Colaboração premiada e improbidade administrativa: aspectos fundamentais

AutorRenato de Lima Castro
Ocupação do AutorMestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá
Páginas375-424
COLABORAÇÃO PREMIADA E IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS
Renato de Lima Castro1
1. PROBIDADE ADMINISTRATIVA
1.1. Tratamento Constitucional da Probidade Administrativa
O dever de probidade administrativa consagrado na Constituição
Federal de 1988 foi, segundo Waldo Fazzio Junior2, implicitamente
tutelado ao longo da história constitucional brasileira, em decorrência
da sanção imposta em face da concretização de crimes de responsabi-
lidade praticados pelo Presidente da República.
É fato induvidoso que a tutela desse bem jurídico de fundamental
importância sofreu, durante os diversos momentos histórico-consti-
tucionais, considerável evolução, concretizada em decorrência de
inúmeros fatores sócio-econômicos que motivaram e até exigiram do
legislador constituinte um tratamento que melhor se compatibilizasse
com as novas ordens de valoração.
1 Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá; pós-graduado
em Direito Penal e Econômico e Europeu, Coimbra; Ex Procurador do Estado.
Professor de Direito Penal. Promotor de Justiça titular da 26ª Promotoria de
Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Londrina; coordenador do Gru-
po Especializado na Proteção do Patrimônio e no Combate a Improbidade Ad-
ministrativa, núcleo Londrina. Integrante da Operação Publicano – Londrina.
Agradeço as importantes contribuições da Assessora Jurídica da 26ª Promotoria
de Defesa do Patrimônio Público de Londrina, Fernanda Prado, na realização
deste trabalho.
2 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa- doutrina, legislação
e jurisprudência. São Paulo: Editora Atlas. 2012. p. 11
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aspectos controvertidos da leide improbidade administrativa:
uma análise crítica a partir dos julgados dos tribunais superiores - volume ii
Nesse compasso, nas palavas de Luiz Roberto Barroso3, o consti-
tucionalismo contemporâneo sofreu, no Brasil e na Europa, importan-
tes transformações que se sucederam nas últimas décadas, em que se
criou uma “nova percepção da Constituição e de seu papel na inter-
pretação jurídica geral”.
Assim, enfatiza Marcelo Neves4 que esse neoconstitucionalismo
se contrapôs a uma visão eminentemente retórica da Constituição
Federal, em que se percebia nítida “discrepância entre a função hi-
pertrocamente simbólica e a insuciente concretização jurídica de
diplomas constitucionais”.
Portanto, o neoconstitucionalismo permitiu que os textos cons-
titucionais fossem, paulatinamente, dotados de concretização pelas
orientações jurisprudenciais, conferindo-se ao poder judiciário im-
portante papel no Estado de Direito democrático, por intermédio da
materialização dos valores constitucionalmente assegurados.
Nesse diapasão, os textos constitucionais deixaram de conter sim-
ples conteúdos retóricos, passando a ser dotados de incomum densi-
dade normativa, espraiando efeitos na interpretação e aplicação dos
valores neles contidos.
Os tradicionais métodos de interpretação lógico, histórico e siste-
mático passaram a coexistir, com outras técnicas hermenêuticas não
menos importantes: supremacia da Constituição, interpretação con-
forme a Constituição, consagração dos princípios da unidade, da ra-
zoabilidade e da efetividade das normas constitucionais5.
Nesse contexto, adveio a Constituição Federal de 1988. Os prin-
cípios nela albergados estabeleceram verdadeiras balizas de interpre-
tação, criando importante regime constitucional da probidade da Ad-
ministração Pública. O art. 1º, caput, da Constituição Federal, institui
3 BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do di-
reito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista da Emerj, Rio
de Janeiro, v. 9, n.33, p.43-92, 2009.
4 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2007. p. 1, apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.
15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 75.
5 BARROSO, Op. cit.
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essa ordem de valoração, ao preceituar que a República constitui-se
em um Estado de Direito democrático.
Esse postulado (República), dotado de incomum densidade, evoca
uma série de conteúdos a ela inerentes, que conferem ao intérprete
verdadeiras barreiras normativas de interpretação:
“...mandatos políticos com periodicidade; eletividade; alternân-
cia do poder; responsabilidade dos agentes públicos; prestação de
contas; publicidade dos atos e transparência administrativa; meca-
nismos scalizatórios, tais como a ação popular e ação civil públi-
ca; proteção de direitos Fundamentais; proibição de regulamentos
autônomos e submissão dos agentes públicos ao princípio da lega-
lidade; legalidade da despesa e disponibilidade dos bens públicos
condicionada à autorização legislativa especíca....”6.
Portanto, a República, expressamente consagrada no art. 1º da
Constituição Federal e referendada em várias outras disposições
constitucionais (art. 14; art. 37, etc), confere ao intérprete importantes
vetores, no sentido de rígida compatibilização dos comportamentos
administrativos em quaisquer das funções públicas advindas da Ad-
ministração direta ou indireta, da União, Estados, Municípios e Dis-
trito Federal, ao standard de probidade albergado sistematicamente
Nesse viés, a partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério
Público passou a exercer importante papel das funções que lhe foram
determinadas no art. 127 da referida Carta Política Fundamental, o
que fomentou uma gradativa, mas importante mudança no caótico ce-
nário de corrupção pública que assolava o país.
Percebeu-se a grande diculdade de coexistir valores contrapos-
tos: de um lado, um Estado arraigado pela corrupção pública; de ou-
tro, o Estado de Direito democrático e social, cuja nota fundamental
preceituada no art. 1º, caput, da CF, é o compromisso assumido, com
o cidadão, de realizar prestações públicas fundamentais.
O legislador infraconstitucional, pressionado e sensível a essas
alterações constitucionais, editou a denominada Lei de Improbidade
6 ARAÚJO, Luiz Alberto David e outro. Curso de Direito Constitucional; 12.
Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 102-103.
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