O direito positivo como sistema de comunicação

AutorJosé Renato Camilotti
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas31-70
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2 — O DIREITO POSITIVO COMO SISTEMA DE
COMUNICAÇÃO
Tomar o sistema de direito positivo como um imenso fe-
nômeno comunicacional é premissa fundamental do presen-
te trabalho. Consequência disso é a identificação dos dados
necessários a promover essa comunicação. A linguagem, que
sempre desempenha papel crucial no dado do conhecimento
científico, passa a ser, também, o substrato no qual todas as
mensagens jurídicas são emitidas.
2.1 Manifestação do fenômeno jurídico: a linguagem
como dado fundamental
A sociedade, enquanto sistema social, é um tecido de lin-
guagem em todas as suas complexidades e diversidades de
relações. Sobre este tecido de linguagem, que constrói a rea-
lidade social, há a incidência de outra camada de linguagem
(linguagem do direito positivo), a qual recorta partes do todo
deste tecido social para formar (criar) a realidade jurídica do
direito positivo. A linguagem do direito positivo, portanto, é
constituída a partir de recortes na linguagem social, da qual
fala, sendo uma espécie de linguagem de sobrenível. O direito
(tomado tanto em sua acepção de direito positivo, quanto de
ciência do direito) é manifestação de linguagem (prescritiva
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DENÚNCIA ESPONTÂNEA NO CONTEXTO DA CADEIA (NORMATIVA)
DE COMUNICAÇÃO JURÍDICA
e descritiva). O direito (manifestado necessariamente em lin-
guagem) tem poder criador de realidade jurídica, sendo a for-
ma pela qual se cria e, ao mesmo tempo, o próprio produto da
criação.
A linguagem é a forma pela qual se percebe o fenômeno
jurídico, a maneira de apresentação da realidade do direito;
toda produção do tecido normativo é manifestação em lingua-
gem. Não há direito sem a linguagem; não há realidade jurídi-
ca sem o dado da linguagem. Segundo assertiva de PAULO DE
BARROS CARVALHO, “[…] ali onde houver regulação jurídi-
ca haverá, inexoravelmente, proposições normativas que, es-
critas ou não escritas, hão de manifestar-se em linguagem”.52
Importante considerar, nesse passo, que há necessário
hiato entre a realidade social e a realidade jurídica, posto am-
bas sejam constituídas por distintos extratos de linguagem,
na medida em que a última se constrói a partir da primeira.
Sendo os enunciados normativos seletores de propriedades,
neles estabelece o legislador quais os aspectos do suporte físi-
co que ingressam e quais os que não ingressam nos domínios
do direito.
Fixada a premissa de ser a linguagem o dado constitutivo
da realidade jurídica, qualquer pretensão de análise científica
deve considerar métodos e técnicas de compreensão desses
textos prescritivos em seus esforços de cognição.
Considerando os três prismas de análise da linguagem
(sintaxe, semântica e pragmática), é inegável concluir que o
fenômeno jurídico enseja esses três planos: o das formulações
literais, de suas significações enquanto enunciados prescriti-
vos e o das normas jurídicas, como unidades de sentido obti-
das mediante o grupamento de significações que obedecem
a determinado esquema formal (implicacional), e, se pensar-
mos que todo nosso empenho se dirige para construir essas
52. CARVALHO, Paulo de Barros. “Sobre princípios constitucionais tributários”.
Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55, ano 15, jan./
mar. 1991, p. 147.
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JOSÉ RENATO CAMILOTTI
normas contidas num estrato de linguagem, não será difícil
verificar que o direito constitui-se por texto, em sentido am-
plo. O exegeta, em sua missão, compreende e interpreta o
sistema jurídico, construindo o conteúdo, alcance e sentido
da comunicação legislada. Para tanto, busca os vetores axio-
lógicos localizados nos escalões mais altos, para aplicá-los aos
escalões mais baixos.53
Sendo assim, o direito, em sua concepção positiva mani-
festa-se em extrato de linguagem (prescritiva). Nesta perspec-
tiva, qualquer teoria se pretenda científica (vazada em novo
extrato de linguagem, mas desta sorte, descritiva) em relação
a tal objeto, deve ser útil e apta a descrever uma língua, a lín-
gua do direito posto. Deve o método ser apto a investigar as
proposições de forma sintática, semântica e pragmática, no
sentido de bem identificar os signos e seus significados. Tal
empresa somente é construída pelo intelecto, pela interpreta-
ção, impregnada de valores e condicionantes histórico-cultu-
rais do intérprete.
2.1.1 Fato jurídico e fato social (evento)
Evento seria fenômeno ocorrido na realidade, no mundo
real social, não sujeito a qualquer espécie de repetição. Fatos
são sempre enunciados linguísticos, são articulações em lin-
guagem. Não há fatos que não sejam articulados em enuncia-
dos de linguagem. Assim, se não há qualquer fato que não seja
articulado em linguagem, não há possibilidade de contempla-
ção de quaisquer fatos jurídicos sem a necessária linguagem
jurídica, dada a premissa de que o direito é fenômeno cultural
que tem a linguagem como seu dado constitutivo.
Adotamos posicionamento doutrinário de que a aplica-
ção das normas jurídicas coincide com o conceito de inci-
dência, na medida em que a aplicação seria o ato de fazer a
53. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 3. ed. São
Paulo: Noeses, 2009, p. 183-185.
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