Notícia anônima como ponto de partida para a investigação de improbidades administrativas: um cotejo com a investigação no âmbito criminal

AutorFábio André Guaragni
Ocupação do AutorProcurador de Justiça junto ao MP-PR
Páginas51-80
NOTÍCIA ANÔNIMA COMO PONTO DE PARTIDA
PARA A INVESTIGAÇÃO DE IMPROBIDADES
ADMINISTRATIVAS: UM COTEJO COM A
INVESTIGAÇÃO NO ÂMBITO CRIMINAL
Fábio André Guaragni1
I. INTRODUÇÃO
A notícia de ilícitos efetuada anonimamente pode ser tomada como
ponto de partida para a respectiva investigação pelos órgãos compe-
tentes? Esta é a questão que, de partida, suscita o desenvolvimento
das reexões seguintes. Para tanto, e partir do trato jurisprudencial da
matéria em Instâncias Raras (STJ e STF), o texto concentrará esforços
no universo da investigação criminal, de um lado, para compará-lo,
de outro, com o ambiente investigativo dos atos de improbidade ad-
ministrativa. Justica-se o cotejo pelo imenso conjunto de anidades
que une ambos os setores.
O direito penal e o respectivo processo são zonas de tradicional
exercício do poder punitivo estatal. Conquanto seja comum mencio-
nar-se um jus puniendi estatal, não se trata de exercício de direito2,
mas poder-dever. A partir do recorte herdado do Iluminismo, o Estado
1 O autor é Procurador de Justiça junto ao MP-PR. Doutor e Mestre em Direito
das Relações Sociais pela UFPR, com estudo Pós-Doutoral junto à Università
degli Studi di Milano. É professor de direito penal econômico do Programa de
Mestrado em Direito do UNICURITIBA, lecionando Direito Penal na mesma
IES (graduação e especialização). É professor de Direito Penal da Fundação
Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR e Escola da Magistratura do
Paraná – EMAP, CERS, Anhanguera-LFG.
2 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horozinte: Del Rey, 2000, pp.
159-160, assinala, corretamente, que não se trata de direito de punir, e sim poder
de punir, a necessitar de legitimação por restringir a liberdade individual.
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aspectos controvertidos da leide improbidade administrativa:
uma análise crítica a partir dos julgados dos tribunais superiores - volume ii
Civil, enquanto resultado de um contrato social, obriga-se a prover
a segurança de seus cidadãos, que abdicam – justamente em prol do
Estado – de mecanismos de autotutela3. Como contrapartida, as viola-
ções mais severas praticadas por um membro do tecido social e sofri-
das por outro, recolhidas no bojo de um ordenamento jurídico-penal
fragmentário e subsidiário4, mediante ilícitos-típicos, exige reação -
blica de coibição. Emerge, daí, uma potestas puniendi, que entrará em
conito com o direito de liberdade do violador.
Já o universo da improbidade administrativa motiva autêntico mi-
crossetor do direito brasileiro, voltado à especíca tutela da adminis-
tração pública e dos destinatários de seus préstimos com os agentes
e funcionários detentores da gestão da res publica. Tutela-se a coi-
sa pública nos aspectos da legalidade, impessoalidade, publicidade,
moralidade e eciência, enquanto desdobramentos dos princípios re-
gentes da administração pública, estatuídos no art. 39, CR. Tudo, em
conjunto, encarna a ideia ampla de probidade, pela qual zela a Lei
de Improbidade Administrativa (LIA) 8429/92, erigindo mecânicas
sancionatórias voltadas primacialmente ao agente público ímprobo.
Sem prejuízo, as sanções podem atingir também agentes privados
pessoas naturais e mesmo jurídicas - que com ele atuem em conluio
ou tenham envolvimento no ato de improbidade (art. 3o, Lei 8429/92).
Nesta perspectiva, tanto o direito penal como a LIA são mani-
festações de um poder punitivo estatal5 (há outras, como a atividade
estatal protetora do sco, o direito administrativo disciplinar, o direi-
3 BOBBIO, Norberto., Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 4a. ed.
Brasília: UNB, 1997, pp. 37-48, faz boa síntese desta tarefa que está na gênese
do Estado, segundo o discurso contratualista clássico, a partir da exploração de
passagens de LOCKE, MONTESQUIEU e ROUSSEAU, tudo em antecipação
introdutória à exploração do pensamento kantiano.
4 Fragmentariedade e subsidiariedade são características do direito penal, cf. BA-
TISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1990,
p. 85.
5 NAPPI, Aniello. Manuale di Diritto Penale. Milano: Giuffrè, 2011, p. 9, lembra
que a Corte Europeia de Direitos Humanos identica como “direito dos ilícitos”
ou “direito punitivo geral” uma área comum de ilícitos e sanções. É uma espécie
de guarda-chuva conceitual abrangente de várias manifestações do poder estatal
de punir.
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