Testamento em tempos de pandemia

AutorKarina de Oliveira e Silva
Páginas311-338
311
TESTAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Karina de Oliveira e Silva
SUMÁRIO: Introdução. 1. Testamento. 2. Testamento ordinário
em tempos de pandemia. 2.1. Testamento público. 2.2. Testamento
cerrado. 2.3. Testamento particular. 2.4. Testamento particular
ordinário, com circunstância excepcional. 3. Testamentos especiais
e pandemia. 4. Cumprimento de testamento e pandemia. 5.
Conclusão.
Introdução
O tema sucessão testamentária, em alguma medida, causa
desconforto. Não pelo tema em si, mas a ideia de realizar uma
programação, a ser cumprida após a morte, aprofunda uma miopia
intertemporal, que revela toda a dificuldade de lidar com a finitude
humana.
Quando se associa o tema à pandemia de COVID-19, torna-
se ainda mais arrepiante, pois se unem dois medos intrinsecamente
humanos: a doença e a morte.
A morte, fato natural, certo quanto a existência e duvidoso
quanto ao momento, tem para o ordenamento a natureza jurídica de
fato jurídico constitutivo, modificativo e extintivo de direitos. Uma
de suas consequências é a abertura da sucessão, que propicia1 o
exercício de representação de direitos após a morte, mediante
regime próprio, o sucessório.
1 MENEZES, Renata Oliveira Almeida. Disposições de última vontade dura nte a
pandemia de covid-19. In : DUARTE, Lorena Guedes; LEAL, Larissa M.de
Moraes. Impactos da pa ndemia no direito de fa mília e sucessões. Brasília, 2020.
312
A pandemia, causada pelo vírus COVID-19, trouxe à baila,
por sua vez, um tipo de vulnerabilidade que se acreditava imune,
causando um extenso e, ao mesmo tempo, profundo impacto nas
relações humanas e, consequentemente, no direito.
O direito civil, durante a pandemia, tem seus desafios e um
deles é compatibilizar a possibilidade de cumprir e fazer um
testamento, instituto solene e formal, com o isolamento social
exigido ou, ao menos, fortemente recomendado pelas autoridades,
por conta da pandemia.
1. Testamento
O Código civil de 2002 não define testamento. O Código
civil de 1916 o definia como ato revogável pelo qual alguém, de
conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, de seu
patrimônio para depois de sua morte (Código Civil/16, art. 1626).
Tal conceito sofria críticas, já que limitava o teor do documento a
questões patrimoniais, quando, na verdade, ele é muito amplo e
abarca questões existenciais, na mesma medida.
Para Caio Mario2 testamento consiste no ato pelo qual uma
pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte, ou faz outras
declarações de última vontade.
O Instituto encontra fundamento constitucional na garantia
constitucional da propriedade privada (Constituição da República
Federativa do Brasil, art.5º, incisos XXII e XXIII) e consagra3 no
direito sucessório a autonomia da vontade. Entretanto, não é uma
autonomia desmedida, esta encontra limite na legítima dos
herdeiros necessários e na própria funcionalização do direito
privado, coadunando-se com o atual estágio do direito pátrio.
2 PEREIRA, Caio Mario da silva. Instituições de Dir eito civil. Volume VI.
Forense, 2020.
3 TEPEDINO, Gustavo. MAIA, Ana Luiza. MEIRELES, Rose Melo Vencelau.
Funda mentos de direito civil. Direito das Sucessões. Forense, 2020.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT