O controle de metaconstitucionalidade e o estado universal de direito

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas543-618
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Capítulo 12
O CONTROLE DE METACONSTITUCIONALIDADE E O
ESTADO UNIVERSAL DE DIREITO
O presente capítulo tem o objetivo de examinar a ideia do controle
de metaconstitucionalidade e as possibilidades de consolidação da
democracia cosmopolita sob a égide do Estado Universal de Direito.
Para tanto, convém, inicialmente, investigar diferentes modelos de
justiça constitucional de inspiração lockeana, de modo a possibilitar sua
comparação com a jurisdição metaconstitucional de inspiração kantiana.
Em essência, trata-se da construção de um arquétipo
metaconstitucional, para além da Constituição, com latitude normativa
capaz de consolidar a proteção internacional dos direitos humanos do
cidadão cosmopolita. Com efeito, a ideia de controle de
metaconstitucionalidade ainda é incipiente no Brasil, carecendo ser
desenvolvido com a devida cientificidade.
A inovação vem, portanto, no sentido de potencializar a abertura
de novos espaços de reflexão científica dentro da teoria geral do controle
de constitucionalidade, fazendo-a alçar voo mais elevado em direção a um
metaconstitucionalismo de inspiração kantiana, que se perfaz a partir da
força normativa de tratados internacionais de direitos humanos de curso
universal.
Dessarte, no âmbito do metaconstitucionalismo, o regime jurídico
de proteção dos direitos humanos caminha em direção ao projeto
epistemológico kantiano do Estado Universal de Direito, afastando-se
consequentemente do projeto liberal do Estado nacional soberano. Como
bem pondera Barreto (2010, p. 227), “o projeto epi stemológico do
metaconstitucionalismo privilegia, como fonte teórica e prática, da ordem
constitucional da democracia cosmopolita, normas que não são geradas
pelo estado soberano nacional e nem válidas por causa do reconhecimento
estatal”.
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Ao contrário, a base fundante do controle de
metaconstitucionalidade é o postulado normativo de que as normas
metaconstitucionais de inspiração kantiana são hierarquicamente
superiores às normas constitucionais soberanas de inspiração lockeana. As
garantias e liberdades do cidadão comum não serão garantidas apenas pelo
constitucionalismo democrático liberal, tal qual vislumbrado por John
Locke, mas, principalmente, pelo metaconstitucionalismo cosmopolita, tal
qual engendrado por Immanuel Kant.
Portanto, a ideia de controle de metaconstitucionalidade afasta a
premissa metodológica de que a incorporação da normatividade
internacional cosmopolita depende da aquiescência soberana da
normatividade constitucional estatal. Aqui estamos falando de controle de
convencionalidade e, não, de controle de metaconstitucionalidade.
Assim, antes de examinar as bases teóricas do controle de
metaconstitucionalidade, é importante estudar os diversos paradigmas de
jurisdição constitucional soberana que existem no mundo.
12.1 Controle de Constitucionalidade em perspectiva comparada
Em linhas gerais, a doutrina atribui à célebre decisão da Suprema
Corte dos Estados Unidos, presidida pelo Chief of Justice John Marshall,
o mérito de inaugurar o controle judicial de constitucionalidade, no qual o
Poder Judiciário, embora poder contramajoritário, pode afastar a lei - por
ele considerada inconstitucional - feita pelo Poder Legislativo, poder
majoritariamente eleito pelo povo.
Como visto alhures, tal decisão do Chief of Justice John Marshall
evitou o confronto direto com o Presidente recém-eleito, Thomas
Jefferson, sem permitir a perda de prestígio do Poder Judiciário, naquela
ocasião ainda sem firme consolidação como poder autônomo e
independente.
Com efeito, o paradigmático caso "Marbury contra Madison" é um
divisor de águas no âmbito do constitucionalismo democrático ocidental,
na medida em que se tornou a principal referência para o controle de
constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário, consolidando o
princípio da supremacia da Constituição, bem como o princípio da
separação de poderes.
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A partir desse emblemático caso, ao Poder Judiciário caberia
afastar as leis infraconstitucionais que contrariassem a Constituição,
nascendo, dessarte, a chamada jurisdição constitucional, que não se
confunde, portanto, com a jurisdição metaconstitucional que se projeta
para além da supremacia da Constituição do Estado nacional soberano.
Nessa obra acadêmica, optou-se pelo exame de oito grandes
modelos de justiça constitucional soberana, aí incluídos alguns paradigmas
de países de nossa região geopolítica:
a) Suprema Corte norte-americana;
b) Tribunal Constitucional Austríaco;
c) Conselho Constitucional Francês;
d) Tribunal Constitucional Federal Alemão;
e) Tribunal Constitucional Português;
f) Tribunal Constitucional da Espanha;
g) Tribunal Constitucional da Colômbia; e
h) Tribunal Constitucional do Chile.
12.1.1 Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte (EUA)
A Suprema Corte dos Estados Unidos possui sede em Washington,
cujo endereço é One First Street, NE, Washington, DC 20543.
É composta pelo Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos
(Chief Justice) e um número variável de Juízes associados (Associate
Justices of the Supreme Court of the United States) que é fixado pelo
Congresso Nacional. Tal número de juízes associados está, atualmente,
fixado em oito (28 USC § 1º).
Portanto a Suprema Corte estadunidense conta hoje com nove
membros no total: o Presidente da Corte (Chief Justice) e oito Juízes
associados (Associate Justices of the Supreme Court of the United States).
O poder de nomear tais juízes é exercido pelo Presidente da
República, cujas nomeações são feitas após a aprovação do Senado dos
Estados Unidos da América.
O artigo III da Constituição dos Estados Unidos prevê, na Seção 1,
que o Poder Judiciário será investido em uma Suprema Corte e nos

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