Título II - Do condenado e do internado (Arts. 5 a 60)

AutorJulio Fabbrini Mirabete
Páginas28-155
ART. 5º EXECUÇÃO PENAL
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TÍTULO II
DO CONDENADO E DO INTERNADO
Capítulo I
DA CLASSIFICAÇÃO
Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus an-
tecedentes e personalidade, para orientar a individualização da
execução penal.
Vide: CF art. 5º, XLVI; LEP arts. 1º, 6º a 9º.
5.1 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E CLASSIFICAÇÃO DOS
CONDENADOS
É norma constitucional, no Direito brasileiro, que “a lei regulará a individualização
da pena” (art. 5º, XLVI, parte, da CF). A individualização é uma das chamadas garantias
repressivas, constituindo postulado básico de justiça. Pode ser ela determinada no plano
legislativo, quando se estabelecem e disciplinam-se as sanções cabíveis nas várias espécies
delituosas (individualização in abstracto), no plano judicial, consagrada no emprego do
prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de
cumprimento da pena e que abrange medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime
penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional etc.73
Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de
que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos
são iguais, mas sumamente diferentes – e de que tampouco a execução pode ser homogênea
durante todo o período de seu cumprimento.74 Não há mais dúvida de que nem todo preso
deve ser submetido ao mesmo programa de execução e de que, durante a fase executória
da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no conde-
nado, podendo-se só assim falar em verdadeira individualização no momento executivo.
Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os
elementos necessários para lograr sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto.75 A
individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca improvisada, iniciando-se
com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas
de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um.
As legislações modernas têm introduzido processos de seleção e, para esse fim, criado
centros de observação e exame aos quais se leva o preso para ali se decidir sobre seu destino
73. Cf. FERREIRA, Sérgio Andrade. A técnica de aplicação da pena como instrumento de sua individualização
nos códigos de 1940 e 1969. Rio de Janeiro: Forense. p. 13-17.
74. Cf. KAUFMANN, Hilde. Ejecución penal y terapia social. Buenos Aires: Depalma, 1979. p. 190.
75. Cf. PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Os regimes de cumprimento da pena e o exame criminológico.
RT 583/313.
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JULIO FABBRINI MIRABETE E RENATO N. FABBRINI
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a determinado estabelecimento e a determinada forma de execução. Esse procedimento de
classificação funda-se em determinados sistemas de seleção e visa à possibilidade de prog-
nósticos referentes especialmente ao grau de perigo de reincidência ou de periculosidade
do condenado. O princípio de classificação dos presos é contemplado nas Regras Mínimas
das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos – Regras de Mandela – (Regra 93) e do
Conselho da Europa (nº 7), no art. 16 da Lei Geral Penitenciária espanhola, no art. 2º do
regulamento penitenciá rio canadense e no art. 8º das normas de aplicação da lei penitenciá-
ria sueca, estando presente em qualquer política criminal moderna e constituindo premissa
constante de todos os estudos sobre a matéria.
As normas relativas à classificação dos condenados e dos internados constituem,
como visto, corolário lógico do princípio constitucional da individualização da pena.76
em 1975, o Grupo de Trabalho presidido pelo professor A. B. Cotrim Neto, instituído no
Ministério da Justiça para o estudo da reforma penitenciária no Brasil, enfatizava a neces-
sidade de prévia classificação do sentenciado, com vista no estudo de sua personalidade,
para a individualização do tratamento penitenciário a aplicar.77 Nesse sentido, o art. 5º da
Lei de Execução Penal determina que “os condenados serão classificados, segundo os seus
antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”. Ficam
com esse dispositivo atendido o princípio da personalidade da pena, inserido também entre
os direitos e garantias constitucionais, como o da proporcionalidade da pena, “de modo que a
cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda
o tratamento penitenciário adequado”, segundo se assegura na exposição de motivos.78
Como o procedimento para a individualização da execução da pena é matéria que exige
a apreciação de exames e de circunstâncias subjetivas verificáveis do exame dos autos, não
se presta a tal o procedimento sumário do habeas corpus.
