Colaboração premiada e improbidade administrativa: aspectos fundamentais
Autor | Renato de Lima Castro |
Ocupação do Autor | Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá |
Páginas | 375-424 |
COLABORAÇÃO PREMIADA E IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS
Renato de Lima Castro1
1. PROBIDADE ADMINISTRATIVA
1.1. Tratamento Constitucional da Probidade Administrativa
O dever de probidade administrativa consagrado na Constituição
tutelado ao longo da história constitucional brasileira, em decorrência
da sanção imposta em face da concretização de crimes de responsabi-
lidade praticados pelo Presidente da República.
É fato induvidoso que a tutela desse bem jurídico de fundamental
importância sofreu, durante os diversos momentos histórico-consti-
tucionais, considerável evolução, concretizada em decorrência de
inúmeros fatores sócio-econômicos que motivaram e até exigiram do
legislador constituinte um tratamento que melhor se compatibilizasse
com as novas ordens de valoração.
1 Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá; pós-graduado
em Direito Penal e Econômico e Europeu, Coimbra; Ex Procurador do Estado.
Professor de Direito Penal. Promotor de Justiça titular da 26ª Promotoria de
Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Londrina; coordenador do Gru-
po Especializado na Proteção do Patrimônio e no Combate a Improbidade Ad-
ministrativa, núcleo Londrina. Integrante da Operação Publicano – Londrina.
Agradeço as importantes contribuições da Assessora Jurídica da 26ª Promotoria
de Defesa do Patrimônio Público de Londrina, Fernanda Prado, na realização
deste trabalho.
2 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa- doutrina, legislação
e jurisprudência. São Paulo: Editora Atlas. 2012. p. 11
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uma análise crítica a partir dos julgados dos tribunais superiores - volume ii
Nesse compasso, nas palavas de Luiz Roberto Barroso3, o consti-
tucionalismo contemporâneo sofreu, no Brasil e na Europa, importan-
tes transformações que se sucederam nas últimas décadas, em que se
criou uma “nova percepção da Constituição e de seu papel na inter-
pretação jurídica geral”.
Assim, enfatiza Marcelo Neves4 que esse neoconstitucionalismo
se contrapôs a uma visão eminentemente retórica da Constituição
Federal, em que se percebia nítida “discrepância entre a função hi-
pertrocamente simbólica e a insuciente concretização jurídica de
diplomas constitucionais”.
Portanto, o neoconstitucionalismo permitiu que os textos cons-
titucionais fossem, paulatinamente, dotados de concretização pelas
orientações jurisprudenciais, conferindo-se ao poder judiciário im-
portante papel no Estado de Direito democrático, por intermédio da
materialização dos valores constitucionalmente assegurados.
Nesse diapasão, os textos constitucionais deixaram de conter sim-
ples conteúdos retóricos, passando a ser dotados de incomum densi-
dade normativa, espraiando efeitos na interpretação e aplicação dos
valores neles contidos.
Os tradicionais métodos de interpretação lógico, histórico e siste-
mático passaram a coexistir, com outras técnicas hermenêuticas não
menos importantes: supremacia da Constituição, interpretação con-
forme a Constituição, consagração dos princípios da unidade, da ra-
zoabilidade e da efetividade das normas constitucionais5.
Nesse contexto, adveio a Constituição Federal de 1988. Os prin-
cípios nela albergados estabeleceram verdadeiras balizas de interpre-
tação, criando importante regime constitucional da probidade da Ad-
ministração Pública. O art. 1º, caput, da Constituição Federal, institui
3 BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do di-
reito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista da Emerj, Rio
de Janeiro, v. 9, n.33, p.43-92, 2009.
4 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2007. p. 1, apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.
15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 75.
5 BARROSO, Op. cit.
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essa ordem de valoração, ao preceituar que a República constitui-se
em um Estado de Direito democrático.
Esse postulado (República), dotado de incomum densidade, evoca
uma série de conteúdos a ela inerentes, que conferem ao intérprete
verdadeiras barreiras normativas de interpretação:
“...mandatos políticos com periodicidade; eletividade; alternân-
cia do poder; responsabilidade dos agentes públicos; prestação de
contas; publicidade dos atos e transparência administrativa; meca-
nismos scalizatórios, tais como a ação popular e ação civil públi-
ca; proteção de direitos Fundamentais; proibição de regulamentos
autônomos e submissão dos agentes públicos ao princípio da lega-
lidade; legalidade da despesa e disponibilidade dos bens públicos
condicionada à autorização legislativa especíca....”6.
Portanto, a República, expressamente consagrada no art. 1º da
Constituição Federal e referendada em várias outras disposições
constitucionais (art. 14; art. 37, etc), confere ao intérprete importantes
vetores, no sentido de rígida compatibilização dos comportamentos
administrativos em quaisquer das funções públicas advindas da Ad-
ministração direta ou indireta, da União, Estados, Municípios e Dis-
trito Federal, ao standard de probidade albergado sistematicamente
pela Constituição Federal.
Nesse viés, a partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério
Público passou a exercer importante papel das funções que lhe foram
determinadas no art. 127 da referida Carta Política Fundamental, o
que fomentou uma gradativa, mas importante mudança no caótico ce-
nário de corrupção pública que assolava o país.
Percebeu-se a grande diculdade de coexistir valores contrapos-
tos: de um lado, um Estado arraigado pela corrupção pública; de ou-
tro, o Estado de Direito democrático e social, cuja nota fundamental
o cidadão, de realizar prestações públicas fundamentais.
O legislador infraconstitucional, pressionado e sensível a essas
alterações constitucionais, editou a denominada Lei de Improbidade
6 ARAÚJO, Luiz Alberto David e outro. Curso de Direito Constitucional; 12.
Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 102-103.
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