Controle de convencionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas511-542
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Capítulo 11
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
11.1 Elementos teóricos do controle de convencionalidade
Em tempos de reconstrução neoconstitucionalista do direito, um
dos grandes desafios da teoria contemporânea dos direitos fundamentais é
deslocar para a centralidade do regime jurídico de proteção de direitos o
diálogo epistemológico entre o controle de constitucionalidade e o controle
de convencionalidade.
Com efeito, a evolução do pensamento jurídico perpassa
necessariamente pela conexão entre essas duas ordens jurídicas: a
dimensão interna (máxime com a ideia de supremacia da Constituição) e a
dimensão externa (máxime com a consolidação dos tratados internacionais
sobre direitos humanos).
Com tal tipo de intelecção em mente, é possível buscar o
aperfeiçoamento da proteção jurídica de direitos humanos, que deve se
mover na direção de um marco legal mais sofisticado e que seja coerente -
a um só tempo - com a normatividade internacional e o sentimento
constitucional de justiça.
É nesse sentido que o estudioso dos direitos humanos,
independentemente de ser constitucionalista ou internacionalista, deve ser
capaz de captar a conexão exegética existente entre a proteção
constitucional de direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito
e a proteção internacional dos direitos humanos dos diferentes sistemas,
globais e regionais, de tutela universal/regional de direitos.
Em consequência, há que se harmonizar a proteção da lei brasileira
com os tratados internacionais de direitos humanos, notadamente o Pacto
de São José da Costa Rica, cujo status normativo é de supralegalidade, ou
seja, abaixo da constituição, porém acima das leis infraconstitucionais.
Isto significa dizer que a efetividade de direitos fundamentais e de
direitos humanos deve ser aferida a partir da proteção que cada um dos
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diferentes paradigmas normativos, nacional e internacional, foi e é capaz
de emprestar ao cidadão comum e, muito especialmente, ao
hipossuficiente.
Ora, tanto a proteção constitucional, assegurada pelo Estado
nacional soberano, quanto a proteção internacional, prevista nas
convenções internacionais protetivas de direitos humanos, constituem o
regime jurídico de tutela do cidadão comum. Com isso, é possível articular
a jurisdição interna e a jurisdição internacional, como elemento fundante
da proteção de direitos, independentemente de serem direitos fundamentais
ou direitos humanos.
Nesse sentido, possibilita mapear obstáculos, lacunas legislativas
nacionais e falhas do Estado soberano na solução de graves violações de
direitos, sejam fundamentais, sejam humanos, notadamente dos direitos
dos hipossuficientes.
Em consequência disso, um dos objetivos do controle de
convencionalidade é estabelecer recomendações para o Estado soberano
aperfeiçoar seu sistema constitucional protetivo de direitos fundamentais,
seja pelo reconhecimento de novos direitos fundamentais advindos da
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), seja
pela formulação de políticas públicas focadas na proteção jurídica do
cidadão comum.
Esta linhagem epistemológica do controle de convencionalidade
revela-se paradigmática no âmbito da hodierna teoria dos direitos
fundamentais, na medida em que os avanços protetivos resultantes de casos
concretos submetidos à esfera jurisdicional do sistema interamericano de
direitos humanos viabilizam a proposição de ações transformadoras que
transcendem as fronteiras do Estado nacional soberano. Em termos
simples, tal linhagem epistemológica projeta o controle de
convencionalidade sobre a jurisdição constitucional interna.
Ou seja, ontem, a fase de constitucionalização dos direitos
fundamentais e a expansão da jurisdição constitucional. Hoje, a fase de
constitucionalização dos direitos humanos e a expansão da jurisdição
convencional.
Em linhas gerais, a teoria do controle de convencionalidade foi
reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a
partir do famoso caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile, em 2006, no
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qual a decisão da Corte considerou que juízes e tribunais do direito interno
estão obrigados a aplicar as disposições vigentes na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, aí incluída a interpretação já formulada pela
própria CIDH (GÓES, 2018, p. 184).
Com efeito, decisão da CIDH, que condenou o Chile por omissão
na investigação e sanção dos culpados pela execução do senhor
Almonacid, selou definitivamente a ideia de que o controle de
convencionalidade deveria ser exercido por todos os juízes nacionais e não
apenas pela própria Corte.
É nesse diapasão que vale reproduzir o teor do parágrafo 124 da
decisão final da Corte Interamericana no caso Almonacid Arellano y otros
vs. Chile:
A Corte tem co nsciência de que os juízes e tribunais
internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso,
são obrigados a aplicar as disposições vigentes no
ordenamento jurídico. Mas quando um Estado ratifica
um tratado internacional como a Convenção
Americana, seus juízes, como parte do aparato estatal,
também estão submetidos a ela, o que os obriga a
velar para que os efeitos das d isposições da
Convenção n ão se vejam diminuídos pela aplicação
de leis contrárias a seu objeto e a seu fim e que, desde
o início, carecem de efeitos jurídicos. Em outras
palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie
de “controle de convencionalidade” entre as normas
jurídicas internas aplicadas a casos co ncretos e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta
não apenas o tratado, mas também a interpretação
dada pela Corte Interamericana, intérprete última da
Convenção Americana.
Ou seja, a decisão jurisprudencial da CIDH mitigou de certa
maneira a clássica teoria constitucional e sua crença na supremacia da
Constituição. Para Valerio Mazzuoli (2011, p. 23):
Falar em controle da convencionalidad e significa
falar em compatibilidade vertical das normas do
direito interno com as convenções internacionais de
direitos humanos em vigor no país. Significa,

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