O estado é o indivíduo

AutorLutfe Mohamed Yunes
Ocupação do AutorGraduado pela PUC/SP e especialista em Direito da Empresa e da Economia e em Restruturação Societária, Sucessória e Tributária pela FGV/SP. Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo. Advogado
Páginas399-431
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O ESTADO É O INDIVÍDUO
Lutfe Mohamed Yunes
Graduado pela PUC/SP e especialista em Direito da Empresa e
da Economia e em Restruturação Societária, Sucessória e Tribu-
tária pela FGV/SP. Membro da União dos Juristas Católicos de
São Paulo. Advogado.
Sumário: Introdução – 1. Como compatibilizar a valorização do traba-
lho e a liberdade de iniciativa, princípios fundamentais da ordem eco-
nômica da Lei Suprema (art. 170, caput)? – 2. Que aspectos das Encí-
clicas Sociais de Suas Santidades – desde a Rerum Novarum do Papa
Leão XIII – são mais importantes para implantação no século XXI? – 3.
Políticas sociais para atender famílias de baixa renda deveriam exigir
contrapartida, como obrigação de os filhos estudarem? – 4. É possível
praticar distribuição de riquezas sem geração de rendas? – 5. Como
estimular investimentos no país, competindo com outras nações na sua
atuação, cuidando simultaneamente de políticas sociais? – 6. O exces-
sivo crescimento da burocracia é ou não inibidor de reais políticas so-
ciais? – 7. Conclusão.
Introdução
Com base na metodologia do sistema de perguntas e res-
postas, abordo, dentre outros pontos, o conceito e a ideia que
o Estado é o indivíduo. A afirmação realizada no título des-
ta publicação não tem como condão desmoralizar ou negar
as instituições democráticas de direito, mas ponderar que o
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indivíduo, mesmo que isolado, dentro dos limites de suas fun-
ções, terá a oportunidade de fazer transparecer, a título de
excelência e justiça do serviço público, suas virtudes cristãs
direcionadas para o bem do próximo. Assim, quanto mais for-
jada a moral e a ética do indivíduo, mais forte e coerente o Es-
tado será para o bem comum dos seus cidadãos e, sem sombra
de dúvidas, o católico é parte essencial deste processo para
que haja um Estado mais virtuoso.
1. Como compatibilizar a valorização do trabalho e a
liberdade de iniciativa, princípios fundamentais da
ordem econômica da Lei Suprema (art. 170, caput)?
Primeiramente, devemos discorrer, um pouco, sobre o
que é livre-iniciativa e os limites jurídicos referentes à liber-
dade de se empreender.
Não se trata de uma de uma tarefa de difícil conceituação,
porque, conforme conceitua o Código Civil Brasileiro, todo ho-
mem capaz, no que diz respeito à sua capacidade jurídica, pode
realizar negócios jurídicos, desde que lícitos, possíveis, determi-
nados ou determináveis e que não seja de competência exclusi-
va do Estado, como a exploração do petróleo brasileiro, confor-
me previsto no art. 177 da Constituição Federal Brasileira.
Porém, a liberdade de se empreender tem limites reais
e concretos no mundo dos negócios brasileiros de difíceis,
quase impossíveis, transposição, que posso elencar aqui: (i)
dificuldade de crédito financeiro; (ii) alta complexidade de en-
tendimento e do impacto da carga de tributação; (iii) carência
de mão de obra qualificada; (iv) alto grau de complexidade
para regularização de registros cadastrais e certidões negati-
vas, aliado à falta de conhecimento dos empreendedores para
cumprir com a regulamentação brasileira referente à estru-
turação de um negócio completamente regular; (v) rigidez
das leis trabalhistas; (vi) precariedade do sistema educacio-
nal, de saúde e de logística e transporte; (viii) alto grau de
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JUSTIÇA ECONÔMICA E SOCIAL
informalidade, com uma enormidade de concorrência desleal
(pirataria) para os produtos de origem regular e lícita; (ix) alto
grau de corrupção de agentes fiscais das esferas municipais,
estaduais e federal; (x) um Judiciário lento e inoperante, o que
não se dá por culpa da capacidade jurídica e intelectual dos
magistrados, bem como, no que tange à incerteza jurídica de
certas decisões, decisões nas instâncias superiores, com con-
dão político, que não favorecem cidadãos e contribuintes e os
valores morais e éticos familiares; (xi) o alto grau de violência
existente na sociedade, consubstanciada em roubos de pes-
soas físicas, maquinários, estabelecimentos e mercadorias; e,
por fim, (xii) a instabilidade política e econômica que impera
no país, lastreada na corrupção e na inoperância que cerceia
o mundo político na esfera legislativa e executiva e, inacredi-
tavelmente, com a existência de cenários inflacionários e re-
cessivos ao mesmo tempo.
Assim, para qualquer pessoa de bom senso e de bem que
se depara com os obstáculos acima não haveria outro pensa-
mento, a não ser se mudar do país (o que, de fato, vem aconte-
cendo) ou correr atrás de um emprego privado ou público (o
que, de fato, também vem acontecendo), qualquer que seja ele.
Então, o que sobra para alguém (cidadão brasileiro do bem)
em sã consciência decidir pela livre-iniciativa de empreender?
Sobra uma demanda reprimida, baseada em uma socie-
dade pobre materialmente, que, a todo custo e esforço, tenta
ganhar a vida de forma honesta, em conjunção à cultura con-
sumista desta mesma sociedade (o que não é bom), que aspira
às benesses de um sentido de vida no consumo de celulares,
carros, geladeiras e roupas novas.
Vejam também que os valores morais desta sociedade fo-
ram construídos com base em uma matriz econômica dada
por uma política econômica fracassada, que privilegiou os
bens de consumos, em vez da infraestrutura e o setor imobi-
liário para prover maior dignidade para as famílias mais po-
bres. Não devemos agora entrar nesta seara de discussão. O

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