As mulheres da vida (nada) fácil

AutorLívia Mendes Moreira Miraglia e Larissa Aguilar de Assunção
Ocupação do AutorMestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais/Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas164-170
164
AS MULHERES DA VIDA (NADA) FÁCIL
Lívia Mendes Moreira Miraglia(*)
Larissa Aguilar de Assunção(**)
1. INTRODUÇÃO
A prostituição é uma prática de origens remotas e que,
ainda hoje, é vivenciada por muitas pessoas. Considerando
que é uma atividade essencialmente feminina (92% dos pro-
fissionais do sexo são mulheres segundo dados recentes),
pretende-se discutir alguns dos paradoxos que a circundam,
como a violência de gênero e a exploração, e a autonomia
e a liberdade, sob a perspectiva trabalhista.
O estudo pretende analisar a prostituição em sua
dimensão precária, demonstrando o preconceito social e a
marginalização da mulher. Parte-se da premissa de que a
prostituição é atividade profissional e que, portanto, deve
ser juridicamente amparada. Afirma-se, todavia, que a
proibição da prostituição ou a criminalização da conduta
do consumidor não se apresentam como soluções efetivas
para o tratamento da questão.
O recorte subjetivo do presente estudo, qual seja, as
mulheres prostitutas, justifica-se pelo fato de que a pros-
tituição ainda é atividade predominantemente feminina e,
portanto, suscita o debate de questões mais complexas a
serem consideradas. É preciso compreender que o fato de
serem mulheres e exercerem uma profissão ainda marginali-
zada em nosso país importa em dupla discriminação dessas
profissionais, o que dificulta a consolidação da dignidade
por meio do seu labor.
Sendo assim, é imprescindível que essas mulheres
sejam reconhecidas enquanto trabalhadoras, o que somente
será possível por meio da proteção justrabalhista que lhes
permita o devido suporte e amparo jurídico. É o que se
busca propor no presente artigo ao se reconhecer a aplica-
ção dos direitos trabalhistas constitucionalmente previstos
a essas trabalhadoras, em especial àquelas que têm sua
atividade explorada por terceiro.
Vale ressaltar que o tratamento jurídico pretendido
nesse estudo se aproxima do que o ordenamento jurídico
brasileiro já realiza em relação às vítimas do trabalho es-
cravo contemporâneo. A atividade criminosa prevista no
artigo 149 do Código Penal não afasta a obrigatoriedade
dos pagamentos das verbas trabalhistas e de indenização
à vítima do crime. Conjuga-se, no caso, a legislação penal
e a legislação trabalhista, com a punição das pessoas e das
empresas que submetem pessoas a trabalhos em condições
análogas à de escravo e a condenação ao pagamento das
verbas trabalhistas, já que houve uma prestação efetiva de
serviço.
Assim, pugna-se pela aplicação das teorias das nuli-
dades trabalhistas também no que diz respeito ao trabalho
da prostituta, assim como já ocorre com o trabalhador
submetido a trabalho análogo à escravidão, haja vista que
o labor já foi realizado e apropriado por outrem, seja ele o
cliente ou o rufião. Sendo assim, pretende-se uma interpre-
tação inclusiva do ordenamento jurídico, a fim de evitar a
perpetuação da condição de exploração e vulnerabilidade
dessas mulheres. Ademais, cumpre salientar que embora se
reconheça a distinção entre a prostituição realizada de forma
autônoma e reconhecida no quadro de ocupações brasileiras
como profissão e a atividade sexual desenvolvida dentro das
casas de prostituição e classificadas como crime pelo direito
penal, compreende-se que, em ambos os casos há que se
garantir algum tipo de tutela trabalhista e previdenciária,
conforme se verá adiante.
2. TRATAMENTO HISTÓRICO-JURÍDICO
Para o estudo em questão, vale ressaltar o conceito
atual de prostituição feminina utilizado por Pasini (2000,
p. 183), como “atividade praticada por mulheres que esta-
belecem relações sexuais com diferentes homens em troca
de dinheiro”. Não se pretende, aqui, tratar da prostituição
infantil, pois é, evidentemente, uma prática criminosa e que
deve ser rechaçada e severamente punida. Embora seja uma
(*) Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Professora Adjunta de Direito do Trabalho na UFMG. Coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas. Advogada.
Email: liviamiraglia@gmaill.com.
(**) Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda em Direito do Trabalho pela UFMG. Email: lariassuncao@yahoo.com.br.

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