Princípios do processo

AutorRodrigo Klippel
Páginas135-202
CAPÍTULO 4
PRINCÍPIOS DO PROCESSO
1. INTRODUÇÃO
No capítulo anterior, analisamos a diferença entre normas-princípio e normas
-regra. Trata-se de premissa essencial para que se compreenda este novo capítulo,
que trata dos princípios que regem o processo. O direito processual é regido por
princípios que informam todo o direito (ex.: princípio da boa-fé) e por outros que
lhe são específ‌icos (ex.: princípio do acesso à justiça). Dos últimos se tratará.
Dentre os princípios que sistematizam o direito processual, existem aqueles que
possuem assento constitucional e aqueles de matriz infraconstitucional.
Os princípios constitucionais do processo são garantias mínimas que o legislador
criou para o exercício da jurisdição, encampando valores sociais, históricos, políticos
e jurídicos que permeiam a sociedade brasileira.
A vasta gama de garantias constitucionais do processo, conferida pela Cons-
tituição Federal de 1988, é uma resposta direta ao período histórico anterior, de
ditadura, marcado pelo cerceamento do Poder Judiciário e, por consequência, da
atividade jurisdicional. Principalmente por esse motivo, tem-se uma carta constitu-
cional apelidada de “cidadã”, pois devolve à sociedade e a alguns de seus membros
específ‌icos, como os magistrados, direitos e garantias que haviam sido retirados ou
mitigados pelo governo militar.
A localização constitucional de diversos princípios do processo – inseridos, em
sua maioria, no art. 5º da CF/88 – todos decorrentes do due process of law (devido
processo legal) –, além de demonstrar sua importância no sistema processual e servir
de guia para a interpretação dos textos infraconstitucionais, é garantia de sua esta-
bilidade e de sua permanência no sistema, pois todos são considerados “cláusulas
pétreas”, inamovíveis da CF/88, nos termos do art. 60, § 4º, IV. Tem-se, no caso, a
chamada limitação material ao poder constituinte derivado, que não pode abolir tais
garantias do texto constitucional.1
Além dos princípios constitucionais do processo, que provêm garantias aos
sujeitos processuais para o exercício da jurisdição, há também os princípios de raiz
infraconstitucional, cuja f‌inalidade primordial é f‌ixar diretrizes técnicas para o exercí-
cio da jurisdição, como o fazem o princípio dispositivo, o princípio da oralidade, etc.
1. Nesse sentido DEZEN JÚNIOR, Gabriel. Curso completo de direito constitucional. v. I. 10 ed. Brasília: Vestcon,
2006, p. 461.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO & TEORIA DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • RODRIGO KLIPPEL
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2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Nas linhas que seguem abaixo, os princípios constitucionais do processo serão
estudados, primeiramente, sob o enfoque teórico.
Após esse momento inicial, serão enfrentadas diversas situações em que seu
emprego foi determinante na praxis forense.
2.1. Devido processo legal (art. 5º, LIV)
O princípio do devido processo legal (due process of law) é a matriz de onde
emanam todos os demais princípios do processo na Constituição Federal.2
Nelson Nery Jr., importante monograf‌ista do tema, af‌irma que o devido processo
legal pode ser def‌inido sob três perspectivas:3
a) devido processo legal genérico: genericamente, o devido processo legal é a
garantia que o ordenamento jurídico confere à vida, à liberdade e à propriedade
e que está expressa no art. 5º, caput da CF/88. As três palavras destacadas
aglutinam todo e qualquer bem juridicamente protegido, com o intuito de
demonstrar que a sua aquisição, fruição e preservação são objeto e objetivo
do ordenamento jurídico, que o regula a partir de normas constitucionais e
infraconstitucionais;
b) devido processo legal substancial (substantive due process of law): corresponde
à incidência da cláusula genérica do devido processo legal na elaboração do
direito. Segundo o Ministro aposentado do STF, Carlos Velloso, o
Due process of law, com conteúdo substantivo — substantive due process — constitui limite
ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas
de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W.
Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir.
Há também o entendimento4 de que o devido processo legal substancial se
refere ao campo do direito material, que regula as relações sociais segundo
marcos pré-f‌ixados e lastreados nos valores preconizados pela CF/88. Ex.:
o princípio da estrita legalidade, no direito administrativo; o princípio do
pacta sunt servanda, no direito das obrigações; o princípio da capacidade
contributiva, no direito tributário, etc.;
c) devido processo legal processual (procedural due process of law): trata-se da
vertente processual do devido processo legal, ou seja, de sua incidência no
campo processual. As garantias constitucionais do processo são todas ema-
nações do devido processo legal processual, tais como o princípio do juiz
2. NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 3 ed. São Paulo: RT, 1996, p. 25.
3. NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5 ed. São Paulo: RT, 1999, p. 33 e ss.
4. NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Op. cit., p. 35.
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Capítulo 4 • pRINCípIoS Do pRoCESSo
natural, da publicidade, etc. Esses princípios garantem as formas básicas do
direito processual, conferindo segurança e previsibilidade. Atuam, portanto,
no plano da validade do processo.
Caso sejam desrespeitados, geram-se as invalidades processuais (nulidades
processuais), desde que do erro decorra prejuízo. O devido processo legal
processual deve ser observado, com muita atenção, nos processos administra-
tivos e particulares, e não só nos jurisdicionais, sendo muito comum que o
Judiciário, ao analisar atos administrativos e de entes privados, os invalide
por desrespeito a esse princípio.5
O princípio do devido processo legal, em seu âmbito processual, está discipli-
nado no art. 5º, LIV da Constituição Federal, que descreve:
Art. 5º. Omissis.
LIV – ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal.
A origem histórica do princípio do devido processo legal (due process of law)
ajuda a entender o motivo de seu conteúdo prescritivo, ou seja, por que se def‌ine
como a proteção contra a perda arbitrária da liberdade e dos bens.
É lugar comum na doutrina que o princípio em tela se originou da Magna Carta
de João Sem Terra, de 1215. O que não se comenta, entretanto, é que o famoso diploma
foi anulado, menos de dois meses depois, por uma bula do Papa Inocêncio II, sendo
que a verdadeira Magna Carta, de onde pode se extrair a origem da regra do devido
processo legal, “é o produto de três sucessivas modif‌icações, mais na forma do que
no fundo, efetuadas por Henrique III, já então rei, em novembro de 1216, novembro
de 1217 e f‌inalmente 11 de fevereiro de 1225”.6
Reduzida a 37 dispositivos, é no art. 29 que se encontra a primeira forma do
devido processo legal, sob a nomenclatura de “lei do país” (law of the land), nos
seguintes termos:
Nenhum homem livre será detido, nem aprisionado, nem despojado de sua propriedade, de sua
liberdade ou de seus livres costumes, nem posto fora da lei (ultragetur), nem desterrado, nem
molestado de qualquer maneira; e não poremos nem permitiremos pôr a mão nele, a não ser que
seja submetido a julgamento legal de seus pares e segundo a lei do país.7
O princípio do devido processo legal era, pois, uma proteção contra o auto-
ritarismo do rei e a instabilidade da forma como os cidadãos eram por ele regidos
(principalmente no que se refere à questão tributária, ou seja, a cobrança de tributos).
5. Como exemplo vide o RE 158215/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, Segunda Turma, DJ 07.06.1996.
6. SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus, Mandado de segurança e Ação popular – as garantias ativas dos direitos
coletivos. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 121.
7. Tradução para o português do original em SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus, Mandado de segurança e Ação
popular – as garantias ativas dos direitos coletivos. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 124.
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