Aspectos destacados da publicidade do inquérito civil: atividade investigatória e sigilo

AutorFernando da Silva Comin
Ocupação do AutorMestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa
Páginas125-166
ASPECTOS DESTACADOS DA PUBLICIDADE
DO INQUÉRITO CIVIL:
ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA E SIGILO
Fernando da Silva Comin1
INTRODUÇÃO
A atividade investigatória desenvolvida pelo Ministério Públi-
co, de natureza penal ou civil, assim como toda e qualquer ativida-
de realizada pelos órgãos de persecução do Estado, deve observar,
por pressuposto, os princípios normativo-constitucionais que regem
o funcionamento da Administração Pública em suas relações com os
particulares, dentre os quais, em especial, o princípio da publicidade.
O presente trabalho, nessa perspectiva, propõe-se a analisar as
inexões que o princípio da publicidade provoca na atividade inves-
tigatória de natureza civil conduzida pelo Ministério Público, por
meio do inquérito civil, nomeadamente na persecução de atos de
improbidade administrativa, e os efeitos de tal condicionamento da
atividade estatal em suas relações mais diretas com os investigados
e seus procuradores.
Desse modo, partir-se-á da caracterização normativa do princípio
constitucional da publicidade para delimitar, em sua interrelação com
os princípios da segurança coletiva e social, bem como com o im-
perativo de proteção da vida privada e o sigilo das comunicações,
algumas das múltiplas possibilidades que decorrem, na prática, do
condicionamento recíproco desses princípios na atividade investi-
1 Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista
em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Promotor de Justi-
ça no Estado de Santa Catarina.
Book-ASPECTOS-Vol2.indb 125 11/16/17 10:41 AM
126
aspectos controvertidos da leide improbidade administrativa:
uma análise crítica a partir dos julgados dos tribunais superiores - volume ii
gatória realizada pelo Ministério Público, com destaque às exceções
possíveis ao princípio da publicidade dos procedimentos investigató-
rios extrajudiciais conduzidos por seus representantes, à forma e os
limites de acesso aos autos pelos investigados e seus procuradores, à
necessidade de fundamentação da decisão de decretação do sigilo e
do seu levantamento, à sindicabilidade da decisão que decreta o sigilo
do procedimento ou nega o acesso aos autos, dentre outros problemas
que podem surgir no desenvolvimento da atividade persecutória de
improbidade administrativa e atos de corrupção.
A PUBLICIDADE COMO PRINCÍPIO
No ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, o princípio da
publicidade pode assumir funções distintas na organização da ativida-
de estatal, ora caracterizando uma obrigação juspositiva ativa imposta
ao Administrador Público e a todos os órgãos e poderes do Estado,
ora revestindo-se como um limite a essa mesma atividade, neste caso,
naquelas hipóteses em que a publicidade do procedimento possa res-
tringir de maneira desproporcional a intimidade e a vida privada dos
indivíduos, ou for contrária ao interesse social ou à segurança da so-
ciedade e do Estado.
seu extenso catálogo de direitos e garantias fundamentais, consagrou
materialmente que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou
geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilida-
de, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado” (art. 5º, XXXIII).
Ao tratar dos preceitos reitores da atividade pública, a CRFB no-
vamente repisa o princípio da publicidade, caracterizando-o como
um dos fundamentos basilares de toda a atividade estatal, que se ma-
nifesta, no plano normativo-constitucional, como um desdobramento
lógico do próprio modelo de Estado democrático de direito. Tal mo-
delo de Estado pressupõe o conhecimento, por parte dos cidadãos,
dos atos de conteúdo normativo ou não emanados de seus órgãos e
Book-ASPECTOS-Vol2.indb 126 11/16/17 10:41 AM
aspectos destacados da publicidade do inquérito civil: atividade investigatória e sigilo
fernando da silva comin
127
poderes, como uma garantia fundamental dos indivíduos contra o Es-
tado, proibindo-se, a priori, a prática de atos administrativos os quais
não possam os cidadãos exercerem o seu direito de defesa, e em face
dos quais não possa ser garantido o escrutínio público que decorre do
controle social.
Numa perspectiva adjetiva, a garantia processual da publicidade
foi traduzida na obrigação de que “a lei só poderá restringir a publi-
cidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o in-
teresse social o exigirem”, bem como na necessidade de publicidade
dos julgamentos dos órgãos judiciais e administrativos (CRFB, art.
5º, LX; 93, IX).
de Acesso à Informação), ao regulamentar o direito fundamental de
acesso à informação, estabeleceu que os procedimentos nela previstos
devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da
administração pública, corroborando a “observância da publicidade
como preceito geral e do sigilo como exceção” (art. 3º, I)2.
Considerados os problemas que animam o presente ensaio, a pri-
meira conclusão a que se pode chegar, portanto, é a de que a garantia
processual da publicidade deve ser observada, prima facie, em rela-
ção a todos os procedimentos administrativos extrajudiciais conduzi-
dos pelo Ministério Público.
Atualmente, o ordenamento jurídico contempla a possibilidade de
instauração, pelo Ministério Público, de diversas classes de procedi-
2 De acordo com ANDRÉ RAMOS TAVARES, as informações detidas pelo Es-
tado geram para a pessoa o direito de a elas ter acesso, caso haja interesse pes-
soal, coletivo ou geral. E esta é uma importante componente da liberdade de
informação, em sentido amplo. Para além dela, o Estado tem também o dever
de preservar um nível mínimo (mas não medíocre) de acesso da população às
informações, como condição de exercício pleno da liberdade de opinião e da
democracia representativa e participativa. Além disso, ao contemplar o acesso
à informação, a Constituição quer também garantir a livre comunicação dessa
informação. Pode-se utilizar, aqui, pois, também a dicotomia entre dimensão
substantiva e dimensão instrumental da liberdade em comento, incidindo a res-
salva constitucional do sigilo apenas na primeira dessas dimensões (STRECK,
Lenio Luiz; CANOTILHO, José J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira (Ed.).
Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, 2013, p. 349).
Book-ASPECTOS-Vol2.indb 127 11/16/17 10:41 AM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT