Averbações no registro de nascimento

AutorAndreia Ruzzante Gagliardi
Páginas207-238
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AverbAções no registro de nAscimento
Expostas as questões relativas aos registros de nascimentos, há que se reconhecer
que o teor destes, bem como seus efeitos, são passíveis de mudanças, por diversos mo-
tivos, as quais ensejam as devidas averbações nos registros.
As regras gerais quanto à instância, qualif‌icação e escrituração das averbações
seguem a forma dos artigos 97 e seguintes da LRP e estão expostas na parte geral deste
trabalho. Neste momento são analisadas as averbações específ‌icas do registro de nas-
cimento e suas regras.
Em rol não taxativo, pode-se pensar nas seguintes averbações a serem feitas no
registro de nascimento: atos judiciais e extrajudiciais que declararem ou reconhecerem
a f‌iliação, ou que a desconstituírem; a perda ou a retomada de nacionalidade brasileira,
quando comunicadas pelo Ministério da Justiça; a perda, a suspensão e a destituição do
poder familiar; quaisquer alterações do nome; termo de guarda e responsabilidade; a
nomeação de tutor; as sentenças concessivas de adoção do maior; as sentenças de adoção
unilateral de criança ou adolescente entre outras.
Tantas serão as averbações no registro de nascimento quantas forem necessárias
para preservar a pluralidade da nossa sociedade e a singularidade e dignidade de cada
indivíduo, assim, também podemos pensar, por exemplo, nas averbações de alteração
de sexo; a inserção da cor (raça) da pessoa, juridicamente interessante para as políticas
públicas de cotas raciais, perfeitamente possível se determinada na esfera jurisdicional
(em que pese o exposto no tópico relativo aos elementos no registro de nascimento);
averbação inserindo dupla maternidade ou paternidade.
Alerte-se o leitor de que todas as alterações de nome serão tratadas de forma sis-
temática no Capítulo 15, fazendo-se, no capítulo presente breves menções ao tema.
10.1 RECONHECIMENTO DE FILHO
O reconhecimento de f‌ilho tem a natureza de ato jurídico unilateral irrevogável,
ou seja, um ato que emana da autonomia privada e se aperfeiçoa tão somente pela de-
claração do pai ou da mãe em assumir certa pessoa como seu f‌ilho e, uma vez declarado,
não caberá revogação.
Tampouco é possível impor condição ou termo ao reconhecimento e, caso impostos,
não terão ef‌icácia, permanecendo hígido e íntegro o reconhecimento de f‌ilho.
A normatização desse ato está nos artigos 1.607 e seguintes do CC brasileiro, bem
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REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS • AndreiA r. GAGliArdi, MArcelo SAlAroli e MArio de c. cAMArGo neto
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Esse caráter unilateral não se modif‌ica diante da previsão do artigo 1.614 do CC,
que impõe o consentimento do f‌ilho maior e faculta a impugnação do reconhecimento,
mesmo se já averbado, quando atingida a maioridade. Isso porque, em ambos os casos,
trata-se de atos distintos, que atingem tão somente a ef‌icácia do reconhecimento. O con-
sentimento do f‌ilho maior é ato condicional para se conferir ef‌icácia ao reconhecimento
e a impugnação de reconhecimento pelo f‌ilho após atingida a maioridade é ato capaz
de retirar a ef‌icácia do reconhecimento. Em qualquer caso, o ato de reconhecimento de
f‌ilho já está aperfeiçoado e válido.
Também é utilizada a expressão reconhecimento voluntário de f‌ilho ou reconheci-
mento espontâneo de f‌ilho, para se distinguir do reconhecimento judicial de f‌ilho, que
é o reconhecimento compulsório, forçado, portanto, não é propriamente um reconhe-
cimento, embora produza os mesmos efeitos (CC, art. 1.616). Esse “reconhecimento”
judicial será tratado no tópico a seguir, acerca dos provimentos jurisdicionais sobre
f‌iliação, ou seja, a sentença declaratória da f‌iliação, a investigação de paternidade e a
negatória de paternidade.
O reconhecimento de f‌ilho nem sempre é o objeto único e principal do ato que
o contém. Pode estar incidentalmente num testamento, num acordo judicial, e, como
já foi dito, é um dos atos que compõem o registro de nascimento. Assim, reporta-se o
leitor ao tópico respectivo no capítulo de registro de nascimento, em que é tratada a
capacidade para o pai reconhecer o f‌ilho.
Muitas vezes é denominado reconhecimento de paternidade, por ser a situação
que mais ocorre na prática jurídica, mas se destina igualmente ao reconhecimento de
maternidade. No decorrer deste trabalho, ao citar os exemplos ou mesmo ao expor a
matéria, será considerada a situação do pai como a pessoa que reconhece o f‌ilho. Nisso
não há nenhuma discriminação, apenas uma coerência com o que mais acontece na
prática jurídica. Aliás, veja-se que a própria Corregedoria Nacional de Justiça, ao editar
o Provimento n. 16/2012, mencionou em seu artigo 7º a “anuência da mãe”, quando
deveria dizer “anuência do outro genitor”. O equívoco passa despercebido, até mesmo
porque o texto acabou por f‌icar mais didático.
