O novo constitucionalismo e as bases da ordem jurídica

AutorJuan Carlos Cassagne
Páginas25-94
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CAPÍTULO I
O NOVO CONSTITUCIONALISMO E
AS BASES DA ORDEM JURÍDICA
Sumário: I.1 Um novo cenário no Direito Público. I.2 Positivismo e neocons-
titucionalismo. I.3 A constitucionalização do ordenamento e os novos proble-
mas que se apresentam. I.3.1 A teoria da harmonização dos direitos na resolu-
ção os conflitos. I.3.2 Transcendência da ciência política, da filosofia do direi-
to e de sua teoria geral. I.4 As fronteiras entre o Direito Público e o Direito
Privado: a summa divisio como categoria histórica. I.5 Notas e características
principais do novo constitucionalismo. I.6 A irrupção e auge das tendências
jusnaturalistas: diversos sentidos do conceito de direito. I.7 Lei natural e lei
positiva: a fonte da lei natural e o erro básico do positivismo. I.8 A justiça:
diferentes classes. I.9 A distinção entre moral e direito. I.10 A estrutura do
ordenamento. I.11 As normas. I.12 Os princípios gerais: sua diferença relativa-
mente às normas e os valores. As diretivas políticas. I.13 O caráter preceptivo
ou vinculante dos princípios. A diferença entre direito e princípio. I.14 O
caráter absoluto ou relativo dos direitos. I.15 Características atribuídas à ordem
jurídica. I.16 Os paradigmas no Direito Público. I.17 A dignidade da pessoa
como fonte central de todos os princípios e direitos. I.18 Os novos paradigmas
do Direito Público. I.19 O princípio pro homine e sua função ordenadora. A
interpretação mais favorável (in dubio pro libertate). I.20 O princípio geral da
boa-fé. I.21 O princípio da confiança legítima. I.22 O princípio da moral
pública. I.23 A necessidade de harmonizar os novos paradigmas.
I.1 Um novo cenário no Direito Público
A realidade atual mostra que estamos perante um novo cenário
jurídico constitucional que se projeta com intensidade na maioria das
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JUAN CARLOS CASSAGNE
instituições do Direito Público, particularmente no direito administra-
tivo. Para explicar o que acontece, fala-se de neoconstitucionalismo1 e
não se pode ignorar que houve uma mudança radical no sistema das
fontes do direito, que se reflete tanto em sua interpretação quanto no
papel cumprido pelos juízes no Estado de Direito.
O fenômeno gerado através de uma transformação paulatina e
gradual do sistema do direito constitui um produto da própria dinâmica
do Estado de Direito, que vai se nutrindo de novas ferramentas para
realizar seus fins, em um cenário caracterizado pela aceleração do tempo
histórico.
Basta advertir que o auge que os princípios gerais tiveram em
alguns países europeus – por obra da jurisprudência (como a do Con-
selho de Estado francês)2 – e em outros, dada a promulgação dos novos
textos constitucionais (como por exemplo na Espanha, Alemanha e
Itália), originou um processo em que prevaleceram diferentes correntes
interpretativas, que acabaram afastando a supremacia da lei como centro
do sistema jurídico, junto a uma série de dogmas consequentes que
defendiam o quadro básico do positivismo legalista.
Nesse quadro constavam desde a limitação do papel do juiz à mera
aplicação da norma, a rejeição dos valores ou da moral como integran-
tes do direito até a ideia de que a tarefa de interpretação consistia mais
em uma operação lógica de subsunção do que em uma ponderação
baseada no raciocínio prático ou na argumentação jurídica, como de-
fende agora. Obviamente, nesse esquema positivista os princípios gerais
1 Para explicar o fenômeno, parece-nos mais adequado utilizar a expressão “novo
constitucionalismo” em vez de “neoconstitucionalismo” devido à carga ideológica que
as posturas de algumas doutrinas costumam conter (mistura de falso progressismo e
populismo) e devido às consequências que, para alguns setores, pode supor o uso do
elemento compositivo.
2 DEBBASCH, Charles. Droit administratif. Paris: Económica, 2002, p. 115 ss.;
MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Cours de Droit administratif. 7ª ed. Paris:
Montchrestien, 2001, p. 267 ss., expõe um grande conjunto de princípios gerais do
direito que resultam aplicáveis inclusive na ausência de texto normativo, desenvolvidos
pelo Conselho de Estado a partir dos casos “Dame Trompier-Gravier (1944) e
“Aramú” (1945)”.
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CAPÍTULO I – O NOVO CONSTITUCIONALISMO E AS BASES
do direito não tinham cabimento e a justiça era considerada uma ques-
tão metafísica, alheia ao mundo jurídico. Os direitos humanos3 não ti-
nham fundamento na lei natural e sua vigência dependia de seu reco-
nhecimento pelas normas positivas. Entretanto, por ser o direito admi-
nistrativo – em suas origens – um direito especialmente jurisprudencial4,
abriu-se caminho para a criação pretoriana de seus princípios institucio-
nais e setoriais.
O direito emanado dos tratados internacionais, em especial seus
princípios e a doutrina da convencionalidade, também contribuiu para
selar o novo modelo, em que é afirmada a proteção dos direitos funda-
mentais ou humanos a partir da perspectiva do princípio da dignidade
da pessoa como centro de um sistema jurídico complexo que prevalece
e informa os demais princípios.
A chave que ordena tal sistema jurídico complexo que caracteriza
o Direito Público se traduz em uma metodologia baseada em um enfo-
que sistêmico5 (próprio de toda ciência) que une as partes especiais que
formam o conjunto de cada ramo do mundo jurídico, vinculando-as aos
princípios gerais do direito.6 Nessa linha7, o direito administrativo cons-
titui – dentro do Direito Público – um subsistema jurídico.8
3 Sobre o significado dos direitos humanos na Constituição Argentina podemos ver o
trabalho de SCHIFFRIN, Leopoldo H. “Notas sobre el significado de los derechos
humanos en la Constitución argentina”. In: MILLER, Jonathan M.; GELLI, María
Angélica; CAYUSO, Susana (coord.). Constitución y derechos humanos. tomo I. Buenos
Aires: Astrea, 1991, p. 22 ss.
4 RODRÍGUEZ R., Libardo. Derecho administrativo general y colombiano. Bogotá:Temis,
p. 22.
5 BUNGE, Mario A. Memorias: entre dos mundos. Buenos Aires: Gedisa/Eudeba, 2014,
pp. 234-237.
6 SCHMIDT-ASSMAN, Eberhard. La teoría general del derecho administrativo como
sistema. Instituto Nacional de la administración pública. Madrid: Marcial Pons, 2003,
pp. 1/2.
7 MONTAÑA PLATA, Alberto. Fundamentos de derecho administrativo. Bogotá:
Universidade del Externado de Colombia, 2010, pp. 25/26.
8 SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. Tratado de derecho administrativo. tomo I.
Bogotá: Universidade Externado de Colômbia, 2003, pp. 20 e 174-177.

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