Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas385-421
385
Capítulo 7
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF)
O presente capítulo tem o desiderato de examinar as principais
características do regime jurídico da ação de ar guição de descumprimento
de preceito fundamental (ADPF), na esfera do controle concentrado
abstrato.
Sua base constitucional é o artigo 102, § 1º, da CRFB/88, cujo
texto é: “a arguição de descumprimento de preceito fundamental,
decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal
Federal, na forma da lei.”
Antes da lei n. 9.882/99, o STF tinha o entendimento de que o
dispositivo constitucional que previa a ADPF era uma norma
constitucional de eficácia limitada, portanto, não admitia seu manejo no
âmbito do direito brasileiro.
Agora a ADPF encontra-se regulamentada pela Lei 9.882/99, cujo
artigo 1º afirma que “a arguição prevista no § 1º, do art. 102, da
Constituição Federal, será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e
terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de
ato do Poder Público.”
Já parágrafo único da mesma lei dispõe que “caberá também
arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for
relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição.”
Assim, a ADPF veio para suprir “lacuna” no sistema, ao
estabelecer que leis anteriores à Constituição podem ter arguida a sua
inconstitucionalidade por intermédio dessa modalidade de controle
abstrato/concentrado. É que, consoante o teor deste dispositivo, a arguição
de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) poderá ser utilizada
para de forma definitiva e com eficácia geral solver controvérsia
386
relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em
face da nova Constituição (STRECK, 2018).
Com efeito, trata-se de uma figura jurídica que possui muitos
pontos em comum com a ADI e com a ADC como, por exemplo, os
mesmos legitimados (art. 103 da CRFB/88), o mesmo órgão julgador (o
Supremo Tribunal Federal), os mesmos efeitos da decisão (erga
omnes/vinculantes e ex-tunc) e a mesma possibilidade de modulação dos
efeitos da decisão (art. 11 da lei n. 9882/99 tem a mesma redação do art.
27 da lei n. 9868/99).
Nesse sentido, a definição de ADPF feita pelo STF estabelece que:
Ação de competência originária do STF, com efeitos
erga omnes e vinculantes, que visa reparar ou evitar
lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público. Como instrumento de controle
abstrato de constitucionalidade, também caberá para
questionar a constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos
os anteriores à Constituição Federal de 1988.
Possui caráter subsidiário, sendo incabível sua
propositura quando houver qualquer outra medida
eficaz para sanar a lesividade. A legitimidade ativa
para propor a ação está prevista no art. 103 da
CF/1988. No Supremo Tribunal Federal, essa ação é
representada pela sigla ADPF.
André Ramos Tavares (2012, p.313) mostra que o termo
descumprimento, utilizado na ação do controle concentrado, em sede de
ADPF, é conceito mais amplo, englobando a violação de norma
constitucional fundamental por qualquer comportamento, ou seja, tanto
pode descumprir a Constituição um ato normativo como um ato não
normativo, nesta última categoria incluídos os atos administrativos, de
execução material e, ainda (em tese), os atos dos particulares (excluídos
apenas por força do art.1º da Lei 9.882/99).
Em consequência, o objetivo da ADPF é proteger os chamados
“preceitos fundamentais” da Constituição, contra atos do Poder Público.
A grande questão que se coloca então é saber quais são as normas
constitucionais que se enquadram nesse conceito de preceito fundamental?
387
Ou seja, quais são as normas consideradas “preceitos fundamentais” que
autorizam a deflagração da ADPF? Essa é a temática do próximo item.
7.1 Conceito de Preceito Fundamental
Inicialmente impende destacar a visão do Ministro Gilmar
Mendes, na ADPF 33, que destaca que “é muito difícil indicar, a priori, os
preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que
justifique o processo e o julgamento da arguição de descumprimento. Não
há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma
explícita, no texto constitucional. Assim, ninguém poderá negar a
qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos
e garantias individuais (art. 5º, dentre outros). Da mesma forma, não se
poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios
protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da Constituição, quais
sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o voto direto,
secreto, universal e periódico. Por outro lado, a própria Constituição
explicita os chamados ‘princípios sensíveis’, cuja violação pode dar ensejo
à decretação de intervenção federal nos Estados-Membros (art. 34, VII). É
fácil ver que a amplitude conferida às cláusulas pétreas e a ideia de unidade
da Constituição (Einheit der Verfassung) acabam por colocar parte
significativa da Constituição sob a proteção dessas garantias (ADPF 33-
MC, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29-10-03, DJ de 6-8-
04). Em essência, toda essa análise feita na ADPF 33 mostra que a
jurisprudência do STF é firme no sentido de não estabelecer um rol taxativo
dos preceitos fundamentais enquanto objeto de ADPF.
Por outro lado, ficou claro que se consolidou um rol
exemplificativo de preceitos fundamentais que incorpora os seguintes
artigos da Constituição de 1988: Artigos ao (Princípios
fundamentais); Art. 5° a 17 (Direitos e garantias fundamentais); Art. 34,
VII (Princípios constitucionais sensíveis); Art. 37, caput (Princípios da
Administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência) e Art. 60, §4° (Cláusulas Pétreas).
A toda evidência, portanto, o fato de que nem a Constituição de
1988 e nem a Lei 9.882/99 definiram claramente o que seria o conceito de

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT