O 'sistema de justiça' à procura de racionalidade ética: caminhos possíveis

AutorHenriqueta Fernanda Chaves Alencar Ferreira Lima
Páginas329-370
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Capítulo 4
O “SISTEMA DE JUSTIÇA À PROCURA DE
RACIONALIDADE ÉTICA: CAMINHOS POSSÍVEIS
Na obra “Para uma revolução democrática da justiça”,
Boaventura de Souza Santos assinala a decepção da sociedade atual dos
indivíduos serem “herdeiros das promessas da modernidade e, muito
embora as promessas tenham sido auspiciosas e grandiloquentes
(igualdade, liberdade, fraternidade), temos acumulado um espólio de
dívidas”, em que a promessa por igualdade, num contexto de alta
degradação ecológica e desigualdades sociais, revela-se verdadeira
“fantasia jurídica” (SANTOS, 2011, p. 6).
Nesse cenário, o autor português aponta dois caminhos
possíveis: ou aceitação da realidade ou transgressão radical que no
campo do Direito e da Justiça, defendendo a necessidade de revolução
mais ampla, que promova a democratização do Estado e da sociedade
para se chegar à revolução do direito e da justiça:
a revolução democrática do direito e da justiça só
faz verdadeiramente sentido no âmbito de uma
revolução mais ampla que inclua a democratização
do Estado e da sociedade. Centrando-me no
sistema jurídico e judicial estatal, começo por
chamar a atenção para o fato de o direito, para ser
exercido democraticamente, ter de assentar numa
cultura democrática, tanto mais preciosa quanto
mais difíceis são as condições em que ela se
constrói. Tais condições são, efetivamente, muito
difíceis, especialmente em face da distância que
separa os direitos das práticas sociais que
impunemente os violam. A frustração sistemática
das expectativas democráticas pode levar à
desistência da democracia e, com isso, à
desistência da crença no papel do direito na
construção da democracia (SANTOS, 2011, p. 8).
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Depreende-se que a discussão em torno de sistema de justiça
pautado em valores democráticos exige que se perpasse sobre alguns
conceitos basilares sobre o que é justiça, Direito e qual o papel desse,
bem como do sistema de justiça e do julgador.
Sem descurar da variabilidade de conceitos acerca da Justiça e
do Direito e sem intenção de esgotar o tema, mas tão somente trazer
algumas reflexões doutrinárias necessárias a inferências críticas,
partindo de conceito denotativo, passando pela perspectiva de Hans
Kelsen, John Ralws, Habermas, até desembocar na de Miguel Reale,
por suas significativas contribuições ao tema.
O conceito de justiça para Nicola Abbagnano seria:
(gr. ôiKouoaúvri; lat. Justitia; in. Justice, fr.
Justice, ai. Gerechtigkeit; it. Giusti-zià). Em geral,
a ordem das relações humanas ou a conduta de
quem se ajusta a essa ordem. Podem-se distinguir
dois significados principais: le J. como
conformidade da conduta a uma norma; 2- J. como
eficiência de uma norma (ou de um sistema de
normas), entenden-do-se por eficiência de uma
norma certa capacidade de possibilitar as relações
entre-os homens (ABBAGNANO, 1998, p. 593).
Segundo Eduardo Carlos Bianca Bittar, partindo da perspectiva
do purismo metodológico de Hans Kelsen, do positivismo jurídico fruto
do positivismo científico do século XIX, que é instrumental ao conceito
de justiça por ele buscado, pontua alguns aspectos da teoria kelseniana
de justiça.
De largada, Bittar (2000, p. 546) assinala que a relação
imbricada entre a visão sistêmica de Direito e a Justiça, embora assinale
que a ciência jurídica não detém espaço aos juízes de Justiça, mas só de
Direito, destaca que:
[...] Para Kelsen, a Teoria do Direito possui dois
juízos de valor: 1. valores de Direito, cujo
parâmetro objetivo é a norma jurídica (lícito/
ilícito); 2. valores de justiça (justo/ injusto), cujo
parâmetro subjetivo repousa e m dados variáveis e
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indedutíveis (Justiça democrática, autoritária,
nacionalista, demagógica [...] 12 Abordando-se os
valores, pode-se dizer que a norma jurídica é a
única segurança para a teoria do Direito; é ela o
centro das investigações positivistas do Direito.
Mas, ela não é a simples expressão da vontade do
legislador,13 porque são muitas as possíveis
vontades do legislador, o que torna a pesquisa da
norma um dado fluído. A norma está sempre sujeita
à interpretação, e é isto que permite que diversos
sentidos jurídicos convivam num só ordenamento
(BITTAR, 2000, p. 546).
Assim, o Direito se limitaria ao conjunto ordenado de normas
jurídicas coercitivas, que impõem o dever-se, cuja validade decorre da
observância das regras de procedimentos estabelecidas pelo próprio
sistema jurídico, que é um fim em si mesmo e é autossuficiente, de
modo que qualquer abertura a fatores extrajurídicos comprometeria sua
completude e rigidez.
Claramente Kelsen reconhece outros elementos externos ao
Direito, mas que não devem ser considerados na Ciência do Direito que
deve ser pura, sob pena de perder a cientificidade. Sua preocupação é
com as estruturas normativas existência, validade e eficácia da norma
e não se é justa ou injusta, com o conteúdo. Daí a separação do político
e do jurídico. Assim, “[...] com esta delimitação já se percebe que a(s)
doutrina(s) da(s) Justiça(s) não é(são) objeto de conhecimento do
jurista, que deve estar afeito a compreender a mecânica das normas
jurídicas” (BITTAR, 2000, p. 552).
Para Kelsen, a discussão em torno da Justiça é ocupação da
Ética e não da Teoria do Direito. Mas qual o conceito de Justiça para
Kelsen, afinal? O autor, partindo das Escrituras Sagradas, passando
pelas teorias platônicas e aristotélicas, até desembocar nas teorias
jusnaturalistas, chega à conclusão de que não é possível se falar em
conceito absoluto, falando na obra “Ilusão da Justiça”, assinala que a
Justiça no Direito Positivo é relativa, realizável pelo homem e
imperfeita:

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