Da propriedade

AutorAdriano Stanley
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Processual pela PUC Minas
Páginas69-88
6DA PROPRIEDADE
1. DO DIREITO DE PROPRIEDADE AO DEVER DA PROPRIEDADE
O direito de propriedade foi, seguramente, o instituto do direito privado
que mais sofreu (e continua a sofrer) as maiores transformações em seu
conceito e estrutura. Transformações tão amplas e profundas que exigem
de nossa doutrina a reconstrução urgente de sua dogmática, sob pena de in-
corrermos na imperdoável incoerência de aplicarmos um texto constitucio-
nal moderno e arejado, sobre um tecido velho e carcomido, que constituiu
a propriedade privada ao longo de quase todo o século XX, sob a ótica do
Código Civil de 1916, de índole egoística e patrimonialista.
Estampado no artigo 5241 daquele estatuto, luzia com todo o esplendor
o espírito patrimonialista acima referido. O Estado assegurava o direito de
propriedade de maneira irrestrita, independentemente da função que es-
tivesse sendo dada a esta propriedade pelo seu titular. Protegia-se o título
(o papel, por assim dizer) por si só.
A Constituição da República de 1988 coroou o movimento de sociali-
zaçãodosinstitutosjurídicos.Especicamente,noquedizrespeitoàpro-
priedade privada, este movimento teve início na Constituição de 1946 que,
em seu artigo 147 assim dispunha, in verbis: “O uso da propriedade será
condicionado ao bem-estar social.(...)”.
Topogracamente,a função socialdapropriedadefoielevadaaPrin-
cípio Constitucional pela sua inserção no Capítulo I, do Título VII da
Constituição da República de 1988: Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica. In verbis:
1 “Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus
bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.”
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Adriano Stanley
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-
manoena livre iniciativa, temporm assegurara todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
(...)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade; (...).
O texto constitucional de 1988 chamou para si a responsabilidade de
tutelar o direito de propriedade, e o novo ordenamento civil (ao menos no
que se refere a esse direito) encontra-se em maior sintonia com a nossa
Constituição. Isso porque, nas palavras de Roxana Cardoso:
O direito de propriedade, em sua concepção clássica, tem-se mostra-
do muitas vezes inadequado para os anseios da sociedade atual. Com
a evolução dos direitos e a emergência de categorias como os direitos
coletivos e difusos, os interesses da sociedade como um todo, mesmo
queseustitularesnãopossamserindividualmenteidenticados,devem
prevalecer sobre os interesses particulares que, desta forma, precisam
ser adaptados às características deste momento histórico. (BORGES,
1998, Vol. 9, p. 68)
Disto resulta que atualmente não se pode mais conceber a propriedade
como sendo um regime jurídico meramente subordinado ao Direito Civil.
Ao contrário:
(...) em verdade, o regime jurídico da propriedade tem seu fu ndamento
na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que ela
atenda a sua função social (art.5º,XXIIeXXIII).(...)Signicaisso
que o Direito Civil já não disciplina mais a propriedade, mas tão so-
mente regula as relações civis a ela pertinentes. Assim, só valem no
âmbitodasrelaçõescivisasdisposiçõesdoCódigoCivilqueestabele-
cem as faculdades de usar, gozar e dispor de bens (art. 524), a plenitude
da propriedade (art. 525), o caráter exclusivo e ilimitado do domínio
(art. 527), etc. (VIANA, 2003, p. 62) (grifos nossos)
Ou ainda:
Com o advento da Constituição da República de 1988 o direito de pro-
priedade deixa de ter sua regulamentação exclusivamente privatista,
baseada no Código Civil, e passa a ser um direito privado de interesse
público, sendo as regras para o seu exercício determinada s pelo Direito
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