Vulnerabilidade e consentimento informado
Autor | Carlos Nelson Konder |
Páginas | 19-27 |
VULNERABILIDADE E
CONSENTIMENTO INFORMADO
Carlos Nelson Konder
Sumário: 1. Introdução – 2. O aspecto dual da proteção à pessoa humana no biodireito: benecência
como heteronomia, consentimento como autonomia – 3. A vulnerabilidade como pedra de toque da
tutela da pessoa humana – 4. O consentimento informado como instrumento de efetiva proteção à
autonomia – 5. Considerações nais.
1. INTRODUÇÃO
Na iminência da entrada deste século, há mais de vinte anos, desenhava-se um
cenário promissor, com a difusão cada vez maior da constitucionalização do direito
civil, mas, ao mesmo tempo, repleto de promessas constitucionais ainda não cumpridas.
Naquela ocasião, em artigo signicativamente intitulado “Perspectivas do direito civil
brasileiro para o próximo século”, lecionava Heloísa Helena Barboza:
Apesar dos princípios humanísticos e de todos os direitos assegurados na Constituição Federal,
notadamente a plena igualdade, constata-se que há no Brasil de hoje – de fato – duas classes bem
distintas: a primeira composta pelos reconhecidos pela lei, porque tiveram a sorte de a ela se adaptar;
a segunda, integrada por verdadeiros ‘inexistentes jurídicos’. Na primeira encontram-se os verdadei-
ros cidadãos: tem nome, bem ou mal, pai e mãe, certidão de nascimento, carteira de trabalho, CPF, o
direito de vota, às vezes estuda, geralmente de mora, raramente à assistência médica de qualidade,
mas certamente ‘direito’ de pagar impostos e, quem sabe um dia, com a ajuda de Deus, até poderão
ser legítimos proprietários. Na segunda categoria, bem mais numerosa, estão os incontáveis excluídos
do sistema jurídico, Marias e Josés por força do batismo, que até 1988 sequer poderiam constituir
família legítima, porque não se casavam ‘no civil’.1
A reexão exposta pela professora no texto se acentuava diante dos novos desaos
colocados pelo desenvolvimento da tecnologia, que além de seu potencial de desen-
volvimento civilizatório, também trazia a possibilidade de acentuar as desigualdades
sociais. Assim, a persistência, de reexões sobre as novas tecnologias ainda pautadas por
modelos dogmáticos tradicionais, indicada na ocasião, acabava por aguçar situações
de exploração e desumanização, às quais cabia ao direito coibir em lugar de legitimar.
A preocupação não poderia ser mais atual. Nos últimos vinte anos o salto tecnoló-
gico intensicou-se e os receios quanto à proteção da pessoa humana que deram origem
à bioética exigiram atuação mais incisiva, consolidando-se o chamado biodireito, no
qual a professora Heloísa Helena Barboza foi uma das pioneiras. No presente texto, em
1. BARBOZA, Heloísa Helena. Perspectivas do direito civil brasileiro para o próximo século. Revista da Faculdade
de Direito da UERJ, v. 6 e 7. p. 36-37. Rio de Janeiro: 1999.
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