Abandono parental de cuidado: nomenclatura e repercussão do tema na atualidade jurisprudencial e na visão de quem atua em âmbito jurídico

AutorFlaviana Rampazzo Soares e Ísis Boll de Araujo Bastos
Páginas97-112
ABANDONO PARENTAL DE CUIDADO:
NOMENCLATURA E REPERCUSSÃO DO TEMA
NA ATUALIDADE JURISPRUDENCIAL E NA VISÃO
DE QUEM ATUA EM ÂMBITO JURÍDICO
Flaviana Rampazzo Soares
Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Professora. Advogada. E-mail: frampazzo@hotmail.com.
Ísis Boll de Araujo Bastos
Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Professora de Direito Privado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mediadora com formação e certicação internacional pelo Instituto de Certicação
e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML) e Universidade Católica Portuguesa –
Porto/PT. E-mail: isis.bastos@unifesp.br
Sumário: 1. Introdução. 2. Um recorte conceitual para o abandono parental de cuidado. 3. Propostas
legislativas que envolvem o tema. 4. O tema nas decisões dos tribunais do Brasil. 5. O tema na visão
de pessoas que atuam na área jurídica. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em 2015, as autoras escreveram o artigo intitulado “Abandono de cuidado: cons-
cientizar e responsabilizar”, publicado no livro As famílias e os desaf‌ios da contempora-
neidade.1Passados seis anos, o tema é revisitado sob novos parâmetros e problemática,
dado o grande desaf‌io que envolve a questão terminológica dessa f‌igura jurídica.
Em razão disso, foram traçados os seguintes problemas de pesquisa: (a) verif‌icar se
é conveniente adotar nomenclatura única para caracterizar juridicamente a omissão dos
pais nos cuidados que devem ser dispensados aos f‌ilhos; (b) identif‌icar a nomenclatura
mais adequada e eventuais problemas que justif‌iquem a exclusão de outras expressões
para designar a referida omissão; e (c) examinar como isso reverbera nas decisões de 2º
grau dos Tribunais Estaduais, Distrito Federal e Territórios, nos projetos legislativos em
tramitação sobre a matéria e no senso comum daqueles que atuam em âmbito jurídico.
O objetivo geral é analisar, na prática jurídica, o abandono parental de cuidado,
além de tratar da questão terminológica e a sua repercussão tanto na compreensão geral
de quem atua em âmbito jurídico, quanto nos processos julgados no país.
1. BASTOS, Ísis Boll de Araujo; SOARES, Flaviana Rampazzo. Abandono de cuidado: conscientizar e responsabilizar.
In: ROSA, Conrado Paulino da; THOMÉ, Liane Maria Busnello. (Org.). As famílias e os desaf‌ios da contemporanei-
dade. Porto Alegre/RS: IBDFAM/RS, 2015. p. 196-221.
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O recorte temporal para esta análise é 2012, ano de publicação do acórdão do
Recurso Especial n. 1.159.242/SP2, o qual promoveu uma verdadeira guinada no Su-
perior Tribunal de Justiça (STJ) no que diz respeito ao tema. Isso porque, antes desse
precedente, a referida Corte era refratária às postulações indenizatórias apoiadas nesse
fundamento.
Esclarece-se introdutoriamente que, embora na redação do texto tenha sido adotado
o gênero masculino, este deve ser compreendido como abrangente de qualquer gênero,
porquanto todo membro do núcleo parental3 está sujeito a imputação quanto a omissão
no dever de cuidar e, conquanto tenha-se empregado a designação singular, essa omissão
pode ser tanto singular quanto plural. Igualmente, convém explicitar que houve a opção
da expressão “genitor” indistintamente para pai, mãe ou ambos, que tenham ou não
gerado seus f‌ilhos biologicamente, ou para abranger quem exerça esses papeis jurídicos
e sociais, independentemente do gênero.
Como metodologia de pesquisa, optou-se por uma abordagem dedutiva, partin-
do-se de aspectos gerais, com um olhar prático na invocação do abandono de cuidado
e considerando-se a contabilização das decisões proferidas por diferentes Tribunais de
Justiça do Brasil. Foi adotada a abordagem da pesquisa exploratória, com levantamento
documental bibliográf‌ico e jurisprudencial. Além disso, utilizou-se a pesquisa empíri-
ca (sem pretensão de generalização) com uso de questionário online semiestruturado,
aplicado por meio da plataforma Google Forms e direcionado a pessoas que atuam na
área jurídica, com o escopo delimitado de verif‌icar como a comunidade jurídica percebe
o uso do abandono de cuidado e o utiliza na prática prof‌issional.
2. UM RECORTE CONCEITUAL PARA O ABANDONO PARENTAL DE CUIDADO
O acórdão do mencionado REsp n. 1.159.242/SP enuncia a condenação de um
pai ao pagamento de indenização arbitrada em favor de sua f‌ilha, cuja paternidade
fora reconhecida judicialmente, sob o argumento de que ele teria se omitido no
cumprimento do seu dever de atendê-la desde a sua infância, nas suas necessidades
previstas em lei.
Embora a 3ª Turma do STJ tenha reconhecido que a aplicação da responsabilidade civil
no Direito de Família é delicada, com “contornos extremamente complexos”4, esclareceu
que a responsabilidade por danos ocasionados aos f‌ilhos por condutas de descuidado re-
prováveis e juridicamente qualif‌icadas dos genitores é admissível, mas somente se constrói
com base na imputação subjetiva, a exigir que aquele que exerce o poder-dever funcional
tenha praticado um ato ilícito (ação ou omissão lesiva, que, nesse caso, é a não observância
dos deveres que lhe competem, total ou parcialmente).
O mesmo acórdão destaca que o abandono do f‌ilho pelo genitor reside na omissão
duradoura deste no dever de criação da prole, que contempla a criação, o convívio, a
2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp n. 1.159.242/SP. 3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. J. Brasília,
DF, 24 abr. 2012. A decisão foi de parcial provimento, por maioria. Esclareça-se desde já que todos os acórdãos
proferidos pelo STJ estão disponíveis em: www.stj.jus.br e foram acessados entre os dias 23 e 24 jan. 2021.
3. Trata-se de uma escolha terminológica com o objetivo de trazer f‌luidez ao texto.
4. Trecho da página 6 do acórdão.
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