Lineamentos para a aplicação da teoria do adimplemento substancial como forma de conferir maior certeza e segurança jurídicas às relações contratuais

AutorLuiz Fernando Amaral
Páginas181-197
CAPÍTULO 7
LINEAMENTOS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA
DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL COMO FORMA
DE CONFERIR MAIOR CERTEZA E SEGURANÇA JURÍDICAS
ÀS RELAÇÕES CONTRATUAIS
A primeira consideração que devemos fazer neste capítulo final refere-se à possibi-
lidade ou impossibilidade de aplicação da teoria do adimplemento substancial no direito
brasileiro. Tal questão, conforme exposto ao longo dos capítulos anteriores, não apresenta
simples solução, sobretudo se considerarmos a inexistência de qualquer norma jurídica
no Código Civil brasileiro que expressamente admita a avaliação da substancialidade do
adimplemento1 pelo magistrado como forma de afastar a pretensão do credor que busca
a resolução do contrato pelo inadimplemento.
O fato de o direito brasileiro não abordar o tema à semelhança do que fazem o direito
italiano, alemão e português parece levar a admissão da aplicação da referida teoria ao
plano dos princípios e das cláusulas gerais. Com efeito, não é possível ao aplicador decidir
com base na citada teoria valendo-se unicamente de preceitos normativos que estejam
diretamente ligados ao fenômeno da resolução contratual. Aliás, se assim se comportar
o magistrado, haverá apenas uma saída. Esta será acatar o pedido do credor de resolver
o contrato, desde que verificado o inadimplemento por parte do devedor. Afinal, o art.
475 do CC/02 não confere qualquer margem a outra interpretação.
Expusemos que as relações contratuais não se mostram circunscritas às cláusulas
presentes nos contratos, nem aos dispositivos legais típicos, concebidos a partir da ideia
de hipótese-consequência. Hodiernamente, a matéria contratual conta com princípios,
cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados que conferem ao aplicador alguma
flexibilidade no instante de resolver o conflito que lhe é apresentado por meio do caso
concreto. Conforme advertimos, todavia, a decisão judicial não pode ser proferida sem
a devida argumentação, cujos principais pressupostos são os fatos e as normas jurídicas.
Estas, aliás, conferem balizas precisas ao poder de jurisdição atribuído ao magistrado.
Maria Helena Diniz2 aborda os limites de tal poder sustentando que a zona de liberdade
atribuída ao magistrado deve ser exercida dentro de sua órbita de liberdade – norma-
tivamente determinada –, sob pena de perturbar a órbita jurídica alheia e praticar atos
que prejudicam a ordem e acarretam abuso do direito.
A atividade do magistrado que ultrapassa a mencionada órbita jurídica de liberdade
funcional pode levar ao ativismo judicial, fato que entrega ao aplicador do direito funções de
caráter legislativo que não estão dentre aquelas a ele atribuídas quando do exercício da juris-
dição. Se pensarmos esse problema no âmbito da aplicabilidade da teoria do adimplemento
1. ASSIS, Araken; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao código civil brasileiro.
V. v. ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 632-633.
2. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 521.
O CONTRATO E A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL • LUIZ FERNANDO DE C. P. DO AMARAL
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substancial, poderemos compreender que excessos de parte dos magistrados acabariam
por imprimir caráter de política econômica3 às decisões judiciais. Tal atividade sinalizaria
ao mercado que a segurança e a certeza esperadas por aqueles que exercem a livre iniciativa
estariam sob enorme influência da ideologia norteadora do pensamento de cada aplicador.
Se mais voltado ao liberalismo, garantiria o direito de resolução. Se, ao invés disso, ligado
às concepções sociais – ou, ainda mais precisamente, antiliberais –, negaria tal pretensão.
Devemos observar que os dispositivos do Código Civil brasileiro que tratam da
resolução contratual – sobretudo o art. 475 CC/02 – não se mostram como cláusulas
gerais ou elaborados a partir de conceitos jurídicos indeterminados, salvo quando abor-
dam questões atinentes à cláusula rebus sic stantibus, que determina hipótese de eventos
futuros, imprevisíveis ou extraordinários. O art. 475 CC/02 é categórico ao entregar ao
credor prejudicado pelo inadimplemento a faculdade de pretender a resolução do con-
trato. Neste ponto, cabe ao credor aferir se ainda tem ou não interesse no cumprimento
da obrigação por parte do devedor, ainda que de forma intempestiva.
Essa constatação é de enorme importância, na medida em que aplicar a teoria
do adimplemento substancial dependerá de uma atividade complementar por parte do
magistrado, no sentido de interpretar a relação jurídico-contratual a partir de outros
pressupostos que, embora também sejam legais e positivados, não contam com a mesma
objetividade da norma que disciplina a faculdade de resolução contratual. Por mais que
os julgados apresentados e os autores já abordados vislumbrem na boa-fé objetiva e na
função social do contrato a razão para a admissão da teoria do adimplemento substancial
no direito brasileiro, cremos que ambos os fundamentos devem ser afastados em prol de
outro bem mais específico.
A boa-fé objetiva está prevista no art. 113 do CC/02, na parte destinada à interpre-
tação dos negócios jurídicos, sejam eles contratuais ou não. A função social do contrato,
disciplinada no art. 421 do CC/02, encontra-se no âmbito da disciplina contratual, mas
não nos parece oferecer a necessária solução ao problema em questão, ao contrário do
entendimento constante do enunciado 3614 do Conselho da Justiça Federal. Nesse
sentido, parece-nos que a recepção da teoria do adimplemento substancial pelo direito
civil brasileiro encontra espaço na previsão do abuso do direito como elemento que se
equipara ao ato ilícito. Logo, negar a pretensão5 de resolver o contrato se mostraria, no
caso concreto, forma de evitar o exercício abusivo de um determinado direito.
3. Elival da Silva Ramos (Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos..., cit., p. 142) comenta a relação necessária entre práticas
judiciárias e questões políticas como forma de entendermos o papel do ativismo judicial por parte do aplicador no di-
reito brasileiro. Assevera: “Qualquer tentativa de assentar critérios dogmáticos para a filtragem das práticas judiciárias,
reputando-as ativistas ou não, há de passar, necessariamente, pela doutrina das questões políticas. Com efeito, tem sido
esse o parâmetro invocado com mais frequência, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, para extremar o campo
de atuação constitucionalmente franqueado ao Poder Judiciário, daquele em que lhe é vedada a incursão, sob pena de
infringência ao princípio da separação dos Poderes”.
4. Enunciado 361 CJF - Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de
modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.
5. Cabe-nos um breve comentário acerca da resolução de mérito nos casos em que seja aplicada a teoria do adimplemento
substancial. Conforme apresentado nos julgados colacionados, há situações nas quais os aplicadores não adentram ao
mérito da demanda, entendendo que a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial afastaria o interesse de agir
do autor da demanda na qual se pleiteia a resolução contratual. Esse entendimento não nos parece razoável, na medida
em que o direito à resolução está previsto em lei e garante o interesse do credor. Com maior acerto entendemos as decisões
que seguem a afirmar a improcedência ao pedido do autor.

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