Jurisprudência
Inadmissibilidade de individualização da pena em habeas corpus
5.2 BIOTIPOLOGIA CRIMINAL
Modernamente, vem tomando relevo, como matéria de primeiro interesse no campo
do direito penal, o problema da personalidade do criminoso e, por isso, ao lado dos tipos de
delitos, tem-se dado atenção à importância do conhecimento a respeito dos tipos de delin-
quentes, que formam a tipologia criminal. Ressalta-se, assim, a importância da Biotipologia
Criminal para o estabelecimento de classificações “nas quais certos indivíduos podem ser
agrupados, por serem portadores de anomalias orgânicas ou funcionais características, que
76. Cf. DOTTI, René Ariel. A lei de execução penal: perspectivas fundamentais. RT 598/282.
77. Cf. COTRIM NETO, A. B. As normas para uma programação penitenciária, no Ministério da Justiça.
Justitia 93/70.
78. Cf. Exposição de Motivos, item 26.
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comprovadamente estão presentes na gênese de condutas agressivas”.79 A Biotipologia Cri-
minal, associada a outras ciências, pode dar a exata dimensão, o retrato de corpo inteiro, do
homem delinquente, isto é, o homem em sua totalidade psicoambiental.80 Uma classificação
fundada na Biotipologia, aliada a outros conhecimentos científicos (psicologia, psiquiatria,
sociologia etc.) pode fornecer subsídios preciosos à classificação dos condenados e à indi-
vidualização do tratamento penal adequado.
5.3 CLASSIFICAÇÕES DOS DELINQUENTES
São muitas as classificações de criminosos em nossa literatura de Ciências Criminais.
Ferri classificou os delinquentes por uma fórmula biossociológica, em: (1) nato; (2) louco;
(3) habitual; (4) de ocasião; e (5) por paixão. Franz Exner dividiu-os em: (1) criminosos
ocasionais e profissionais (caracterologia); (2) criminosos primários e reincidentes (sociolo-
gia); (3) criminosos por cupidez e lascívia (psicologia); (4) criminosos com taras hereditárias
(biologia); (5) criminosos corrigíveis e incorrigíveis (política); (6) criminosos, segundo a lei
(legalidade). Entre nós, famosa é a classificação de Hilário Veiga de Carvalho, estabelecida
de acordo com a etiologia do crime e a situação do tipo de personalidade, que divide os cri-
minosos em: (1) mesocriminoso; (2) mesocriminoso preponderante; (3) mesobiocriminoso;
(4) biocriminoso preponderante; (5) biocriminoso. André Teixeira Lima divide os criminosos
em quatro grupos, segundo sua estrutura criminógena: (1) com anomalias relacionadas com
o desenvolvimento da personalidade: (a) desenvolvimento precoce ou retardado sincrônico
ou assincrônico; (b) desenvolvimento de tipo simples (depressão, oposição, abandono etc.);
(c) desenvolvimento neurótico; (d) desenvolvimento psicopático; (e) desenvolvimento pa-
ranoico (tipos sensitivos e expansivos); (f) desenvolvimento pseudopsicopático; (g) outros
tipos, inclusive mistos; (2) com anomalias relativas ao desenvolvimento da inteligência:
(a) variante deficitária constitucional; (b) deficiência encefalopática; (3) com distúrbios de
natureza psicótica: (a) distúrbio de base orgânica (síndromes reversíveis e irreversíveis);
(b) psicose endógena (esquizofrenia e psicose maníaco-depressiva); (4) casos enquadráveis
em mais de um grupo: combinações diversas.81 Cícero Cristiano de Souza classifica-os em:
(1) criminoso ocasional; (2) criminoso sintomático (secundário); (3) criminoso essencial
(ou primário ou verdadeiro).82 Cícero Carvalho Lage, para facilitar a análise dos criminosos
e bem situar os casos de estado delinquencial, adota as seguintes denominações: (1) po-
limórfico ou difuso; (2) típico ou verdadeiro; (3) atípico ou acidental.83 O Código Penal de
1969 (Decreto-lei nº 1.004/69), que não chegou a entrar em vigor, referia-se a criminosos
habituais e criminosos por tendência (art. 64).
79. PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p.
29.
80. Cf. SANTOS, J. W. Seixas. Síntese expositiva de criminologia. 2. ed. São Paulo: Livraria Jurid. Vellenich,
1973. p. 97.
81. Cf. LIMA, André Teixeira. Criminogênese. Visão atual e classificação dos criminosos. Justitia 93/101.
82. Cf. LAGE, Cícero Carvalho. Ciência criminal e penitenciária. São Paulo: Biblioteca de Estudos Jurídicos
“Leia”, 1965. p. 48-49.
83. Cf. LAGE, Cícero Carvalho. Ob. cit. p. 85.

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