Disposições testamentárias e legados

AutorZeno Veloso
Páginas721-738
Capítulo 30
DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS E LEGADOS
Zeno Veloso
1. A partir do art. 1.897, o Código Civil edita normas de variada natureza
sobre as disposições testamentárias, que, como o nome indica, são
determinações de última vontade, contidas num testamento, negócio jurídi-
co revogável, unilateral, pelo qual uma pessoa capaz dispõe de todos os seus
bens, ou de parte deles, para depois de sua morte, e são válidas as disposições
de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limi-
tado. Os princípios gerais de Direito das Sucessões, é óbvio, têm de ser ob-
servados: se o testador tiver herdeiros necessários, que são os indicados no
art. 1.845 – descendentes, ascendentes, cônjuge –, só poderá dispor da me-
tade da herança (art. 1.789), pois a outra metade pertence, de pleno direito,
a tais herdeiros, constituindo a legítima (art. 1.846).
Silvio Rodrigues observa que o legislador edita algumas regras, nesse
tema, que têm caráter meramente interpretativo da vontade do testador, e,
ao lado dessas, encontram-se outras que ou são permissivas, ou são proibiti-
vas de determinado comportamento.1
2. O art. 1.897 do Código Civil inaugura a normatização da matéria, afir-
mando: “A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simples-
mente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo.”
Deve ser observado, preliminarmente, que não é o negócio jurídico tes-
tamentário, como um todo, que pode ser submetido a condições, a alguma
causa ou a certo motivo, pois o testamento, no seu conjunto, não é vinculável
a condições ou motivos de testar, e se aparecerem alguns, não têm efeito ju-
rídico.
Já as disposições testamentárias são suscetíveis de condições, causas, mo-
dos.Fala o preceito em nomeação de herdeiro, ou legatário, e vamos distin-
guir: as disposições patrimoniais do testador podem ordenar que o sucessor
receba a universalidade da herança ou quota-parte (ideal, abstrata) dela, ou
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1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 7, p. 179.
estabelecer que o sucessor ficará com um bem individuado, definido, desta-
cado do acervo, ou quantia determinada. No primeiro caso, a disposição é a
título universal e o nomeado é herdeiro; no segundo caso, a disposição é a
título singular, ou particular, e o beneficiário é legatário. Os sucessores, en-
tão, são herdeiros ou legatários, consoante diz o art. 2.030, do Código Civil
português. O testador, por ignorância ou engano, pode chamar de herdeiro
ao legatário, e de legatário ao herdeiro, e essa errônea ou equivocada denomi-
nação não muda, é claro, a natureza das figuras jurídicas.
A nomeação pura e simples de herdeiro ou legatário produz efeito, desde
logo, com a morte do testador, sem sujeitar-se a condições, encargos ou outra
restrição.
Admite a lei que a disposição esteja vinculada à condição, que pode ser
suspensiva e resolutiva, sendo aplicáveis os arts. 121 a 130, que regulam a
condição, ou seja, a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das
partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Estando a disposição testamentária subordinada à condição suspensiva,
enquanto essa não se verificar, não se terá adquirido o direito a que ela visa
(art. 125). A liberalidade só ganha eficácia, e será executada, se ocorrer o
evento futuro e incerto mencionado pelo testador. Com o implemento da
condição, o direito que o favorecido adquire retroage à data da abertura da
sucessão.
Se a condição é resolutiva, o beneficiado adquire o direito desde a aber-
tura da sucessão (como se se tratasse de uma disposição pura e simples), mas,
verificada a condição, para todos os efeitos, o direito se extingue (arts. 128,
primeira parte, e 1.359), ex tunc.
Ao contrário do que era previsto no Direito Romano, nosso ordenamento
admite a aposição de condição resolutiva tanto na instituição de herdeiro
como de legatário.
Mas, diferentemente do que aconteceria se se tratasse de condição sus-
pensiva introduzida em negócios inter vivos, tratando-se de disposição mortis
causa, e o instituído morrer antes do implemento da condição suspensiva, a
instituição caduca, extingue-se, ou seja, não terá efeito algum: o herdeiro ou
legatário condicional não transmite a sua qualidade aos seus próprios herdei-
ros.Além de subordinar a disposição a uma condição, o testador pode especi-
ficar que a nomeação do herdeiro ou do legatário é feita para certo fim ou
modo, ou por certo motivo.
Iniciando pela derradeira, por certo motivo é a disposição em que o de
cujus explica a razão da liberalidade, identifica o que impulsionou a sua von-
tade, como, por exemplo, se o testador afirma que nomeou o herdeiro por
ser este um notável jurisconsulto, ou porque é o médico que o socorreu após
um grave acidente. Note-se bem: se o testador incorrer em erro, não sendo
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