Da Revelia (arts. 344 a 346)

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas494-510
494
Código de Processo Civil
CAPÍTULO VIII
DA REVELIA
Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão
verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.
• Comentário
Conceito
O vocábulo revel (do latim rebellis) signi ca, na lin-
guagem processual, aquele que, citado (réu), deixou,
sem qualquer justi cativa razoável, de contestar os
fatos alegados na inicial. O substantivo revelia desig-
na, portanto, a qualidade de quem é revel.
Sob este aspecto, há indiscutível sinonímia entre
as palavras revelia e contumácia, embora alguns au-
tores tenham procurado fazer crer que esta seria
a causa daquela, ou, ainda, que a contumácia se-
ria o gênero, do qual a revelia se apresentaria como
espécie. Não nos parece, contudo, que essa tentati-
va de separar os conceitos de uma e de outra tenha
base cientí ca, e, mesmo, léxica. Em essência, tanto
a revelia quanto a contumácia traduzem o fato ca-
racterizado pela inexistência de resposta do réu que
tenha sido citado.
Revelia, entretanto, não é pena, conforme costu-
mam supor, irmanadas no erro, doutrina e jurispru-
dência. A pena pressupõe o inadimplemento de uma
obrigação, sendo certo que nenhuma norma proces-
sual moderna obriga o réu a responder à ação. O que
há, quando muito, é um seu ônus nesse sentido, cuja
quebra fará com que se presumam verdadeiros os
fatos alegados pelo autor. Nem mesmo a con ssão é
pena, ao contrário do que têm alardeado aqueles que
não se dão ao cuidado de examinar o senso exato das
palavras que utilizam. Não existe uma obrigação legal
de impugnar os fatos narrados pelo adversário, mas,
apenas, um dever quanto a isso.
O que deve ser entendido, para evitar equívocos
comprometedores, é que o réu tem o direito de ser
regularmente citado, a m de que, cienti cado, por
essa forma, da existência da ação, possa fazer uso
da faculdade de se defender. Por outros termos: o
direito de ampla defesa lhe é constitucionalmente
assegurado, conquanto o efetivo exercício desse di-
reito entre no seu livre arbítrio. É verdade que se o
réu deixar de responder à ação, sem justi cativa ra-
zoável, sofrerá as consequências processuais de sua
incúria, que, como sabemos, consistirão na presun-
ção de veracidade dos fatos descritos na peça inicial.
Do quanto expusemos até esta parte, podemos
formular, sem rebuços, o seguinte conceito de re-
velia: é a ausência injusti cada de contestação do
réu, que tenha sido regularmente citado. Aí estão, a
nosso ver, os elementos essenciais do conceito, agora
mencionados em outra ordem: a) citação do réu;
b) ausência de contestação; c) inexistência de justi-
cativa legal desse silêncio.
Nem toda ausência de resposta con gura revelia.
Lembremos que essas respostas compreendem, no
processo do trabalho, as exceções, a contestação e a re-
convenção. Se o réu deixar, digamos, de excepcionar
o juízo, por certo não será revel. A revelia emana,
exclusivamente, da falta de contestação.
Como a revelia, enquanto fato processual, espe-
lha a ausência de contestação do réu à ação ajuizada
pelo adversário, o que ao réu incumbirá, caso se sinta
seguro para comprovar os motivos pelos quais dei-
xou de responder, será procurar elidir esse estado,
ou seja, a revelia, perante o tribunal, com objetivo de
ver assegurado o seu direito de apresentar, no juízo
de primeiro grau, a resposta que desejar.
Por esse motivo, incidirá em erro o réu toda vez
que, ao interpor recurso ordinário da sentença con-
denatória proferida à sua revelia, procurar discutir
o mérito da causa. Se isso fosse possível, estaria sen-
do suprimido um grau de jurisdição, levando-se em
conta o fato de o réu não haver impugnado o mérito
em primeiro grau. Portanto, no caso de revelia, o re-
curso que vier a ser interposto pelo réu deverá estar
circunscrito à elisão do seu estado de revelia, para
que ele possa oferecer, no juízo a quo, contestação.
É conveniente revermos algumas concepções do
passado a respeito da revelia, para que possamos
melhor entender esse acontecimento do processo.
Alguns estudiosos chegaram a identi cá-la como
uma rebelião ao poder do juiz. Dessa rebeldia ex-
traía-se o fundamento para a punição do revel. Essa
opinião, contudo, não pode prosperar nos tempos
modernos, nos quais a resposta do réu, como a r-
mamos, não é obrigatória nem gura como requisito
fundamental para o desenvolvimento do processo.
O que se exige é que ele seja citado, vale dizer, cien-
ti cado da existência da demanda.
Chegou-se, também, a reconhecer na revelia a re-
núncia ao direito de defesa. Essa teoria pecou pelo
excesso. Se sustentasse que a contumácia correspon-
deria à renúncia ao direito de resposta, poderia até
ser aceitável. Falar, todavia, em renúncia ao direito
de defesa importa ir além da medida, pois o conceito
de defesa, como sabemos, é bem mais amplo do que
o de resposta. Desde o sistema do CPC de 1939, em
nosso meio se assegurou a possibilidade de o revel
intervir da causa para se defender, recebendo-a no
estado em que se encontre. Isso demonstra que a
única renúncia capaz de ocorrer na revelia é quanto
ao direito de responder, nunca de se defender.
Pensou-se, ainda, na revelia como uma espécie
de desistência da faculdade de agir. Essa corrente
de pensamento, conquanto tenha o mérito de apro-
Art. 344
495
Código de Processo Civil
ximar-se da concepção hoje predominante, ca sem
poder dar uma explicação suasória diante do fato
de que essa desistência acarreta consequências pro-
cessuais desfavoráveis ao revel. Conforme pudemos
argumentar em defesa do conceito que formulamos
anteriormente, em que pese ao fato de o exercício do
direito de resposta do réu estar ligado a uma sua fa-
culdade, isso não signi ca que a opção de não fazer
uso dessa faculdade não lhe acarrete consequências
prejudiciais. Demais, o revel não desiste da faculda-
de de agir, mas, apenas, de responder (contestar, no
caso). Valemo-nos, aqui, das mesmas objeções que
lançamos à teoria da renúncia ao direito de defesa:
há excesso no seu conteúdo.
A teoria da inatividade, formulada por notá-
veis juristas italianos (Chiovenda, Beti), procurou
explicar a revelia a partir do elemento objetivo da
contumácia, desprezando, assim, o subjetivo. Para
ela, portanto, a lei levaria em conta, apenas, o as-
pecto objetivo da revelia, que se manifestaria sob
a forma de uma aceleração ou de simpli cação do
procedimento, em decorrência da falta do contradi-
tório. Exatamente por isso é que essa teoria rejeitou a
relevância de questões como con ssão ctícia, inten-
ção do revel, justiça da sentença, por serem de foro
subjetivo. Essa concepção doutrinária, porém, não
se ajusta à nossa realidade legislativa, pois a norma
processual não reduz a revelia a mera simpli cação
do procedimento, prevendo também consequências
jurídicas desfavoráveis ao revel, consubstanciadas
na presunção (ainda que relativa) de veracidade dos
fatos alegados pelo autor.
Nenhuma das teorias aqui expostas, como já se
pode inferir, se sustenta diante de nosso sistema
processual, embora sejam perfeitamente apropria-
das e abalizadas para justi car sistemas vigorantes
nos países de origem.
Como a rmamos, no processo civil brasileiro as
partes têm deveres em face do processo, como os
de expor os fatos em juízo conforme a verdade; não
formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de
que são destituídas de fundamentos; não produzir
provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessá-
rios à declaração ou defesa do direito; cumprir com
exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza
provisória ou nal, não criar embaraços à efetiva-
ção de pronunciamentos jurisdicionais de natureza
antecipatória ou nal; declinar o endereço em que
receberão intimações e atualizar essas informações
quando for o caso; não praticar inovação ilegal no
estado de fato de bem ou direito litigioso (CPC,
art. 77). Devem ser mencionados, ainda, os deveres
de comparecer a juízo para serem interrogadas e de
responder ao que lhes for interrogado, assim como
de submeter-se à inspeção judicial, de praticar o ato
que lhe for determinado (art. 379, I a III); de tratar as
testemunhas com urbanidade (CPC, art. 459, § 2º) e
de não praticar ato atentatório à dignidade da Justi-
ça (CPC, art. 774), entre outros.
