Reestruturações e pressão por metas de produção: uma breve arquitetura da sujeição e do assédio laboral

AutorMargarida Barreto - Roberto Heloani
Páginas133-138

Page 133

Margarida Barreto *

Roberto Heloani **

Introdução

“Na década de 80 e no início da década de 90, o mundo capitalista viu-se novamente às voltas com problemas da época do entre-guerras, que a Era de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depressões cíclicas severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto e luxo abundante, em meio a rendas cada vez mais limitadas e despesas ilimitadas de Estado.”

Eric Hobsbawm

Entre 1950 e 1973, a economia internacional experimentou um notável crescimento. Nos anos 1970, em razão da crise geral e dos significativos problemas de ajustes econômicos à crise do petróleo (1973), o Welfare State, visto como benéfico pela grande maioria dos países europeus, passa a ser contestado. Os governos de Ronald Reagan, nos EUA (1980), Margaret Thatcher, na Inglaterra (1979), Yasuhiro Nakasone, no Japão (1982), e Helmut Kohl, na Alemanha (1982), começam a advogar o Estado Mínimo, fiscal, ou “Estado Guarda-Noturno”, que atua de modo contido e pontual, objetivando mormente garantir a “lógica do mercado”, um Estado Neoliberal em oposição à ideia de um Estado Positivo, keynesiano, interventor, sim, nos setores essenciais da economia e da vida social (HELOANI, 2003).

A vitória desses governos neoliberais, neoconservadores, em nosso entender, foi revigorada pela falência dos países do leste europeu, cujo símbolo máximo foi a derrubada do muro de Berlim em 1989. Com essa vitória, a polí-

Page 134

tica de dominação financeira apresenta-se de forma emblemática no chamado Consenso de Washington, também em 1989, em que são elaboradas as políticas gerais que tornariam exequíveis o programa de estabilização e as reformas estruturais sancionadas pelo FMI e Banco Mundial. O Fundo Monetário Internacional, alegando a busca do equilíbrio do sistema financeiro internacional, empresta dinheiro a países em dificuldades em troca de adoção de rígidas políticas econômicas; e o Banco Mundial, por sua vez, objetiva financiar projetos sociais de infraestrutura em países em desenvolvimento (HELOANI, 2003).

Assim, o discurso da ampla reforma do Estado surge como um dos fundamentos das políticas públicas na década de 1980. Nas organizações privadas e públicas, termos como empregabilidade, desregulamentação, privatização, mercado, downsizing, terceirização, flexibilização dos contratos de trabalho e administração pública gerencial tornam-se recorrentes em todos os níveis hierárquicos e gozam de inaudito concurso da mídia e de alguns intelectuais orgânicos, gerando “novas teorias” sobre o “fim da História”, a “obsolescência” dos clássicos e a “total inutilidade” de todo pensamento crítico. Dessa forma, a priori, o pensamento crítico é tido como não instrumental, não diretamente aplicável ao “mundo prático”.

Assim, o que o neoliberalismo propõe é a “despolitização” radical das relações sociais, em que qualquer regulação política de mercado (quer por via do Estado ou de outras instituições) é já a princípio repelida. Na verdade, o que temos é um neoliberalismo convertido em concepção ideal do pensamento antidemocrático contemporâneo, que serve aos interesses do capital. É o que aponta Przeworski (apud Netto, 1995, p. 80-81), afirmando que a grande burguesia não se ilude com o abstencionismo estatal nem acredita em um mercado totalmente “livre”. O que ela pretende, como bem afirma Netto, em Crise do socialismo e ofensiva neoliberal, é direcionar a intervenção do Estado para seus particulares interesses de classe, transformando o “Estado Mínimo” em “Estado Máximo para o capital”, de forma que este circule beneficiando-a sem restrições (HELOANI, 2003).

Como se verifica, o processo de privatização, como elemento propiciador do enxugamento do Estado, vem acompanhado de forte aparato ideológico que começa a estruturar-se nos anos 1970, em decorrência do novo ambiente econômico que sinalizava a inadequação do modelo fordista em manter o repasse da produtividade para os salários. O processo consolida-se na década de 1980, quando o empresariado articula três pontos de ataque em sua política econômica: a produção globalizada, a diminuição da atuação do Estado-Previdência e a desindexação dos salários, características básicas do que se convencionou chamar de pós-fordismo. Ademais, a mobilidade do capital, unida à flexibilidade tecnológica e social propiciada pela desregulamentação de direitos consagrados e pela hegemonia ideológica nos principais setores de formação de opinião, possibilita a mercantilização de praticamente tudo, solapando fronteiras e soberanias nacionais.

Os investimentos da produção são deslocados para o setor de serviços, o que impulsiona a “terceirização” (tertiarized middle classes). Esse deslocamento do capital para o beneficiamento do setor de serviços, graças ao aumento dos custos de produção, já havia se esboçado no período de 1968 a 1974, período de crise, de fuga do trabalho, marcado por elevado absenteísmo e turnover. Esse deslocamento do capital gerou um aumento ainda maior da desigualdade na distribuição de renda nos países de capitalismo central.

Com a desativação do Estado-Previdência, aumentou a dependência dos setores em crescimento em relação ao mercado internacional, e o capital, privilegiando o setor terciário, gerou uma contradição entre: (a) setores em expansão, que adotam novas tecnologias microeletrônicas e (b) setores em estagnação — setores industriais como siderurgia, eletrônica, confecções etc. Trata-se de uma contradição que se expressa no ordenamento do espaço urbano. No item a, temos as cidades globais em expansão, voltadas para a internacionalização da economia e serviços (como Miami e Los Angeles). Em b, observamos as velhas cidades industriais (como New York e Detroit) que, sofrendo os efeitos da desindustrialização, ilustram a estagnação (HELOANI, 2000).

Como consequência da diminuição de sua produção siderúrgica e de automóveis, Detroit chegou a ter redução em sua população no início dos anos 1980. Por causa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT