A produção antecipada da prova para a busca de bens no patrimônio do devedor: rumo a uma execução mais efetiva e racional

AutorFlávia Pereira Hill
Páginas317-333
A PRODUÇÃO ANTECIPADA DA PROVA PARA A
BUSCA DE BENS NO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR:
RUMO A UMA EXECUÇÃO
MAIS EFETIVA E RACIONAL1
Flávia Pereira Hill
Doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professora Adjunta de Direito
Processual Civil da UERJ. Pesquisadora visitante da Università degli Studi di Torino,
Itália. Tabeliã. E-mail: aviapereirahill@gmail.com.
1. O DRAMA DA INEFICIÊNCIA DA EXECUÇÃO NO BRASIL: DA DIGRESSÃO
À AÇÃO
O Conselho Nacional de Justiça nos revela, ano a ano, uma radiograf‌ia deso-
ladora da execução em nosso país. A execução, seja fundada em título executivo
judicial (fase de cumprimento de sentença) ou extrajudicial (ação autônoma), se
af‌igura substancialmente mais morosa do que a fase de conhecimento e ostenta taxas
signif‌icativamente mais elevadas de congestionamento.
Com efeito, a duração da execução alcança a média de 7 anos e 8 meses na Jus-
tiça Federal e 6 anos e 9 meses na Justiça Estadual2. O índice de produtividade na
Justiça Estadual corresponde a 1.445 na fase de conhecimento e a apenas 774 na fase
de execução, sendo que, na Justiça Federal, a disparidade se aprofunda, visto que
corresponde a 1.902 na fase de conhecimento e a apenas 556 na fase de execução3.
A taxa de congestionamento da execução, na Justiça Estadual, monta a 82%, e,
na Justiça Federal, a 88%4.
Os números, portanto, não deixam dúvidas de que, não obstante tenha havido
mudanças na execução ainda no CPC/1973, com as reformas nos anos de 2005 e
2006, além daquelas oriundas da edição do CPC de 2015, infelizmente ainda estamos
longe de alcançar o elevado objetivo de oferecer ao jurisdicionado brasileiro, mais
especif‌icamente ao exequente, uma execução efetiva – sem descurar, por óbvio, das
garantias fundamentais do processo5.
1. Versão revista e atualizada do artigo originalmente publicado na Revista Eletrônica de Direito Processual.
ano 15. v. 22. n. 2. p. 302-322. maio-ago. 2021.
2. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2020. p. 178.
3. Idem, ibidem. p. 164.
4. Idem, ibidem. p. 170.
5. No tocante à importância da compatibilização entre as garantias fundamentais do processo e o fenômeno
da desjudicialização, vide. HILL, Flávia Pereira. “Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais:
pela concepção de um devido processo legal extrajudicial”. Revista Eletrônica de Direito Processual. ano 15.
v. 22. n. 1. p. 379-408. jan.-abr. 2021.
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FLÁVIA PEREIRA HILL
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Em boa hora, ganha espaço o salutar e democrático debate em torno de uma
possível desjudicialização da execução civil em nosso país, a partir do exame do
Projeto de Lei 6.204/2019, que propõe a criação, entre nós, da f‌igura do agente de
execução – delegatários de serventias extrajudiciais com atribuição de protesto de
títulos, segundo o projeto –, a quem caberia levar a efeito os principais atos executivos
atualmente conf‌iados integral e exclusivamente ao Poder Judiciário6.
No entanto, problemas complexos exigem soluções plurais, em várias frentes.
E a execução civil pode, sem dúvidas, ser catalogada como um problema complexo,
com raízes jurídicas e metajurídicas7, além de antigo. Trata-se de um verdadeiro “nó
aselha”, fácil de atar – o contingente crescente de execuções diuturnamente instaura-
das assim nos revela –, mas que, tensionado há anos, mostra-se de dif‌icílimo desate.
Portanto, um olhar atento sobre a execução, em suas diferentes facetas, revela
ser recomendável a adoção de diversas medidas paralelamente, cada qual voltada a
contornar uma especif‌icidade do problema.
Se, de um lado, a desjudicialização da execução acena com perspectivas reais
de maior dinamicidade na execução sem comprometer o devido processo legal, por
outro lado, consideramos haver uma importante dobra desse nó que merece urgente
desenlace: a busca de bens8.
Frederico Marques9, com suporte em Liebman, reconhece que a execução depen-
de não apenas de pressuposto legal (título executivo), mas também de pressuposto
prático (inadimplemento). A dicotomia legal-prático é, antes de mais nada, ilustrativa
da complexidade da execução, que não se esgota ou ultima nos estreitos conf‌ins do
ambiente jurídico, mas, dada a sua vocação ínsita à alteração da realidade sensível,
deve atuar concretamente, na prática, com vistas a satisfazer a obrigação reconhecida
no título executivo. Daí por que entendemos que, ao lado do inadimplemento do
devedor, um pressuposto prático não da admissibilidade da execução, mas propria-
mente de sua viabilidade consiste na existência de bens no patrimônio do devedor.
Araken de Assis10 reconhece, com propriedade, que a exigência do preenchi-
mento de legitimidade das partes e interesse de agir11 se aplica às execuções. Dessa
6. A respeito do Projeto de Lei 6.204/2019, vide. HILL, Flávia Pereira. Lições do isolamento: ref‌lexões sobre
Direito Processual em tempos de pandemia. Rio de Janeiro: edição do autor. 2020. Capítulo 5. p. 75-109.
7. Flavio Luiz Yarshell e Viviane Siqueira Rodrigues reconhecem que os problemas que af‌ligem a execução
transcendem as questões estritamente jurídico-processuais. YARSHELL, Flávio Luiz. RODRIGUES, Viviane
Siqueira. “Desjudicialização da execução civil: uma solução útil e factível entre nós?”. MEDEIROS NETO,
Elias Marques de. RIBEIRO, Flávia Pereira (Coord). Ref‌lexões sobre a Desjudicialização da execução civil.
Juruá. 2020. p. 361-372.
8. Leonardo Greco reconhece a busca de bens como um severo problema da execução a ser contornado.
GRECO, Leonardo. “Execução civil: entraves e propostas”. Revista Eletrônica de Direito Processual. v. 12. p.
399-445. 2013.
9. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Millenium. 2000. v. V. p. 14.
10. ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 18. ed. São Paulo: Ed. RT. p. 763.
11. Entendemos subsistir a categoria condições da ação no CPC/2015, a despeito de o legislador não ter feito
alusão expressa a esse nomen juris. No entanto, não nos deteremos nessa questão, pois transbordaria o
objetivo do presente trabalho.
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