Interessam-nos, em especial, os deveres de expor
os fatos em juízo conforme a verdade (CPC, art. 77, I)
e de impugnar os fatos alegados pelo autor, sob pena
de serem presumidos verdadeiros (CPC, art. 341).
Quando o autor invoca a prestação da tutela ju-
risdicional, com o escopo de promover a defesa de
um bem ou de uma utilidade da vida, ele o faz por
meio de um instrumento especí co de provocação
dessa atividade estatal, a que se denomina petição
inicial. Nesta, incumbir-lhe-á narrar os fatos dos
quais extrairá, mais adiante, os pedidos. Vimos
que esses fatos devem ser narrados de acordo com
a verdade. Se tais fatos não correspondem à ver-
dade, cabe ao réu impugná-los. Não o fazendo, a
consequência objetiva, prevista pelo nosso sistema
processual, é a presunção de veracidade dos fatos
constantes da inicial. Os nossos códigos se afasta-
ram, como se percebe, da tradição romana, segundo
a qual, mesmo havendo contumácia, o autor perma-
necia com o ônus de comprovar os fatos alegados.
Não vem ao encontro do propósito da análise que
estamos a empreender se essa atitude do legislador
brasileiro foi correta, ou não, embora antecipemos a
nossa opinião de que foi.
À luz do processo civil de nosso País (e, por ex-
tensão, do processo do trabalho), a revelia encontra
no próprio sistema a justi cação (técnica, política,
lógica) de sua existência, uma vez que se há um
dever do autor (para cogitarmos somente dele) de
expor os fatos, na petição inicial, conforme a ver-
dade, e um dever do réu, de impugnar esses fatos,
caso os repute inverídicos; é evidente que a revelia,
à qual se liga a falta de depoimento do réu, implica
o reconhecimento tácito, por parte deste, de que são
efetivamente verdadeiros esses fatos.
Se a norma legal ordena, em nome do princípio
do contraditório, que se dê ao réu a oportunidade
para refutar os fatos a rmados pelo adversário, e ele
nem sequer comparece a juízo para fazê-lo, é abso-
lutamente razoável que ditos fatos tenham em seu
favor a presunção, ainda que relativa (iuris tantum),
de veracidade, pois não seria justo exigir que o autor
os provasse mesmo quando o réu tenha preferido
manter injusti cado silêncio diante deles.
Não se trata, portanto, de rebelião ao poder do
juiz, nem de renúncia ao direito de defesa, ou de de-
sistência da faculdade de agir ou de inatividade do
réu, e, sim, de quebra, por parte deste, dos deveres
legais de vir a juízo, a m de impugnar, com preci-
são (especi camente), os fatos narrados pelo autor e
de submeter-se ao interrogatório.
Preocupam-se, alguns estudiosos, com a possi-
bilidade de a con ssão presumida, decorrente do
silêncio do réu, acabar consagrando a inverdade,
a mentira, sempre que os fatos expostos na inicial
não forem verdadeiros. Ora, essa objeção é insus-
tentável, seja porque se nada há nos autos, capaz de
demonstrar que os fatos são falsos, seria de indagar-
-se com que fundamentos jurídicos se poderia alegar
essa falsidade, seja porque a possibilidade de acabar
prevalecendo a inverdade não é algo que decorra,
com exclusividade, da revelia e da ausência de de-
poimento, podendo, infelizmente, ser produzida
mesmo nos casos em que não ocorra a revelia, bas-
tando, para isso, que o réu induza, por exemplo, as
suas testemunhas ao falseamento da verdade.
Art. 344

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT