A salvaguarda dos direitos dos cônjuges e dos companheiros na perspectiva civil-constitucional

AutorCarine Silva Diniz
Páginas679-702
Capítulo 28
A SALVAGUARDA DOS DIREITOS DOS CÔNJU-
GES E DOS COMPANHEIROS NA PERSPECTIVA
CIVIL-CONSTITUCIONAL
Carine Silva Diniz
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A constitucionalização do direito civil. 3. A famí-
lia constitucionalizada. 4. A união estável. 5. Os direitos sucessórios dos cônju-
ges e dos companheiros no código civil de 2002. 5.1. A sucessão dos cônjuges.
5.2. A sucessão dos companheiros. 5.3. Análise comparativa dos direitos suces-
sórios dos cônjuges e dos companheiros no direito brasileiro. 6. A inconstitucio-
nalidade das desigualdades dos direitos dos companheiros em face dos direitos
sucessórios dos cônjuges estabelecidos na legislação infraconstitucional. 6.1. As
entidades familiares na perspectiva constitucional. 6.2. A interpretação consti-
tucional. 6.3. O princípio da igualdade das relações familiares. 6.4. Inconstitu-
cionalidade dos direitos sucessórios dos companheiros. 6.5. A tutela sucessória
do cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional. 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Civil experimentou uma série de mudanças nos dois últimos
séculos, acompanhando as transformações sociais, políticas e econômicas a
que se submeteu a sociedade.
O primeiro Código Civil Brasileiro, promulgado em 1916 e vigente a par-
tir de 1917, refletia o pensamento liberalista e individualista da elite euro-
peia do séc. XIX, tendo como fundamentos a autonomia da vontade, a pro-
priedade e a família, configurando-se como exclusiva figura normativa das
relações privadas.1 Ao Direito Público era reservada tão somente a tutela das
garantias do cidadão perante o Estado.
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1 FIUZA, César. Crise e interpretação no direito civil da escola da exegese às teorias
da argumentação. In: FIUZA, Cezar; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno
Torquato de Oliveira (Coords.). Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey,
2003, p. 30.
Todavia, a legislação civil sofreu significantes modificações ao longo do
tempo, seja através de decisões judiciais ou pela incorporação de leis espe-
ciais e, mais profundamente, pela Reforma Constitucional de 1988.
Contrariamente à história constitucional, o Código de 2002 previu os di-
reitos sucessórios dos companheiros, ignorando, até mesmo, as conquistas
que estes já haviam logrado através das Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96.
É importante observar que a Constituição Republicana estabeleceu os
mesmos direitos e deveres às entidades familiares elencadas ou não em seu
art. 226. Portanto, toda a legislação que tenha por base a proteção familiar
deverá levar em conta a principiologia constitucional, sob pena de flagrante
discriminação, já que não é concebida a hierarquia entre as comunidades fa-
miliares.
Tem-se, assim, que os cônjuges e os companheiros, a partir da promulga-
ção da Carta Constitucional de 1988, fazem jus a tratamento igualitário, in-
clusive no que diz respeito aos seus direitos sucessórios.
Desta feita, tem-se que a previsão contida no art. 1.790 do Código Civil,
que diz respeito aos direitos sucessórios dos companheiros, é inconstitucio-
nal. Imperioso, portanto, o estabelecimento dos direitos sucessórios dos
companheiros, sob a perspectiva civil-constitucional, como forma de se coi-
bir a infração de normas de hierarquia máxima.
2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
O movimento da constitucionalização do direito civil comporta dupla
acepção. Em sentido amplo, trata-se da mera transposição para a Constitui-
ção dos princípios norteadores do Direito Civil. Já em um plano mais objeti-
vo, comporta a incidência imediata da norma constitucional nas relações ju-
rídicas de caráter privado, proporcionando uma releitura do Direito Civil à
luz dos ditames constitucionais.
Nos primórdios, o direito civil dedicava-se, tão somente, à tutela dos in-
teresses individuais, não comportando quaisquer interferências do direito
constitucional. O movimento em questão veio a lume, inicialmente, em ra-
zão da publicização do direito privado, aqui entendida como a intervenção do
Estado na ordem econômica, como resposta à crise do liberalismo. Assim, o
Estado social distinguiu-se pelo controle e intervenção estatal na vida pri-
vada.2
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2 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In: FIUZA, Cezar;
SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coords.). Direito
civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 200.

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