicitou” (obra cit., p. 199).
Façamos uma breve análise desses princípios.
a) Necessidade da prova
Com efeito, os fatos narrados em juízo devem
ser cabalmente provados para que o órgão judican-
te os admita como verdadeiros. O encargo da prova
incumbirá a quem a existência do fato aproveite,
conforme seja a hipótese, e de acordo com os crité-
rios de partição desse ônus, xados em lei (CLT, art.
818). Esse onus probandi, contudo, como vimos, não
compreende os fatos notórios, os incontroversos e
aqueles que a lei presume existentes ou verdadeiros
(CPC, art. 374, I a IV). A necessidade está em que
o juiz não se pode deixar impressionar com meras
alegações expendidas pelas partes, exigindo-lhe a lei
que decida, que forme a sua convicção, com apoio
na prova produzida nos autos. Incide no particular,
portanto, a regra latina “secundum allegata et probata
index iudicare debit”, que dá conteúdo aos sistemas
processuais modernos. Não seria desarrazoado a r-
marmos que, em princípio, o juiz não deve acreditar
em nenhuma das partes, razão pela qual elas devem
demonstrar a veracidade ou a verossimilhança dos
fatos alegados.
Sobre ser dispositivo, inquisitivo ou misto o
sistema adotado pelo processo do trabalho, vere-
mos mais adiante. Desta maneira, ao juiz, tangido
pelo dever legal de imparcialidade e consciente de
que crer em ambas as partes é impossível, por uma
questão elementar de lógica formal, resta apenas a
alternativa de, até prova em contrário, não acredi-
tar em nenhuma delas. Desse princípio também se
extrai a regra de que o juiz não pode decidir com
base no seu conhecimento pessoal dos fatos con-
trovertidos — ressalvado o nosso entendimento, já
manifestado, de que, em certas circunstâncias, ele
pode valer-se dessa cognição pessoal para orientar-
-se na instrução oral do processo.
b) Unidade (ou comunhão) da prova
É curial que a prova deva ser apreciada como
um todo. Isto não signi ca, porém, que diante
do complexo probatório o juiz só possa decidir,
exclusivamente, a favor desta ou daquela parte.
Essa atitude somente será exigível se a controvér-
sia concernir, apenas, a um fato e ciente, como,
por exemplo, quando o empregado alegar que foi
despedido sem justa causa (postulando, como con-
sectário, o aviso-prévio, o 13º salário proporcional,
as férias proporcionais, as guias para a liberação do
FGTS etc.) e o empregador, manifestando a sua con-
trariedade, sustentar que o empregado se demitiu.
Neste caso, impõe-se que o juiz, com fundamento
nas provas, acolha como verdadeiro apenas um dos
dois fatos-base mencionados (despedida injusta ou
demissão).
Considerando, todavia, que as petições iniciais
trabalhistas, em geral, contêm inúmeros pedi-
dos, que decorrem, muitas vezes, de causas (fatos
e cientes) heterogêneas, é palmar que ante o com-
plexo probatório — e sempre com fulcro nele — o
juiz acolha parte dos pedidos do autor (e, conse-
quentemente, parte dos pedidos do réu), sempre
que for o caso.
Assim, o princípio em exame está a indicar que
as provas devem ser apreciadas em seu conjunto,
sem que se tenha de decidir, com exclusividade, em
favor de um dos litigantes, só porque teria provado
a maioria dos fatos em que se apoiam os seus pedi-
dos. Para esse efeito, pouco importa que o conjunto
probatório seja constituído por uma miscigenação
de meios (documentos, testemunhas, perícia e todos
os demais, moralmente legítimos, previstos em lei);
sobreleva, sim, o fato de que esses meios, indistin-
tamente, se revistam de e cácia para provar o que
pretendem, atuando, desta maneira, na formação do
convencimento do julgador.
Em alguns casos, a exigência de que a prova seja
examinada em seu conjunto faz com que o juiz ve-
ri cando, por exemplo, que a prova testemunhal
quanto à duração da jornada de trabalho cou divi-
dida, decida pela média dos depoimentos, de tal arte
que não condena o réu a pagar ao autor as quatro
horas extras diárias pretendidas, mas, em contra-
partida, também não absolve o réu: condena-o, sim,
a pagar duas horas extras diárias. Não estamos di-
zendo que o juiz deverá, sempre, adotar essa atitude
“salomônica”, e sim que em algumas situações ser-
-lhe-á lícito agir desse modo.
c) Lealdade ou probidade da prova
A prova, tal como o processo em geral, tem um
propósito marcadamente ético; por isso, em um pla-
no ideal se pode a rmar que todos os sujeitos do
processo (juiz, partes, advogados, Ministério Públi-
co, terceiros legitimados e o mais) têm interesse em
que a verdade dos fatos a ore nos autos sem laivos
de meia-verdade ou de falsa-verdade. Esse anseio,
visa a resguardar, sob um aspecto mais amplo, a
própria respeitabilidade do Poder Judiciário e das
decisões por ele proferidas.
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Na prática, todavia, sabemos que não raro esse
desiderato só se manifesta na consciência de quem
tem o poder-dever constitucional de julgar, por-
quanto, propulsionadas às vezes por interesses
subalternos, as partes se empenham em acobertar
a verdade que lhes é prejudicial, valendo-se, nesse
afã, de meios arti ciosos, desleais e antiéticos. An-
dou certo, por conseguinte, o legislador processual
ao instituir uma punição ao litigante de má-fé, que
se caracteriza, entre outras coisas, por alterar, inten-
cionalmente, a verdade dos fatos e por fazer uso do
processo com o intuito de conseguir objetivo ilegal
(CPC, art. 80, II e III, respectivamente).
O inalienável conteúdo ético do processo fez com
que a lei, até mesmo, tivesse procurado impedir que
as partes, em conchavo, pudessem se servir do pro-
cesso para praticar ato simulado ou conseguir m
defeso por lei, determinando, para tanto, que o juiz,
disso se convencendo, pro ra sentença “que impeça
os objetivos das partes” (CPC, art. 142). Essa dis-
posição legal demonstra, entre outras coisas, que o
processo não constitui propriedade das partes.
Logo, o objetivo de apreender a verdade, de
materializá-la nos autos por intermédio de elemen-
tos palpáveis e apropriados, nem sempre preside o
comportamento dos litigantes, a quem, ao contrário,
em determinadas circunstâncias a verdade real não
convém, razão por que se interessam em construir,
nos autos, uma verdade formal que não coincida
com aquela. Tais atitudes escusas, de que por vezes
se valem os litigantes, não elimina nem comprome-
te o caráter ético do processo, embora seja forçoso
reconhecer que possam pôr em risco a sua respei-
tabilidade aos olhos dos jurisdicionados — ou da
opinião pública em geral.
d) Contraditório
O contraditório não é uma peculiaridade da
prova, se não que uma das características mais
profundas de todo o devido processo legal (as au-
diências serão públicas: CLT, art. 813, caput), que
encontra raízes na máxima latina audiatur et altera
parte. Note-se que a doutrina e o direito alemães
aludem à bilateralidade da audiência (“grundsa
des beiderseitigen gehors”), no qual se enastra, por
certo, o da contradição quanto à prova. Observam,
a propósito, Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria
geral do processo. São Paulo: Rev. dos Trib., 1979. p.
25), que “No princípio do contraditório também se
estriba outro direito de natureza constitucional: o di-
reito de defesa (art. 153, § 15), segundo o qual nemo
inauditus damnari potest”. Atualmente, essa referên-
cia feita pelos citados autores é ao art. 5º, inciso LV,
da Constituição Federal de 1988.
Desta forma, a parte contra quem se produziu ou
se vai produzir a prova tem o direito de impugná-la
pelos meios previstos em lei, estabelecendo-se, assim,
o contraditório. Na linha dessa garantia legal, a parte
tem o direito de manifestar-se sobre os documentos
juntados pela ex adversa, bem como poderá contradi-
tar as testemunhas (CPC, art. 457, § 1º) por quaisquer
dos motivos mencionados na lei processual (CLT,
art. 829 e CPC, art. 447, §§ 1º, 2º e 3º), recusar o perito
(CPC, art. 467) etc.
A contradição, todavia, não se resume à impug-
nação da prova produzida ou que se vai produzir
(ato elisivo); pode a parte, inclusive, realizar a con-
traprova (ato elisivo-constitutivo), com o que estará
não somente neutralizando a prova elaborada pelo
adversário, mas constituindo uma outra, que a subs-
titui opostamente.
Já não se admite que a prova seja produzida se-
creta ou sub-repticiamente, como outrora; tanto
assim é que sempre que uma das partes juntar docu-
mentos aos autos a outra deverá, necessariamente,
ser intimada para manifestar-se a respeito no prazo
de quinze dias (CPC, art. 437, § 1º), sob pena de nu-
lidade processual — salvo se dessa omissão do juiz
não resultar nenhum prejuízo à parte contra a qual o
documento foi produzido (CLT, art. 794).
e) Igualdade de oportunidades
O tratamento igualitário que o juiz deve ministrar
às partes também se manifesta — e quem sabe com
maior intensidade — no terreno da prova. Por força
desse princípio, aos litigantes se deve conceder a mes-
ma oportunidade para requererem a produção de
provas, ou para produzi-las, sob pena de a infringên-
cia dessa garantia conduzir, virtualmente, à nulidade
do processo, por restrição do direito de defesa.
Já dissemos, em linhas pretéritas, que a lei não
exige que a parte produza prova, mas sim, que lhe
seja assegurada a oportunidade de, querendo, produ-
zi-la. Este é pois, o conteúdo e o alcance do princípio
da igualdade de oportunidades. É certo que, também
aqui, só se declarará a nulidade se houver manifesto
prejuízo à parte a quem não se concedeu a mesma
oportunidade para produzir provas, pois o prejuízo
constitui, fundamentalmente, como vimos, o pres-
suposto legal para a con guração daquela: di-lo,
claramente, o art. 794 da CLT, que deu concreção ao
princípio doutrinário universal da transcendência,
que informa o sistema das nulidades processuais e
que se identi ca na máxima francesa pas de nullité
sans grief. O prejuízo, contudo, por si só, não basta;
tratando-se de nulidade relativa, devem as partes
argui-la na primeira vez que tiverem de falar em
audiência ou nos autos (CLT, art. 795, caput). Note-
-se que a locução legal “tiverem de” traz implícita a
ideia de um direito de a parte manifestar-se, que se
articula com o momento processual oportuno para
exercitá-lo. De tal arte, não se deveria consentir, v. g.,
em nome da boa ordem processual, que o litigante,
ato contínuo à prática do ato (ou ausência da prática
de ato necessário) que entendesse ensejar a declara-
ção de nulidade, se pronunciasse em audiência ou
nos autos, arguindo-a. É preciso que o zesse no ins-
tante oportuno.
Art. 369

Para continuar a ler

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