Premissas epistemológicas

AutorJosé Renato Camilotti
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas1-30
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1 — PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS
É necessário definir os alicerces sobre os quais se ergue-
rão nossas considerações; isso é uma imposição do conheci-
mento. O conhecimento científico, especialmente, apenas
torna-se viável a partir da adoção de modelos referenciais, a
partir da adoção de premissas sobre as quais são construídas
as afirmações acerca daquilo que se pretende conhecer.
Tal necessidade surge inevitável na medida em que não
admitimos conhecimento científico sem linguagem, sendo
esta uma orientação de fundo epistemológico para o presente
trabalho, na medida em que apostamos na linguagem como
mecanismo de constituição do conhecimento científico, e não
como mero instrumento para sua construção.
1.1
A língua e a realidade de Flusser
A filosofia da linguagem de VILÉM FLUSSER registra
o mundo como dado bruto, desorganização, algo não com-
preensível; enfim, o caos. A função organizadora, pela qual
o mundo se apresenta inteligível, é exercida exclusivamente
pela língua.
Se definirmos realidade como o “conjunto de dados”, podemos
dizer que vivemos em realidade dupla: na realidade das pala-
vras e na realidade dos “dados brutos” ou “imediatos”. Como os
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DENÚNCIA ESPONTÂNEA NO CONTEXTO DA CADEIA (NORMATIVA)
DE COMUNICAÇÃO JURÍDICA
dados “brutos” alcançam o intelecto propriamente dito em for-
ma de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de
palavras e de palavras in status nascendi.
[…]
As palavras que chegam até nós através dos sentidos vêm orga-
nizadas. São agrupadas em obediência a regras pré-estabeleci-
das, formando frases. Quando percebemos palavras, percebe-
mos uma realidade ordenada, um cosmos.
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Os pensamentos são resultados da língua em que são ar-
ticulados, referindo-se diretamente apenas a essa realidade
(a realidade formada pela respectiva língua). Nesse sentido,
a estrutura ontológica da língua, ou seja, a realidade formada
pela língua (aquilo que faz com que as frases tenha sentido)
determina a realidade percebida, o que leva à conclusão de
que as categorias aristotélicas do conhecimento, tão difundi-
das na civilização ocidental, são, nada mais, do que fruto da
análise da gramática da língua grega.3
Dessa maneira, as estruturas ontológicas de cada língua
influenciam diretamente nos pensamentos e correntes filosó-
ficas de cada uma delas, permitindo-se a conclusão de que a
estrutura ontológica de cada língua está implícita nos pensa-
mentos filosóficos e que a filosofia somente pode evoluir com
a mitigação dos problemas de tradução.
Essas estruturas, em cada língua, e bem assim suas dife-
renças, estão diretamente relacionadas, portanto, com os pro-
blemas da filosofia e da teologia concluindo-se pela existência
de realidades distintas para cada língua, independentemente
da “situação objetiva” a que se referiam as frases.
A causalidade, conceito fundamental para o conhe-
cimento, que, para KANT é categoria de relação e para
Schopenhauer, é a única categoria do conhecimento; é, na
2. FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 40-41
(destaques no original).
3. Ibid., p. 87.
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