Planejamento sucessório

AutorDaniele Chaves Teixeira
Páginas795-834
Capítulo 34
PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Daniele Chaves Teixeira
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Questões relevantes sobre o planejamento suces-
sório; 3. Instrumentos que viabilizam o planejamento sucessório: 3.1. Testa-
mento; 3.2. Depósito e conta corrente bancários; 3.3. Doação; 3.4. Seguro; 3.5.
Previdência privada; 3.6. Holding familiar; 3.7. Fideicomisso; 3.8. Trust; 4.
Considerações finais; 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Sucessório trata de uma questão muito delicada para as pes-
soas, que é, exatamente, encarar a finitude humana, ou seja, a própria morte,
pois a morte é inexorável. O contraditório é que a única certeza que se pode
ter na vida é a de que todo ser humano morre1; contudo, essa certeza vem
acompanhada de outra incerteza, que é precisar o momento exato do fim.
Assim, “tratar da sucessão em vida sempre representou um enorme tabu”2.
Entretanto, as características da sociedade brasileira atual demandam uma
estruturação patrimonial; desta maneira, o planejamento sucessório vem
atender a essa procura por uma organização e propicia que as pessoas enfren-
tem essa dificuldade humana, a de lidar com a morte.
O Código Civil brasileiro, na parte do livro do Direito das Sucessões,
pouco avançou; reflete ainda institutos que não se coadunam com a socieda-
de contemporânea, com todas as complexidades sociais, porque muitas vezes
o sistema atual das sucessões “não atende aos anseios finais dos indivíduos,
detenham eles vasto patrimônio ou não”3. O Código Civil de 2002, no que
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1 TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Planejamento Sucessório: uma questão de re-
flexão. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, v. 8, n. 31, ago./set. 2005,
p. 6.
2 MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório. Revista IBDFAM: Famílias e Suces-
sões. Belo Horizonte, v. 1, jan./fev. 2014, p. 11
3 GAYA, Karyna Saraiva Leão. Planejamento Sucessório: uma saudável preocupação
com o futuro. Revista Síntese. Porto Alegre: Síntese, ano 13, n. 70, fev./mar. 2012, p.
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concerne ao Direito Sucessório, tem como base uma família que não corres-
ponde ao perfil das famílias da atual sociedade brasileira; pode-se entender
que o planejamento sucessório é a consequência maior do fenômeno da plu-
ralidade familiar da sociedade4.
O surgimento de novos institutos e as reinterpretações dos antigos, com
a despatrimonialização e a funcionalização dos institutos de Direito Civil5,
em especial no Direito Sucessório, frente à legalidade constitucional, vêm
ampliar as potencialidades de um planejamento sucessório com a flexibiliza-
ção dos instrumentos jurídicos – principalmente porque o planejamento
pode servir como meio para corrigir distorções causadas pelas regras legais.
A sucessão, que é a transmissão de direitos6, pode ocorrer em vida (inter
vivos) ou após a morte (causa mortis)7. Contudo, o Direito Sucessório é todo
dedicado à sucessão causa mortis, que se verifica a título universal ou singu-
lar. No caso, a título universal há a herança, e quem a recebe é o herdeiro; já
quando é a título singular, é o legado, e quem o recebe é o legatário8. Com a
morte, ocorre a abertura da sucessão, é nesse momento que nascem os direi-
tos hereditários.
Destaque-se que o sistema sucessório adotado pelo Código Civil brasilei-
ro é dual, ou seja, existem a sucessão testamentária e a sucessão legítima9.
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4 HIRONAKA, Giselda. Planejar é preciso: planejamento sucessório para as novas fa-
mílias. Revista Informativa IBDFAM. Belo Horizonte, n. 10, abr. 2014, p. 6.
5 “‘Despatrimonialização’ individua-se uma tendência normativa-cultural; se eviden-
cia que no ordenamento se operou uma opção, que lentamente, se vai concretizando,
entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da pa-
trimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como
valores. [...] Não é suficiente, portanto, insistir na afirmação da importância dos ‘interes-
ses da personalidade no direito privado’; é preciso predispor-se a reconstruir o Direito
Civil não com uma redução ou um aumento da tutela das situações patrimoniais, mas
com uma tutela qualitativamente diversa”. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 33.
6 MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1937, v. 1, p. 31.
7 A sucessão inter vivos trata da transferência de direitos e obrigações entre pessoas
vivas, como exemplo a doação. Na segunda forma, da sucessão causa mortis, ocorre que,
com a morte, os direitos e obrigações de uma pessoa são transferidos aos seus herdeiros
legítimos, testamentários e legatários. TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Planejamento
Sucessório: uma questão de reflexão. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto
Alegre, v. 8, n. 31, ago./set. 2005, p. 6.
8 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA; Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin
de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Re-
novar, 2014, v. 4, p. 529.
9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 15 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, v. 6, p. 2.
Dessa forma, a sucessão causa mortis é deferida por testamento ou por lei,
chama-se sucessão testamentária quando deriva do ato de última vontade
praticado na forma e nas condições estabelecidas por lei. Já a sucessão que se
dá em virtude d e lei cham a-se legítima ou legal; a sucessão legal ou legitimá-
ria não pode ser afastada pela vontade de quem lhe dá causa10, e a ordem de
vocação vem definida em lei.
Neste artigo, pretende-se demonstrar a insuficiência do sistema sucessó-
rio brasileiro, pois sua estrutura é demasiado rígida para atender às demandas
atuais dos autores de herança.
O objetivo do planejamento sucessório é determinar a sucessão, ativida-
de “preventiva com o objetivo de adotar procedimentos, ainda em vida do
titular da herança, com relação ao destino de seus bens após a sua morte”11.
Desse modo, faz-se necessária a busca de novas ferramentas, para “compor
[a] sucessão de modo a atender a vontade dos titulares do patrimônio”12,
existentes em outros ramos do Direito Privado, para auxiliarem nas novas
exigências sociais, que evidenciam a necessidade crescente de se “planificar
a transferência do patrimônio pessoal de uma forma racional e segura, respei-
tados os comandos da legislação vigente”13.
Assim, pretende-se apresentar o planejamento sucessório em dois eixos: no
primeiro, o que é, qual sua finalidade, importância, pressupostos e limites; no
segundo, a efetivação do planejamento com uma exposição exemplificativa de
alguns instrumentos jurídicos que viabilizam o planejamento sucessório.
2. QUESTÕES RELEVANTES SOBRE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
No ordenamento jurídico brasileiro, segundo a Constituição da Repúbli-
ca Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), art. 5º, XXX14, em relação à
sucessão causa mortis, a herança é uma garantia fundamental15. Os bens do
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10 GOMES, Orlando. Sucessões. 12. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 8.GOMES, Or-
lando. Sucessões. 12. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 8.
11 TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Planejamento Sucessório: uma questão de refle-
xão. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, v. 8, n. 31, ago./set. 2005, p.
6; TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Planejamento Sucessório, cit., p. 6.
12 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009, p. 382.
13 MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório. Revista IBDFAM: Famílias e Suces-
sões. Belo Horizonte, v. 1, jan./fev. 2014, p. 12.
14 Art. 5º, XXX, CRFB/1988 – é garantido o direito de herança.
15 Judith Martins-Costa questiona sobre se a introdução da herança como garantia em
sede constitucional modifica o seu conteúdo ou as suas funções, pois, em sentido lato, a
“palavra herança designa o acervo de bens, direitos e obrigações atribuíveis a alguém em

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