Interrogatório do réu

AutorFernando de Almeida Pedroso
Ocupação do AutorMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo
Páginas21-56
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INTERROGATÓRIO DO RÉU
SUMÁRIO: 2.1 – Conceito e natureza jurídi-
ca. 2.2 – Natureza do interrogatório, falta de
realização e momento para a efetivação. 2.3 –
Condução coercitiva e interrogatório. Finali-
dade. 2.4 – Modo de efetivação. 2.5 – Inter-
rogatório no Júri. 2.6 – Interrogatório por vi-
deoconferência e por precatória. 2.7 – Álibi,
denunciação caluniosa ou falsa identidade no
curso do interrogatório. 2.8 – Retratação do
réu.
2.1 – Conceito e natureza jurídica
O processo penal moderno finca suas raízes no princí-
pio do contraditório, um de seus pilares básicos e essen-
ciais.
Esse princípio, todavia, seria simples quimera se o acu-
sado não fosse ouvido sobre o fato delituoso que lhe é in-
culcado (audiatur et altera pars).
De outra banda, como a eventual inflição da pena re-
quer sujeito certo e determinado (identidade), competin-
do ainda ao juiz, consoante ressai da disposição alojada no
art. 59 do CP, fixar a pena aplicável levada em considera-
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ção, entre outras circunstâncias, a personalidade do réu, é
ainda imperioso que ele a conheça.
Destarte, o processo penal deve compreender um ato
no qual juiz e acusado sejam postos em contato direto, a
fim de que aquele ouça a versão deste sobre a conduta cri-
minosa que lhe é atribuída e conheça a sua personalidade.
É o interrogatório o ato por meio do qual o réu, indaga-
do pelo juiz, fornece-lhe as informações e declarações a
respeito de sua pessoa (identidade) e do fato criminoso
com suas circunstâncias. Em suma: o interrogatório repre-
senta o conjunto de perguntas e respostas que se estabelece
entre a autoridade judiciária e o acusado, versando sobre
sua identidade, antecedentes, personalidade e o fato em
que se viu envolvido.
Em doutrina ainda não se chegou a um consenso com
pertinência à natureza jurídica do interrogatório.
Alguns autores nele vislumbram mero ato instrutório,
id est, simples meio de prova destinado à elucidação do
fato delituoso e da personalidade do seu agente.
De outro lado, não são poucos aqueles que sustentam
ser a inquirição judicial do réu ato essencialmente voltado
à sua defesa, uma vez que, de viva voz, o interrogando pode
contradizer os termos da acusação que lhe é formulada e
ofertar a sua própria versão (autodefesa).
Hodiernamente predomina o entendimento daqueles
que entreveem no ato em apreço uma destinação híbrida: é
meio de prova, ao mesmo tempo em que propicia a defesa
do acusado.
Decerto.
Como acertadamente pondera Magalhães Noronha, “a
verdade é que enquanto o acusado se defende — é regra —
não deixa de ministrar ao juiz elementos úteis à apuração
da verd ade, seja pelo conf ronto com provas existentes, seja
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por circunstâncias e particularidades das próprias declara-
ções que presta”1, mo tivo pelo q ual, como já s inal izava Du -
clerc, as alternativas meio de prova e meio de defesa não são
excludentes, senão que coexistem de forma inevitável2, o
que atualmente ainda mais se evidencia pelo teor do art.
189 do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.
10.792, de 1º de dezembro de 2003.
2.2 – Natureza do interrogatório, falta de realização e
momento para a Efetivação
Como visto, mesclam-se no interrogatório do réu duas
diferentes naturezas: meio de prova e meio de defesa.
No seu perfil de meio de defesa, o ato de inquirição res-
tringe-se à defesa pessoal do increpado, de forma a possibi-
litar-lhe que, de viva voz, exponha antecedentes que justi-
fiquem ou atenuem o crime, oponha exceções contra teste-
munhas e indique fatos ou provas (cf. arts. 187 e 189, CPP
— com nova redação pela Lei n. 10.792/2003) — ainda
que inverossímeis — que estabeleçam sua inocência ou lan-
cem dúvidas — das quais ele se beneficia (v. Cap. 18) —
sobre o teor da acusação. Em suma, no ato em tela, o réu é
— como aduz Borges da Rosa — “o advogado de si mesmo,
é a natureza que pugna pela conservação de sua liberdade e
vida, que fala perante juízes que observam seus gestos e
suas emoções”3.
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1 Curso de direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1972, p.
104.
2 Apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva,
2013, 10ª ed., p. 642.
3 Processo penal brasileiro. Porto Alegre: Barcellos, Bertaso & Cia., 1942,
v. 1, p. 493.

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