Justamente nesse ponto, ressalte-se que o CC não exige, para o reconhecimento
de f‌ilho, a anuência da mãe ou do outro genitor. Pelo contrário, em seu artigo 1.607, é
expresso ao af‌irmar que o reconhecimento poderá ser feito conjunta ou separadamen-
te. No mesmo sentido, o procedimento do suposto pai, que poderá terminar com o
reconhecimento de f‌ilho, só terá a participação da mãe se isso for possível, não sendo,
portanto, obrigatório (art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.560/92). No entanto, a anuência da mãe
ou não poderá repercutir na tramitação do procedimento de reconhecimento de f‌ilho,
como se verá adiante.
São diversas as formas pelas quais esse negócio jurídico pode se apresentar, ex-
pressamente previstas no artigo 1.609 do CC, quais sejam, o registro do nascimento; a
escritura pública ou escrito particular1, a ser arquivado em cartório; o testamento, ainda
1. Com f‌irma reconhecida ou f‌irmado pessoalmente perante o serviço de registro civil, após identif‌icação.
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que incidentalmente manifestado; a manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda
que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Acrescente-se o termo lavrado em penitenciária, abonado pelo diretor do presídio, ou
ainda o termo lavrado em serviço consular brasileiro.
Ressalte-se, dentre os diversos meios de reconhecimento de f‌ilho, que os Provimen-
tos n. 12/2010 e 26/2012 da CN-CNJ instituíram o Projeto Pai Presente, uma campanha
nacional que mobilizou o Poder Judiciário para, em convênio com a rede de ensino,
inserir o nome dos pais nos registros das crianças. De maneira inteligente, o meio uti-
lizado para descobrir quais são as crianças sem o nome do pai e como encontrá-las foi
a matrícula escolar delas.
O CC, artigo citado, menciona que o reconhecimento tem por objeto f‌ilhos “havidos
fora do casamento”, no entanto, essa expressão legal não exclui a possibilidade de se
reconhecer os f‌ilhos havidos no casamento, pois ela deve ser interpretada em confor-
midade com o comando constitucional de igualdade entre os f‌ilhos.
Compreende-se facilmente a razão pela qual consta da lei essa expressão – “f‌ilhos
havidos fora do casamento” – quando se toma conhecimento da história recente da família
brasileira e a origem do reconhecimento de f‌ilho. A simples leitura do CC de 1916, em
sua redação original, demonstra a importância do instituto do casamento, como único
meio de se constituir uma família – a família legítima – com suas nítidas feições patriar-
cais, então predominantes. Os f‌ilhos havidos fora do casamento eram discriminados,
considerados ilegítimos e não tinham os mesmos direitos que os f‌ilhos legítimos.
Nessa época, a forma mais comum de se lançar o nome do pai no registro de nasci-
mento era por meio da certidão de casamento, documento essencial para comprovar a
legitimidade da família, situação inconcebível e inconstitucional nos dias de hoje. Para
os f‌ilhos que não tiveram a graça de nascer de pais casados, vigorava então o que o CC
de 1916, artigo 355, denominava “reconhecimento de f‌ilho ilegítimo”.
O CC vigente trocou a expressão “ilegítimo” por f‌ilho “havido fora do casamento”
(art. 1.607), usando a mesma expressão que já constava da Lei Federal n. 8.560/92.
Essa substituição da expressão soa como um eufemismo, pois mantém a discrimi-
nação, apenas utilizando-se de outra nomenclatura. Desde a CF de 1988 a discriminação
entre f‌ilhos não pode subsistir no ordenamento jurídico, já que seu artigo 227, § 6º,
veda categoricamente designações discriminatórias relativas à f‌iliação, assegurando aos
f‌ilhos os mesmos direitos e qualif‌icações.
Por outro lado, ao dizer f‌ilhos havidos fora do casamento, a lei tem um efeito di-
dático, tornando clara a possibilidade de que todos os f‌ilhos, independentemente do
estado civil dos pais, possam ser reconhecidos. Em virtude do método de interpretação
da lei conforme a Constituição, não se pode ver, nesta dicção legal, uma vedação ao
reconhecimento de f‌ilhos havidos no casamento. O dispositivo legal visou à inclusão
dos f‌ilhos e tem um caráter igualitário, não poderia agora ser interpretado para excluir
e discriminar.
É possível o reconhecimento de f‌ilho já falecido, no entanto, é necessário que
esse f‌ilho tenha deixado descendentes (CC, art. 1.609, parágrafo único). Se o f‌ilho
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