Ação direta de inconstitucionalidade (ADI)

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas263-349
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Capítulo 5
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI)
O presente capítulo pretende examinar as características gerais do
controle concentrado de constitucionalidade e o regime jurídico da ação
direta de inconstitucionalidade.
Para tanto, será necessário antes identificar as bases teóricas que
fundamentam o sistema de controle concentrado, principal e abstrato de
constitucionalidade no Brasil como um todo.
5.1 Bases teóricas do controle concentrado, principal e abstrato
O controle concentrado, também denominado principal, abstrato,
direto, objetivo, é aquele que é realizado exclusivamente pelo Supremo
Tribunal Federal a partir de ações impetradas pelos legitimados do rol
taxativo do art. 103 da Constituição de 1988.
O controle concentrado só surge no Brasil, em 1965, como bem
destaca Lenio Streck (2017):
Evidentemente, toda essa discussão assume
relevância para o entendimento da problemática
(brasileira) relacionada àquilo que é aqui denominado
de “baixa constitucionalidad e”. Com efeito, somente
em 1965 é que o Brasil adota, de forma stricto sensu,
uma forma de controle concentrado objetivo de
constitucionalidade. Não é muito difícil concluir que
a ausência de uma forma de controle concentrado já
constitui, por si, um modo de preservar a legislação,
acarretando um desvalor à Constituição, enfim,
reforçando a ideia de mera programaticidade ao texto
constitucional (…) À evidência, como já expl icitado
anteriormente, a ausência de um mecanismo de
controle concentrado de constitucionalid ade e do
correspondente efeito erga omnes d enotava a índole
liberal-individualista do sistema jurídico, que
relegava a Constituição a um plano secundário,
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alçando a legislação infraconstitucional, con struída
para a regulação das relações privadas, a um lugar de
comando das relações sociais.
Assim, por mais paradoxal que possa parecer, foi o regime militar,
em 1965, que inaugurou o controle concentrado de constitucionalidade no
Brasil. Com efeito, se considerarmos que a ideia de controle concentrado
visa a combater a “baixa constitucionalidade”, tal qual vislumbrada por
Lenio Streck, realmente surge aqui um falso oximoro, que coloca de um
lado um mecanismo de vanguarda de proteção e garantia dos direitos
fundamentais e do outro um regime não democrático.
Em suma, foi a figura jurídica da representação genérica de
inconstitucionalidade da Constituição de 1946 que introduziu no Brasil, em
1965, o controle concentrado de constitucionalidade a cargo da Corte
Suprema do País.
Assim, no âmbito do controle concentrado, principal e abstrato,
provoca-se a atuação da Corte Suprema do País para que, ao final do
julgamento da ação, decida se existe compatibilidade ou não entre um ato
ou comando estatal e a Constituição, independentemente de haver uma lide
específica sobre a questão constitucional.
Tem como característica marcante a ideia de que cabe tão somente
ao órgão de cúpula do Poder Judiciário a tarefa de controlar a
constitucionalidade das leis dentro de um processo abstrato, que não
depende de nenhum caso concreto e cuja questão principal é a aferição da
constitucionalidade da lei em tese. Ou seja, o autor da ação pede
diretamente a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade
da lei em abstrato.
No Brasil, o controle abstrato engloba as seguintes modalidades:
a) ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
b) ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
c) arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);
d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
Alguns autores ainda incluem a chamada ação direta de
inconstitucionalidade interventiva (ADINT) como uma quinta modalidade
de controle concentrado efetuado pelo STF.
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Dentre as modalidades de controle abstrato de constitucionalidade,
os seguintes institutos jurídicos foram criados pelo direito brasileiro: ADC
e ADO. Com efeito, tais figuras jurídicas são construções genuinamente
brasileiras, não sendo encontradas similares no direito comparado, muito
embora tenham inspiração em determinados institutos estrangeiros.
Como visto alhures, o sistema concentrado brasileiro sofreu forte
influência do modelo kelseniano-austríaco-europeu, no qual o controle de
constitucionalidade é feito de modo abstrato ou objetivo e direto ou
principal.
Induvidosamente, as principias características do sistema europeu
foram assimiladas pelo direito brasileiro. No entanto, há diferenças entre
os sistemas no que tange ao alcance temporal da decisão da Corte Suprema
(efeitos prospectivos ou retroativos), bem como quanto à carga de eficácia
dessa decisão (decisão constitutiva ou decisão declaratória).
No que se refere ao alcance temporal da decisão da Suprema Corte,
o direito brasileiro não recepcionou os efeitos prospectivos (ex nunc)
advindos da opção pela teoria da anulabilidade do ato inconstitucional do
sistema kelseniano-austríaco.
Ou seja, no paradigma kelseniano-austríaco, a teoria da
anulabilidade do ato inconstitucional projeta a ideia de que a lei
transgressora será anulada dali para a frente (efeitos prospectivos ou ex-
nunc ou pro futuro), restando validadas todas as relações jurídicas por ela
regidas antes da sua anulação.
Observe, com atenção, que esse é um ponto importante de reflexão
quando se realiza a comparação entre os dois sistemas: no Brasil, os efeitos
da decisão do STF, no controle abstrato, são retroativos (ex tunc) em
virtude da opção pela teoria da nulidade do ato inconstitucional, enquanto
que, no sistema europeu, a decisão da Suprema Corte tem efeitos
prospectivos (ex nunc) em virtude da adoção da teoria da anulabilidade do
ato inconstitucional.
Em síntese, no Brasil, predomina a ideia-força de que o ato
inconstitucional é um ato jurídico nulo, natimorto, que nunca gerou efeitos
válidos, daí a sua retirada do mundo jurídico com efeitos retroativos (ex
tunc). Com isso, no Brasil, a declaração de inconstitucionalidade feita
pelo STF tem o condão de retirar a norma do mundo jurídico, desde o dia

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