O dever de 'motivação administrativa' no contexto das escolhas regulatórias: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU)

AutorBruno Araujo Ramalho
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Páginas123-155
o dever demotivAção AdministrAtivAno
contexto dAs escolhAs regulAtóriAs: umA
Análise dA jurisprudênciA do tribunAl de
contAs dA união (tCU)1
Bruno Araujo Ramalho2
1. introdução
Naseminal contribuiçãode GiandomenicoMajone sobrea conguração
de um “Estado Regulador” em diferentes democracias (MAJONE, 1997),
destacou-se a importância da enunciação das razões (subjacentes às de-
cisões) como instrumento de ativação de uma série de mecanismos ende-
reçados ao controle da discricionariedade regulatória:
The simplest and most basic means of improving agency
transparency and accountability is to require regulators to give
reasons for their decisions. This is because a giving-reasons
requirement activates a number of other mechanisms for
controlling regulatory discretion, such as judicial review, public
participation and deliberation, peer review, policy analysis to
justify regulatory priorities and so on3 (MAJONE, 1997, p. 126).
1 O autor gostaria de registrar seu agradecimento ao Prof. Dr. Eduardo Jordão pe-
las críticas e sugestões endereçadas à versão preliminar deste artigo.
2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-
RIO), Mestrando em Direito da Regulação pela Escola de Direito da Fundação Getu-
lio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ).
3 Tradução livre: “Uma forma simples e básica de melhorar a transparência e a
accountability (responsabilidade) das agências é exigir que reguladores forneçam as
razões para as suas decisões. Isso porque a exigência de enunciar razões desenca-
deia uma série de outros mecanismos para o controle da discricionariedade regula-
tória, tais como a revisão judicial, a participação e deliberação pública, a revisão por
Transformações do direiTo adminisTraTivo: ConsequenCialismo e esTraTégias
124
Na compreensão do autor, o ato de motivar (enunciar as razões) po-
tencializa os efeitos dos diferentes atributos de accountability (horizontal
ou vertical) e, dessa forma, exerce um papel crucial para o funcionamento
desses mecanismos de governança.
Mesmonaquelescasosquepermitemumaampla margemdeexibi-
lidade discricionária à disposição da autoridade reguladora, argumentos
baseados exclusivamente na “supremacia do interesse público” não são
meios sucientes para fundamentar as intervenções regulatórias, o que
também vale para critérios de escolha “esvaziados” pelo binômio “conve-
niência e oportunidade” (OTERO apud GUERRA, 2013, p. 142). A exigência
de critérios subjacentes às escolhas discricionárias permanece sendo um
tema permeado por um acalorado debate na seara do Direito Administra-
tivo brasileiro, em especial no tocante à compreensão do processo e dos
mecanismos que estruturam a tomada de decisão (MEDAUAR, 2003, p.
197).
Embora a Lei nº 9784/99 prescreva que as entidades da administra-
ção pública federal devem indicar “os pressupostos de fato e de direito
que determinarem a decisão”,4 a forma como deve ser executada a “in-
dicação de pressupostos” repousa em variáveis de grande indetermina-
ção valorativa, uma vez que o parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei nº
9784/99 apenas indica que a motivação deve ser clara, explícita e con-
gruente.5
Posto isto, uma série de questões orbitam sobre o conteúdo mínimo
prescritivo desse comando normativo. Embora o tema já tenha sido ex-
plorado por diferentes autores, há uma clara preferência na abordagem
ligada à motivação dos atos de natureza concreta, sendo escasso o debate
sobre a motivação em atos de aplicabilidade geral, como é o caso de atos
normativos de agências reguladoras. Igualmente escassos são os estudos
realizados nesta seara sob o ponto de vista empírico-descritivo.
A opção por se debater sobre a operacionalização da “motivação
administrativa” a partir dos precedentes do Tribunal de Contas da União
se deve à profundidade da investigação empenhada nas auditorias ope-
pares,aanálisepolíticaparajusticarasprioridadesregulatóriaseassimpordiante”
4 “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios de
legalidade,nalidade,motivação,razoabilidade,proporcionalidade,moralidade,am-
pladefesa,contraditório,segurançajurídica,interessepúblicoeeciência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
[...]
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”.
5 Art. 50 [...] § 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo
consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”.
O dever demOtivaçãO administrativanO COntextO das esCOlhas regulatórias: uma análise da
jurisprudênCia dO tribunal de COntas da uniãO (tCu)
125
racionais quando comparadas ao exame de magistrados em processos
judiciais, uma vez que: (i) o escopo das auditorias operacionais envolve
a aferição de ecácia operacional e demais parâmetros que permitem
maior possibilidade de penetração no mérito da escolha regulatória; (ii)
as auditorias se dão com ampla coleta de informações e a formalização
de equipes dedicadas a examinar os dados coletados, o que possibilita
uma maior compreensão das questões técnicas se comparado a um ma-
gistrado atuando de forma isolada; e (iii) processos judiciais ocorrem em
maior número e questionando circunstâncias concretas de forma isolada,
enquanto as auditorias operacionais são articuladas, levando-se em conta
um grupo muito maior de variáveis sistematizadas entre si.
A partir desse ponto, o artigo será dividido em quatro partes. Inicial-
mente, será elaborado um referencial teórico sobre os aspectos procedi-
mentais e materiais relacionados ao dever de motivar as escolhas regu-
latórias. Na sequência, a segunda parte descreve a metodologia adotada
para a seleção dos casos que foram submetidos à análise. Na terceira par-
te, são expostos os resultados da pesquisa, seguida da quarta (e última)
parte, que discute alguns limites e problemas associados ao controle ora
observado.
2. referenciAl teórico
Emboracomportemúltiplossignicados,“regulação”podesercompreen-
dida como uma atividade que restringe comportamentos ou previne a
ocorrência de atividades indesejadas ao bem comum. De forma mais am-
pla, também se presta ao papel de possibilitar ou facilitar o andamento
de uma determinada atividade econômica entre múltiplos agentes (BAL-
DWIN et al, 2012, p. 3).6
Preponderantemente exercida por autoridades reguladoras indepen-
dentes, a regulação demanda uma necessária autonomia decisória, que é
contrabalanceada com diferentes ferramentas de accountability e outras
exigências procedimentais previstas pelo ordenamento.
Na prática, as amplas margens de discricionariedade concedidas ao
poder normativo de agências reguladoras passaram a representar um tu-
6 Nas palavras dos autores, “As a nal comment on the concept of regulation,
it should be noted that regulation is often thought of as an activity that restricts
behaviour and prevents the occurrence of certain undesirable activities (a ‘red light’
concept). The broader view is, however, that the inuence of regulation may also be
enabling or facilitative (‘green light’) as, for example, where the airwaves are regu-
lated so as to allow broadcasting operations to be conducted in an ordered fashion,
rather than left to the potential chaos of an uncontrolled Market” (BALDWIN et al,
2012, p. 3).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT