Teoria geral do controle de constitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas23-71
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Capítulo 1
TEORIA GERAL DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
Com o intuito de compreender, em sua completude, o fenômeno
do controle de constitucionalidade e antes de enfrentar as principais
questões do complexo sistema brasileiro de controle de
constitucionalidade, é importante examinar antes as bases epistemológicas
que lhe servem de supedâneo.
Nesse sentido, a tarefa não é simples, uma vez que a teoria geral
do controle de constitucionalidade, sob a égide do neoconstitucionalismo,
perpassa por diferentes caminhos científicos que se imbricam de tal sorte
que acabam desaguando na garantia de direitos fundamentais do cidadão
comum e, na sua esteira, na limitação do poder do Estado. Em
consequência, a teoria geral do controle de constitucionalidade vem
sofrendo um intenso processo de evolução científica que se materializa a
partir da reconstrução neoconstitucionalista do direito, cujo núcleo
fundante é a reaproximação entre o direito e a ética.
Isto significa dizer que o conceito de controle de
constitucionalidade é regido por um espectro teórico-conceitual paradoxal,
que coloca, de um lado, o ativismo judicial proporcional (criação
jurisprudencial benigna), a expansão democrática da jurisdição
constitucional e seu papel na garantia de direitos fundamentais do cidadão
comum e, do outro, a imagem de um solipsismo judicial (decisionismo
judicial maligno), que invade o espaço discricionário do legislador
democrático, violando a separação de poderes, sem levar em consideração
a dificuldade contramajoritária de juízes e tribunais na criação de direito
novo.
Pode-se afirmar, portanto, que a teoria geral do controle de
constitucionalidade é um todo sistêmico, cujo edifício epistemológico é
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construído a partir, dentre outros, de quatro grandes eixos temáticos, a
saber:
a) a rigidez constitucional e a supremacia da Constituição como
premissas básicas do controle de constitucionalidade das leis;
b) a presunção de constitucionalidade das leis e a teoria das
normas constitucionais inconstitucionais;
c) a “interpretação conforme a Constituição” como meio de salvar
a compatibilidade vertical com o Texto Maior do Estado;
d) a verticalidade fundamentadora kelseniana e a distinção entre
controle de constitucionalidade e controle de legalidade.
Em linhas gerais, portanto, o presente capítulo tem a pretensão de
examinar todas essas questões centrais da teoria geral do controle de
constitucionalidade, que navegam por derrotas epistêmicas distintas, mas
que convergem para o porto seguro da proteção dos jurisdicionados sob a
égide do Estado de Direito.
Para tanto, seu itinerário científico é obrigado a fazer paragens em
diversas estações conceituais, tais como: analisar o conceito de supremacia
constitucional e seu encontro epistemológico com a rigidez constitucional,
que, conjuntamente, circunscrevem a ideia de um efetivo sistema de
controle de constitucionalidade; examinar as limitações constitucionais
impostas ao poder constituinte derivado reformador de um modelo rígido
de supremacia da Constituição, comparando-as com aquelas do sistema
flexível inglês de supremacia do Parlamento; interpretar o princípio da
presunção de constitucionalidade das leis, compreendendo a posição
jurisprudencial do STF, que nega a tese da norma constitucional originária
inconstitucional, defendida por Otto Bachof (1997); identificar o papel do
Advogado-Geral da União (AGU), atuando como “Curador da Presunção
de Constitucionalidade das Leis” nas ações diretas de
inconstitucionalidade; examinar a figura jurídica da interpretação
conforme a Constituição, cuja dinâmica sugere ao hermeneuta
constitucional, diante de exegeses alternativas possíveis, acolher aquela
que é a resposta constitucionalmente adequada; e, finalmente, investigar a
hierarquia normativa das leis e atos normativos de acordo com a ideia
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kelseniana de Constituição em sentido jurídico, fazendo a distinção entre
os fenômenos da inconstitucionalidade e da ilegalidade.
Enfim, esse é o espectro científico que circunscreve o presente
capítulo, valendo, pois, iniciar nosso estudo com o exame dos pressupostos
básicos do controle de constitucionalidade.
1.1 A rigidez constitucional e a supremacia da Constituição como
premissas do controle de constitucionalidade das leis
A ideia de controle de constitucionalidade, aqui vislumbrada como
a aferição da compatibilidade vertical das normas infraconstitucionais com
o texto maior, surgiu atrelada umbilicalmente ao constitucionalismo liberal
e, na sua esteira, ao Estado de Direito, tornando consistente a noção de
supremacia da Constituição.
Com efeito, as revoluções liberais do século XVIII (Declaração de
Virgínia de 1776 e Revolução francesa de 1789) simbolizam a formação
do constitucionalismo liberal, que traz na sua esteira a criação do Estado
de Direito. Em consequência, fácil é perceber que a linha dominante do
constitucionalismo liberal é a obediência do Estado aos princípios
constitucionais (pactum constitutionis) em prol das liberdades individuais.
E assim é que o constitucionalismo liberal tem por escopo a limitação do
poder absoluto do Estado. Nasce, assim, a primeira versão do ciclo
democrático da modernidade, qual seja: o constitucionalismo liberal
burguês.
Observe que o arquétipo constitucional advindo das revoluções
liberais lança as bases da estatalidade mínima, vale dizer, do Estado
Mínimo, não interventor e absenteísta, que prioriza a autonomia privada e
as liberdades individuais.
A toda evidencia, a lógica do constitucionalismo liberal é a
limitação do poder monolítico do Estado l eviatã hobbesiano, o que
evidentemente leva ao conceito de Estado de Direito, cujos pilares de
sustentabilidade são: a separação de poderes e a declaração de direitos
fundamentais que se colocam acima das próprias razões de Estado. Eis aqui
muito bem delineado o núcleo constitucional do paradigma constitucional
liberal: a supremacia da Constituição como forma de limitar o poder
estatal, seja pela sep aração de poderes, seja pelo respeito ao catálogo

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