A responsabilidade dos pais pela exposição excessiva dos filhos menores nas redes sociais: o fenômeno do sharenting

AutorAna Carolina Brochado Teixeira e Renata Vilela Multedo
Páginas3-19
A RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELA
EXPOSIÇÃO EXCESSIVA DOS FILHOS MENORES
NAS REDES SOCIAIS: O FENÔMENO DO
SHARENTING
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas.
Professora de Direito Civil do Centro Universitário UNA. Advogada. Coordenadora
editorial da Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Advogada. Membro do
IBERC, IBDCivil e IBDFAM.
Renata Vilela Multedo
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. MBA
em Administração de Empresas pela PUC-Rio. Professora Titular de Direito Civil do Cen-
tro Universitário IBMEC. Professora dos cursos de pós-graduação lato sensu da PUC-Rio.
Advogada e Mediadora de conitos. Membro efetivo do IAB, IBERC, IBDCivil, IBDFAM
e IBPC e do conselho executivo da civilistica.com – Revista eletrônica de direito civil.
Sumário: 1. Introdução. 2. O fenômeno do sharenting. 3. Responsabilidade parental e autonomia da
criança e do adolescente nas redes sociais. 4. Responsabilidade civil, sharenting e suas implicações
nos direitos da personalidade dos lhos. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O ambiente virtual tem trazido novos desaf‌ios para a proteção da privacidade e
dignidade das pessoas, o que, paralelamente, caminha com a necessidade de se pensar
em novos mecanismos de prevenção, tutela e reparação. O uso das redes sociais e a expo-
sição do próprio quotidiano, da vida privada, tem provocado outros hábitos, de grande
exposição, e os limites do que é público e o que é privado se torna ainda mais tênue.
A facilidade com que as pessoas têm acesso a conteúdos íntimos e dados de terceiros
ocasiona, frequentemente, violações aos direitos da personalidade. Nos últimos anos,
lesões à privacidade, à honra, ao nome e à imagem da pessoa humana veiculados no
ambiente virtual vêm aumentando, devido ao fenômeno das redes sociais.
Se é certo que a Internet promoveu a possibilidade jamais antes vista de interatividade
por meio de diversos canais (Facebook, WhatsApp, Instagram, YouTube, Twitter, dentre
outros),1 ela também potencializou os conf‌litos intrafamiliares e sociais. A “Internet
1. No Brasil, a banda larga móvel é a principal forma de conexão para um quarto dos domicílios brasileiros com acesso
à Internet e dentre as atividades on-line, as mais mencionadas continuam sendo o envio de mensagens instantâ-
neas e o uso de redes sociais. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios
brasileiros: TIC domicílios 2016. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. São Paulo. Comitê Gestor
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ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA E RENATA VILELA MULTEDO
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apresenta-se cada vez mais como uma trama de possibilidades ainda não resolvida, como
um conjunto de promessas contraditórias”.2 Liberdade e responsabilidade caminham
lado a lado, muitas vezes como interesses opostos e não complementares.
Sob esse prisma, é que se pretende investigar a incidência da responsabilidade civil
nas relações familiares em razão da hiperexposição pelos pais de imagens e informações
de seus f‌ilhos menores nas redes sociais, fenômeno denominado como sharenting.3
Atualmente, não há ainda uma solução def‌inida para o potencial conf‌lito entre
pais e f‌ilhos, quando os pais ou representantes legais decidem expor informação pessoal
sobre eles nas suas próprias redes sociais. O relatório EU Kids online (2020),4 relativo
a menores no contexto europeu, indica que 24% dos pais publicam informações online
de seus f‌ilhos nas redes sociais sem perguntar a eles, e que 16% dos menores exigem que
as informações sejam removidas. Nos Estados Unidos, pesquisas realizadas em 2017
apontam que 92% das crianças de dois anos já possuem presença online. No Facebook,
45,2% das crianças têm seu nome revelado e 6,2% têm referência a sua data de nascimento,
podendo os usuários visualizarem sua idade exata. No Instagram, 63% dos pais se referem
ao nome de seus f‌ilhos em pelo menos uma foto, 27% dos pais fornecem informações
sobre a data de aniversário e 19% compartilham os dois.5 Já a pesquisa realizada no
Brasil, pelo Kaspersky lab, revela que a grande maioria dos pais (96%) compartilha suas
informações digitalmente, sendo que 66% compartilham fotos e vídeos de seus f‌ilhos e
45% compartilham vídeos conf‌idenciais e fotos de terceiros.6 Os dados são preocupantes.
É preciso também analisar o fenômeno do sharenting no contexto dos direitos da
criança e do adolescente e sob a ótica de sua privacidade e da responsabilidade parental,
uma vez que nesses casos, diferente de exposições feitas por terceiros, os indivíduos
responsáveis por compartilharem as informações das crianças são os mesmos que detém
a responsabilidade de proteger sua privacidade e sua imagem, ou seja, os próprios pais.
Assim, propõe-se uma ref‌lexão sobre os remédios tradicionais utilizados pela res-
ponsabilidade civil no âmbito das relações de família, bem como a análise da repercussão
e ef‌icácia da adoção dos métodos não adversariais de resolução de conf‌litos como forma
mais adequada para tratar das relações familiares e sociais.
Além disso, as primeiras crianças da era digital da mídia social estão entrando agora
na maturidade, universidade e mercado de trabalho. É preciso pensar em como garantir
da Internet no Brasil, 2017. p. 26-27. In: TEFFÉ, Chiara. Revista IBERC, Minas Gerais, v.1, n.1, p. 01-28, nov. –
fev. 2019, p.5. Disponível em: https://docs.wixstatic.com/ugd/5d72ed_bab4da105706419dbbbc3804ce8add99.
pdf. Acesso em: 05 nov. 2108.
2. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: A privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação de
Maria Celina Bodin de Moraes. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.
169.
3. Diz o art. 20 do CC: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da ima-
gem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a f‌ins comerciais.
4. Toral Lara, E. (2020). Menores y redes sociales: consentimiento, protección y autonomía. Derecho Privado y Constitu-
ción, 36, 179-218. Disponível em: https://doi.org/10.18042/cepc/dpc.36.05. Acesso em: 24 fev. 2021.
5. STEINBERG, S. B. Sharenting: Children’s Privacy in the Age of Social. 66 Emory L.J. 839, p. 849, 2017.
6. Disponível em: https://www.kaspersky.com.br/about/press-releases/2017_dizendo-mais-do-que-se-deve-no-bra-
sil-96-dos-usuarios-compartilham-suas-informacoes-digitalmente. Acesso em: 06 out. 2019.
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