Das conciliações e das mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial
Autor | Paulo Furtado de Oliveira Filho |
Ocupação do Autor | Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo |
Páginas | 11-29 |
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DAS CONCILIAÇÕES E DAS MEDIAÇÕES
ANTECEDENTES OU INCIDENTAIS AOS
PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Paulo Furtado de Oliveira Filho
Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca
de São Paulo
Sumário: 1. Introdução. 2. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Seção II-A, introduzida na Lei 11.101/2005 e composta pelos artigos 20-A a 20-
D, disciplina alguns aspectos da relação da mediação e da conciliação com processos de
recuperação judicial e extrajudicial, iniciando por dizer que tais métodos de resolução
de conflitos devem ser estimulados pelo Poder Judiciário, o que já constava do Código
Porém, enquanto nos processos regidos pelo CPC os conflitos geralmente são de
natureza bilateral – em que há interesses contrapostos, como o do vendedor e do compra-
dor, do locador e do locatário, e do marido e da mulher –, nos processos de recuperação
judicial há uma situação de crise econômica e financeira de um devedor com impacto
em múltiplos interesses, como o dos acionistas, dos empregados, das instituições finan-
ceiras, dos fornecedores e do Fisco.
Portanto, é preciso salientar qual a vocação dos processos de reorganização empresarial,
a fim de que os novos dispositivos legais relativos à utilização da mediação e da conciliação
não sejam aplicados em colidência com os aspectos essenciais do modelo de superação
de crise empresarial em vigor desde 2005, quando o direito brasileiro passou por grande
transformação quanto à disciplina das empresas em crise, substituindo a concordata2 pela
1. Nos termos do artigo 3º, §§ 2º e 3º, do CPC: “§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual
dos conflitos. §3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados pelos juízes, advogados, defensores e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo
judicial”.
2. “A concordata não passava de um privilégio (“favor legal”) garantido ao comerciante regular, através de combinações
pré-concebidas de desconto (remissão parcial) pedir prorrogação de vencimento de dívidas em face dos credores
quirografários. Tratava-se do regime jurídico que não levava em conta as peculiaridades do devedor nem possibilitava
uma proposta diferenciada de solução para a crise, o que acabava gerando um resultado duplamente nefasto:
empresas viáveis não tinham espaço para propor soluções adequadas aos seus problemas empresas inviáveis
postergavam sua liquidação, se mantendo no mercado e aumentando o potencial prejuízo de seus credores”
PAULO FURTADO DE OLIVEIRA FILhO
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recuperação judicial e extrajudicial como meio de superação de crises econômico-fi-
nanceiras experimentadas pelos empresários3.
Segundo autorizadas fontes doutrinárias estrangeiras e nacionais4, o processo de
recuperação judicial nada mais é do que um ferramenta para a melhor solução coletiva para
os credores como grupo, diante de uma situação de crise econômica do devedor comum.
De acordo com o professor Francisco Satiro, nada impede que um empresário
em dificuldades componha-se livremente com seus credores independentemente da
existência de um arcabouço normativo específico. Entretanto, a realidade mostra que,
especialmente diante da complexidade estrutural das atividades empresariais atuais e
da multiplicidade de credores com interesses e objetivos no mais das vezes incompa-
tíveis, a tarefa de negociação e composição de débitos, ou mesmo de restruturação de
negócios, tende a ser inefetiva, quando não impossível. Identificou-se assim a necessi-
dade de, ao lado do imprescindível procedimento de liquidação dos agentes financeira
ou economicamente inviáveis (representado pela falência), oferecer-se ao empresário
em dificuldades ferramentas que reduzissem os custos de transação, desestimulassem
comportamentos oportunistas e organizassem de uma forma minimamente racional as
ações dos seus credores, do modo a possibilitar um coordenado processo de negociação
e decisão. Esse procedimento negociado de reorganização, no Brasil toma a forma de
recuperação judicial e recuperação extrajudicial5.
Segundo o professor Eduardo Munhoz, em momentos de dificuldade financeira é
natural que os credores busquem a satisfação de seus créditos, com o objetivo de obter
algum benefício, mas a atuação de um deles precipita a corrida de todos, o que pode
levar a resultado pior para o grupo. Por isso, o procedimento de recuperação judicial
tem como instrumento importante a suspensão das ações e execuções contra o devedor
(“stay period”), cuja finalidade é interromper a corrida individual dos credores, evitando
a liquidação precipitada de bens integrantes do patrimônio do devedor, até que sejam
reunidos e classificados os diversos credores e até que seja apresentado um plano de
recuperação.6
De acordo com o referido professor, a reunião de credores em classes visa a assegurar
que a vontade dos credores na recuperação seja manifestada de forma coerente com as
(TELLECHEA, Rodrigo, SCALZILLI, João Pedro, SPINELLI, Luis Felipe. História do direito falimentar: da execução
pessoal à preservação da empresa. São Paulo: Almedina, 2018. p. 205).
3. Na perspectiva da professora Sheila Cerezetti, p. 427, “o diploma revolucionou o sistema concurso nacional
ao adotar o princípio da preservação da empresa e preferir os mecanismos de recuperação empresarial aos de
liquidação, sempre que se trate de empresas viáveis”. (NEDER CEREZETTI, Sheila Christina, A Recuperação
Judicial de Sociedade por Ações – O Princípio da Preservação da Empresa na Lei de Recuperação e Falência. São
Paulo, Malheiros, 2012).
4. JACKSON, Thomas. The logic and limits of bankruptcy. Washington D.C.: Beard Books, 2001; BAIRD, Douglas
G, e JACKSON, Thomas H. Corporate Reorganizations and the Treatment of Diverse Ownership Interests: A Comment
on Adequate Protection of Secured Creditors in Bankruptcy. U. Chi. L. Rev., v. 51, 1984; SOUZA JUNIOR, Francisco
Satiro. Autonomia dos Credores na Aprovação do Plano de Recuperação judicial. In: CASTRO, Rodrigo Rocha
Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge e GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (Coord.). Direito Empresarial
e Outros Estudos em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013;
MUNHOZ, Eduardo Secchi. Cessão fiduciária de direitos de crédito e recuperação judicial de empresa. Revista do
Advogado, v. 29, nº 105, 2009.
5. Op. cit., p. 103.
6. Op. cit., p. 34.
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