Espécies normativas, bloco de constitucionalidade e tipos de inconstitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moras Mello
Páginas73-139
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Capítulo 2
ESPÉCIES NORMATIVAS, BLOCO DE
CONSTITUCIONALIDADE E TIPOS DE
INCONSTITUCIONALIDADE
O ordenamento jurídico é um sistema que pressupõe equilíbrio
entre suas partes componentes, cuja ruptura exige imediata reparação, daí
a relevância do estudo das espécies normativas do direito brasileiro, do
conceito de bloco de constitucionalidade a partir dos tratados
internacionais de direitos humanos e os diferentes tipos de
inconstitucionalidade.
Inicialmente, você será capaz de identificar a possibilidade de
declaração de inconstitucionalidade das normas constitucionais derivadas
e dos atos normativos primários no direito constitucional e de ilegalidade
dos atos infralegais, bem como compreender a ideia de bloco de
constitucionalidade, que se amplia com o novo procedimento introduzido
pelo art. 5º, § 3º, da CRFB/88, no qual os tratados sobre direitos humanos
passam a integrar, de forma inequívoca, o conjunto de normas que servem
de paradigma para o controle de constitucionalidade.
Na sequência do capítulo 2, você estudará os tipos de
inconstitucionalidade a partir de diferentes critérios, e.g., quanto ao objeto
(inconstitucionalidade material ou formal), quanto à conduta
(inconstitucionalidade por ação ou omissão), quanto à relação que mantém
com a Constituição (inconstitucionalidade direta ou reflexa) e quanto ao
tempo (inconstitucionalidade originária ou superveniente).
Enfim, esse é o conteúdo do presente capítulo.
2.1 As espécies normativas e o conceito de bloco de
constitucionalidade
O ordenamento jurídico é um sistema que pressupõe equilíbrio
entre suas partes componentes, cuja ruptura exige imediata reparação, daí
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a relevância do princípio da supremacia da Constituição e de um
mecanismo capaz de garantir a sua força normativa.
É nesse sentido que desponta a relevância do conceito de
Constituição em sentido jurídico, tal qual vislumbrado por Hans Kelsen
(1985), talvez o mais célebre doutrinador do positivismo jurídico do século
XX. Para fundamentar a teoria da supremacia da Constituição, Kelsen a
posiciona no topo da pirâmide normativa, abaixo tão somente da chamada
“Grundnorm”, norma fundamental hipotética, de cunho lógico-jurídico,
destituída de conteúdo jurídico-positivo e possuidora de um único preceito
mandamental: "Cumpra-se a Constituição".22
O leitor haverá de concordar que é a própria Constituição que cria
esta verticalidade fundamentadora kelseniana, indicando previamente a
matéria reservada a cada nível de norma (normas constitucionais-atos
primários-atos secundários). Desta forma, a Constituição cria uma
pirâmide de hierarquia legislativa na qual as leis inferiores vão buscar seu
fundamento de validade nas normas que lhes são imediatamente
superiores, até atingir o cume piramidal ocupado pela própria Constituição.
Assim, por exemplo, os atos secundários, também chamados de
atos infralegais (decretos regulamentadores de leis, ordens de serviço e
portarias de Ministérios e Secretarias dos Estados, resoluções do Banco
Central etc.) encontram seu fundamento de validade no âmbito normativo
dos atos primários (leis complementares e ordinárias, mediadas
provisórias, leis delegadas etc.), que, por sua vez, se subordinam
diretamente à Constituição, norma fundante que ocupa o vértice da
pirâmide hierárquica normativa do ordenamento jurídico.
Fácil é perceber que os atos normativos primários bebem
diretamente na fonte constitucional, isto é, a Constituição faz referência
direta a um ato primário, como, por exemplo, as espécies normativas que
constam do art. 59 da Constituição de 1988. É por isso que os atos
primários são atos dotados de autonomia nomológica, isto é, são atos
22 Com isso, o emérito professor da Universidade de Viena concebeu a verticalidade
fundamentadora kelseniana, que se caracteriza por um sistema hierárquico de normas, no
qual a norma inferior tem como fundamento de validade a norma que lhe é imediatamente
superior, ou seja, todo e qualquer ato normativo dentro do ordenamento jurídico do Estado
soberano encontra seu fundamento de validade em outro ato normativo estipulado pela
própria Constituição, dentro de uma cadeia de constitucionalidade-legalidade verticalizada,
desde o topo até a base da pirâmide normativa, daí a ideia de verticalidade legitimadora.
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normativamente autônomos, na medida em que, na pirâmide kelseniana,
estão localizados imediatamente abaixo da Constituição.
De tudo se vê, portanto, que o conceito de Constituição em sentido
jurídico de Hans Kelsen tanto cria as bases do controle de legalidade dos
atos secundários ou infralegais em relação às normas primárias, quanto do
controle de constitucionalidade dos atos primários em relação às normas
constitucionais.
Dessarte, é exatamente a verticalidade fundamentadora kelseniana
que diferencia o direito dos demais sistemas normativos (ético, moral,
religioso), na medida em que afasta o paradigma da linearidade, no qual os
preceitos e princípios se equilibram dentro de uma mesma linha de
horizontalidade.
Totalmente diferente é a estrutura escalonada de normas jurídicas
a partir da verticalidade fundamentadora kelseniana que indica que uma
norma estabelece a forma de produção de outra norma, ou seja, existe uma
linha vertical de hierarquia, na qual uma norma constitui o fundamento de
validade de outra.
Cada comando normativo encontra fundamento naquele outro que
lhe é imediatamente superior. Com rigor, é tal pirâmide de verticalidade
fundamentadora kelseniana que perfaz a unidade do direito (princípio da
unidade da Constituição), diferenciando-o assim dos sistemas normativos
éticos, morais e religiosos, de paradigma linear e horizontal.
O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade estabelece,
dentre outros, como atos normativos primários as seguintes espécies
normativas:
a) leis complementares e leis ordinárias;
b) medidas provisórias e leis delegadas;
c) decretos legislativos e resoluções do poder legislativo;
d) decretos autônomos do Presidente da República;
e) tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos;
f) regimentos Internos dos tribunais;
g) resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

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