Regime jurídico emergencial e transitório nas relações condominiais edilícias

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama e Thiago Ferreira Cardoso Neves
Páginas97-130
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REGIME JURÍDICO EMERGENCIAL E
TRANSITÓRIO NAS RELAÇÕES CONDOMINIAIS
EDILÍCIAS1
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Thiago Ferreira Cardoso Neves
SUMÁRIO: Nota introdutória. 1.Poderes atribuídos aos síndicos
nos condomínios edilícios. 2. Deliberações urgentes em assembleia
condominial. 3.Obrigação de contribuir para o rateio das despesas
condominiais 4. Nota conclusiva.
Nota introdutória
Os efeitos da pandemia no ano de 2020 e que ainda
permanecem em 2021 - se espraiam por institutos da mais alta
importância no segmento do Direito das Coisas. Durante o período
coberto pelas medidas implementadas pelas autoridades públicas
referente ao isolamento social, à quarentena, entre outras, - com
vistas à tentativa de conter a disseminação do COVID-19 -, há
aspectos referentes a alguns institutos do Direito das Coisas que
merecem consideração.
A Lei n° 14.010/20 que criou o RJET nas relações
privadas - buscou introduzir normas transitórias e emergenciais
relativamente ao sistema jurídico de Direito Privado mais
relacionado ao segmento do Direito das Coisas. Tal como o fez
1 Esse capítulo se baseou, essencialmente, em parte do livro Direito Pr ivado
Emergencial (Indaiatuba: Editora Foco, 2020), que os coautores escreveram,
especialmente o capítulo 4.
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relativamente ao regime jurídico da prescrição e da decadência, a
Lei n° 14.010/20 previu uma causa temporária de suspensão do
prazo para aquisição de direito real na modalidade da usucapião.
Além disso, houve a prorrogação excepcional e automática do
mandato do síndico nos condomínios edilícios e de inovação
temporária quanto à realização das assembleias condominiais, com
o reforço do dever do síndico na prestação das contas. Houve veto
presidencial a respeito da regra que previa a atribuição de poderes
emergenciais e transitórios ao síndico durante o período da
pandemia o que, no entanto, não desnaturou a essência das medidas
emergenciais no meio condominial que puderam vir a ser adotadas.
A introdução de regras emergenciais e temporárias em tema
de direitos reais tem fundamento inequívoco na excepcionalidade
do contexto decorrente do COVID-19, associada às medidas
adotadas pelas autoridades públicas no sentido da contenção da
propagação da doença no meio populacional. Como há atos do
Poder Público que restringem, limitam ou, em alguns casos, até
proíbem a locomoção das pessoas, a realização de reuniões
presenciais (para evitar aglomeração de pessoas), o deslocamento
para outros locais fora dos limites territoriais dos municípios, por
exemplo, nada mais razoável do que considerar que, por fato alheio
à vontade da pessoa, ela não possa adotar certos comportamentos
que, exemplificativamente, impediriam a consumação do prazo
legal para a usucapião em favor do possuidor de determinado
imóvel, como ocorreu até 30 de outubro de 2020 (por expressa
determinação legal).
A Lei n° 13.979/20, ao tratar das medidas adotadas pelo
Poder Público para o fim de combater à pandemia do COVID-19,
claramente refere-se à necessidade de que elas sejam limitadas no
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violação à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais da pessoa (art. 3°, § 1° e § 2°, III).
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Logo, as medidas decorrentes do combate à COVID-19
revelaram situações atípicas e excepcionais que somente em razão
de regras temporárias e extravagantes poderão ser reguladas no
âmbito do Direito das Coisas. O presente trabalho tem por objetivo
cuidar dos aspectos do regime decorrente da pandemia no âmbito
dos condomínios edilícios.
1. Poderes atribuídos aos síndicos nos condomínios
edilícios
O condomínio edilício (ou condomínio especial, relativo ou
em edificações) é instituto característico dos centros urbanos
ainda que de modo não exclusivo - devido à expansão dos
fenômenos do êxodo rural e da concentração urbana, cuidando-se
de figura que mescla traços da propriedade individual
(relativamente às unidades autônomas) e do condomínio (no que
tange às partes comuns). Com o desenvolvimento da indústria da
construção civil, houve a preocupação de o Direito estabelecer
normas mais adequadas quanto ao regime jurídico aplicável à tal
realidade cada vez mais frequente nos centros urbanos. No Brasil
tal movimento foi observado com a edição da Lei n° 4.591/64,
destinada a tratar dos condomínios edilícios e das incorporações
imobiliárias. Mais recentemente observa-se o aumento das
hipóteses de situações condominiais concebidas a partir da
estruturação jurídica em razão da autonomia privada, daí os casos
de certos tipos de shopping centers, clubes de campo, cemitérios
privados e alguns tipos de multipropriedade imobiliária (CC, arts.
1.358-B a 1.358-U, incluídos pela Lei n. 13.777/18).
As questões referentes ao condomínio edilício acentuam,
ainda mais, os conflitos de vizinhança, regulados ainda na época de
vigência do Código Civil de 1916 há muito tempo antes de toda
preocupação quanto à existência de um marco normativo sobre a
figura do condomínio edilício. O condomínio edilício representa

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