Os Paradoxos da Conciliação: Quando a Ilusão da Igualdade Formal Esconde mais uma vez a Desigualdade Real

AutorMárcio Túlio Viana
Páginas310-320
CAPÍTULO 28
Os Paradoxos da Conciliação:
Quando a Ilusão da Igualdade Formal Esconde
mais uma vez a Desigualdade Real(1)
Márcio Túlio Viana(2)
(1) Palestra proferida na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT (Brasília) e na Escola Judicial
do TRT da 3ª Região (Belo Horizonte), com alguns acréscimos.
(2) Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Minas.
1. INTRODUÇÃO
Quando o meu pai ainda era vivo, gostava de me contar
a curiosa história de duas velhas tias – Idalina e Isolina.
Mesmo sabendo que eu já a conhecia de cor, ele sempre a
repetia, com um sorriso maroto, e ainda hoje quase posso
vê-lo espichado na rede, do lado esquerdo da varanda, en-
quanto a noite ia caindo em nossa pequena fazenda.
Idalina era bonita; tinha, quem sabe, olhos verdes e
cabelos em cachos sobre os ombros. Isolina era feia; além
disso, ou por isso mesmo, passava da idade de casar. As
duas seriam filhas de quem? Não me lembro. Digamos que
o pai fosse João, e a mãe, Candinha.
Naturalmente, foi Idalina, e não Isolina, quem con-
quistou o Evaristo. E assim ficaram noivos. Na véspera do
casamento, João e Candinha conversavam na cama:
Pois é, Candinha, a Idalina vai se casar...
– É, João, ela vai se casar...
– Mas quem devia se casar era a Isolina. A Idalina é moça
bonita, arranja marido quando quiser.
– Sim, mas foi ela que o Evaristo escolheu.
– Escolheu, mas escolheu errado; e sabe de uma coisa? Eu
vou dar um jeito nisso!
– Mas que jeito? E o Evaristo?
– Ora, o Evaristo é um moço bom, e o que ele quer é entrar
pra família...
Dito e feito. Amigo e talvez parente do padre, João o
convenceu a pecar.
Naquele tempo – meu pai me dizia – as moças se casa-
vam de véu. Um véu comprido, caindo no rosto.
Pois Candinha caprichou no véu da filha, o padre
evitou dizer seu nome e foi só depois, no avanço tímido
para o primeiro beijo, que o Evaristo – mineiramente –
estranhou:
Uai, é você, Isolina?
– Sou eu.
E depois de hesitar um segundo:
Tá bom.
João tinha razão. Evaristo era um bom homem, e o
que queria mesmo era se casar com a família. Além dis-
so, era um grande caçador de pacas. Em poucos anos, já
fazendeiro, lá ia ele, bem cedinho, de polveira em punho,
à procura dos bichos; isso quando a preguiça não o joga-
va na rede, onde dormia contando casos, assim como o
meu pai fazia, ao passo que ela, mulher da Bíblia, corria a
fazenda a cavalo, governando os caboclos, cheirando as
folhas do cafezal ou apreciando os ubres fartos de suas
vacas malhadas.
Tão forte era a personalidade de Isolina que o Evaristo
lhe herdou a fama e o sobrenome. Nas redondezas, todos o
conheciam por Evaristo Mendes, o Mendes dela, não dele,
o Mendes que o meu pai também não tinha, e muito me-
nos tenho eu, mas que se entrelaça com os antigos Viana
das belas e sensuais montanhas do nosso sul de Minas.
E a Idalina? Eu lhe perguntava sempre, como se não
soubesse a resposta.
A Idalina acabou se casando com outro, mas deu em
nada, era uma mulher comum – respondia o meu pai, rindo
sempre, satisfeito pela pergunta, que ele também já previa.
Hoje, quando penso em conciliação, lembro-me dessa
pequena história, que também me traz saudades de meu
velho e querido Professor Lourival. E é a partir dela, se os
amigos me permitem, que irei expor algumas ideias – to-
das elas muito simples, fruto apenas da experiência e não
da suposta sapiência de um ex-juiz do interior.

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