Diretivas antecipadas de vontade, cuidados paliativos e terminalidade de vida: escolhas trágicas do profissional de saúde, do paciente e de sua família

AutorLuiza Leite Cabral Loureiro Coutinho
Páginas239-282
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DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE,
CUIDADOS PALIATIVOS E TERMINALIDADE DE
VIDA: ESCOLHAS TRÁGICAS DO PROFISSIONAL
DE SAÚDE, DO PACIENTE E DE SUA FAMÍLIA
Luiza Leite Cabral Loureiro Coutinho
A morte pertence à vida, como pertence o
nascimento. O caminhar
tanto está em levantar o pé, como em pousá-lo
no chão.
(Tagore)1
SUMÁRIO: 1. Introdução. 1. Dilemas morais, vulnerabilidade
existencial e pandemia: Um alerta para a necessidade de
planejamento sobre os tratamentos e intervenções de saúde no
processo ativo de morte. 2. O pluralismo da autonomia privada e as
diretivas antecipadas de vontade como negócio jurídico existencial.
3. Diretrizes sobre cuidados paliativos em pacientes com críticos
quadros clínicos de saúde. 4. A relação do profissional de saúde
com o(a) acompanhante, o(a) cuidador(a) e os familiares do
paciente. Conclusão.
1 KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer : o que os doentes
terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios
parentes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017, p. 259.
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Introdução
O termo "paciente", cuja origem etimológica remete à
expressão latina "patientem", significa aquele que sofre, padece.
Esse sentido primitivo é encontrado também na gramática quando
se diz que aquele que, na voz passiva, "sofre" a ação do verbo é o
"sujeito paciente". Trata-se de vocábulo com dupla significação: ao
mesmo tempo em que identifica aquele que, sem pressa, sabe
esperar o desenrolar natural dos acontecimentos, refere-se, por
outro lado, àquele submetido a tratamento médico. Sendo paciente,
torna-se passivo aquele que se deita sobre o leito? A resposta é não!
A morte não deve ser vista apenas como fato jurídico, mas
também como um processo natural de terminalidade digna da vida.
Em 2010, foi realizado, pelo jornal britânico The Economist, um
mapeamento da qualidade de morte em quarenta países (Quality of
Death Index) e um relatório anual de medição do consumo de
opioides, segundo os quais o Brasil seria o terceiro pior país para se
morrer. Em 2015, refeita a pesquisa com a inclusão de novos dados
e ampliação do número de países investigados, o Brasil posicionou-
se em 42º lugar entre as oitenta e três nações avaliadas2.
É compreensível a dificuldade em tratar de tema jurídico
que envolve religião e a ultrapassada visão dos médicos como
guerreiros que devem, a todo custo, derrotar a morte. Ao longo das
últimas décadas, a medicina passou a considerar criminosa a
obstinação terapêutica quando o médico foca na doença, e não no
paciente. Cientes do senso de brevidade da existência humana
essencial a lhe dar sentido e valor , torna-se a morte a válvula
propulsora da busca por um novo olhar para a vida.
Este artigo visa a aprofundar os estudos acerca das diretivas
antecipadas de vontade como negócio jurídico existencial, tendo
em vista o dramático cenário mundial de contágio em massa pelo
2 ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver.
Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p. 47.
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novo coronavírus e os altos índices de mortalidade verificados
globalmente, alertando à necessidade de planejamento antecipado,
autônomo e informado sobre os tratamentos médicos para o
processo de fim de vida. Reconhecido o paciente como um ser
biográfico, equipe multidisciplinar deverá implementar cuidados
paliativos prévios ao estado crítico de terminalidade de vida.
Diante de dilemas morais e escolhas trágicas, fragiliza-se
ainda mais a relação entre paciente, sua família e os profissionais
de saúde, exigindo a diferenciação entre os fenômenos da
ortotanásia, distanásia, mistanásia e eutanásia. À luz do Direito
Civil Constitucional, dá-se primazia às situações jurídicas
extrapatrimoniais e enfatiza-se a carência de um sistema próprio de
regras para a tutela da vulnerabilidade existencial. Considerando a
inexistência de lei ordinária federal no ordenamento pátrio que
discipline especificamente a matéria, analisa-se nesse estudo o
tratamento normativo dado ao tema, até o momento, por resoluções
editadas pelo Conselho Federal de Medicina.
1. Dilemas morais, vulnerabilidade existencial e pandemia:
Um alerta para a necessidade de planejamento sobre os
tratamentos e intervenções de saúde no processo ativo de
morte
Em 2018, pesquisa solicitada pelo Sindicato dos Cemitérios
e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) identificou a
percepção dos brasileiros sobre a morte. Entre os principais
resultados, 74% (setenta e quatro por cento) dos entrevistados
evitam falar a respeito em seu cotidiano, 63% (sessenta e três por
cento) associa o tema a sentimentos ruins, como tristeza e dor e tão
somente 26% (vinte e seis por cento) vincula a morte a sentimentos
fora do campo da angústia, e sim com a aceitação3. Espera-se que,
3 ARANTES, Ana Claudia Quintana. A mort e é um dia que vale a pena viver,
cit., p. 188-189.

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