Nome da pessoa natural e seus aspectos registrários

AutorAndreia Ruzzante Gagliardi
Páginas469-520
15
nome dA pessoA nAturAl
e seus Aspectos registrários
15.1 INTRODUÇÃO
15.1.1 Conceito e natureza jurídica
O nome da pessoa natural é um dos mais relevantes direitos de personalidade,
expressamente tutelado por nosso ordenamento especialmente nos artigos 16 a 19 do
Código Civil. Sua importância se revela pelo fato de ter sido erigido a direito fundamental,
nos termos do artigo 24.2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “Toda
criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um
nome”1, e artigo 18 do Pacto de São José da Costa Rica.
O clássico conceito de nome, conforme lição de Limongi França, destaca as suas
duas principais funções, quais sejam, identif‌icar e individualizar a pessoa natural em
sociedade. Assim, o nome é “a designação pela qual se identif‌icam e distinguem as pes-
soas naturais, nas relações concernentes ao aspecto civil da vida jurídica”2. Trata-se de
uma expressão exterior da própria identidade da pessoa natural, uma das formas pelas
quais sua personalidade se projeta no mundo.
Brandelli, no mesmo sentido, acentua:
O nome civil da pessoa natural é, desta forma, a designação personativa da pessoa, elemento ínsito
da personalidade sua e que tem o consectário principal de individualizar determinada pessoa no seio
social e na família a qual integra, tornando-o único como sói ser. É o atributo primeiro da personalidade
da pessoa, que vai distingui-la das demais, logo após seu nascimento3.
Questão há muito superada diz respeito à natureza jurídica do direito ao nome,
hodiernamente reconhecida nos mais diversos ordenamentos jurídicos como um direito
de personalidade. Contudo, sua classif‌icação como direito de personalidade não basta, e
não é o suf‌iciente para abranger toda a sua complexidade. Assim porque o nome encerra
também uma relevante função social, sobre ele recaindo o interesse público de correta
e adequadamente identif‌icar os indivíduos:
1. Adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, promulgado no
Brasil por meio do Decreto n. 592, de 06/07/1992.
2. FRANÇA, Limongi. Do Nome Civil das Pessoas Naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 22.
3. BRANDELLI, Leonardo. Nome civil da pessoa natural. São Paulo: Saraiva, 2012.
EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 469EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 469 27/04/2023 11:46:0827/04/2023 11:46:08
REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS • AndreiA r. GAGliArdi, MArcelo SAlAroli e MArio de c. cAMArGo neto
470
O nome, para além de um direito, é também um dever. Se, por um lado, o nome é um direito da per-
sonalidade identicador da pessoa em relação a ela mesmo e sua dignidade, por outro lado, o nome
também possui uma função identicadora do indivíduo em relação à comunidade em que se encontra
inserido e ao Estado - de onde decorre o princípio da imutabilidade do nome. Tal princípio visa impedir
que o nome seja alterado por malícia, má-fé ou capricho4.
O nome, como elemento identif‌icador da pessoa natural, permite ao Estado a correta
imputação de direitos e deveres a cada um dos membros da sociedade, podendo exigir-
-lhes o cumprimento de suas obrigações, evitar fraudes e garantir segurança jurídica.
Justamente em razão dessa faceta pública do nome, a legislação pátria adotou inicial-
mente o princípio da sua imutabilidade, paulatinamente abrandado pela introdução de
algumas hipóteses legais autorizadoras de alteração. Contudo, foi o desenvolvimento
jurisprudencial que levou à f‌lexibilização da regra da imutabilidade. Nesse sentido, é
emblemático o seguinte trecho de voto da Ministra Nancy Andrigui:
Conquanto a modicação do nome civil seja qualicada como excepcional e as hipóteses em que se
admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente exibilizado essas regras, permi-
tindo-se a modicação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros5.
Interessante ainda diferenciar, com supedâneo na lição do mestre Limongi França,
os conceitos de “direito ao nome” e “direito a um nome”. O primeiro deles relaciona-se
ao direito fundamental garantido à toda pessoa humana de possuir um nome, mas aqui,
trata-se de qualquer nome. O “direito a um nome” refere-se ao nome certo e determina-
do, atribuído à pessoa natural. Esse direito se constitui pelo registro, em lição uníssona
de Limongi França, Pontes de Miranda e Serpa Lopes6. Vale, portanto, destacar que o
registro de nascimento possui ef‌icácia constitutiva quanto ao direito ao nome certo e
determinado atribuído ao registrado, nas palavras de Ponte de Miranda:
A impositio nominis é ato de escolha entre nomes, para que, dentro da classe do sobrenome, se dis-
tinga o ente humano; é ato-fato, que entra no mundo jurídico com o registro (sic). O registo não é aí,
declaratório; é constitutivo7.
Limongi França também distingue o “direito de pôr o nome”, cujos titulares são
em regra os genitores da pessoa natural, do “direito a tomar um nome para si”. Segundo
o mestre, não há um direito inato que garanta à pessoa natural a possibilidade de esco-
lher seu próprio nome. Contudo, já antevia a possibilidade de que tal faculdade fosse
conferida por lei. Essa possibilidade se tornou realidade por meio da Lei 14.382/2022,
no que concerne ao prenome.
4. MORAES, Maria Celina Bodin de. Sobre o nome da pessoa humana. Revista da Emerj, Rio de Janeiro, v. 3, n. 12,
p. 48-74, 2000.
5. REsp 1.905.614-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04.05.2021, DJe
06.05.2021.
6. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado dos Registros Públicos: em comentário ao Decreto nº 4.857, de 9 de
novembro de 1939, com as alterações promovidas pelo Decreto nº 5.318, de 29 de novembro de 1940 e legislação
posterior em conexão com o Direito Privado Brasileiro, v. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Brasília Jurídica, 1997.
7. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Tomo VII, atualizado por Rosa Maria de Andrade Nery, editora
dos Tribunais, 2012, p. 132.
EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 470EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 470 27/04/2023 11:46:0827/04/2023 11:46:08
471
15 • noME dA PESSoA nAtuRAl E SEuS ASPECtoS REgIStRáRIoS
15.1.2 Elementos do nome
A doutrina classif‌ica os elementos dos nomes entre elementos essenciais, funda-
mentais ou obrigatórios e elementos secundários ou acidentais. São essenciais ou fun-
damentais aqueles termos mínimos exigidos pelo artigo 16 do Código Civil: prenome
e sobrenome.
O prenome pode ser simples, quando formado por um único termo; ou composto,
quando formado por mais de um termo. A lei não f‌ixa número máximo de antropôni-
mos para a formação do prenome. Embora não seja comum, não há fundamento para
recusar um prenome formado por três ou quatro elementos, por exemplo. O excesso,
contudo, consideradas as situações concretas, poderá eventualmente conf‌igurar situ-
ação vexatória.
Os sobrenomes, também conhecidos como apelidos de família ou nomes de famí-
lia, indicam a origem familiar da pessoa. Os patronímicos indicam a linha ascendente
paterna enquanto os matronímicos apontam o ramo materno. Nesse ponto também a
lei não obriga a um número mínimo ou máximo para a composição dos nomes.
Os elementos acidentais ou acessórios, por sua vez, são aqueles que podem ou não
compor o nome civil; algumas pessoas os possuirão, mas não todas. São eles, segundo
a doutrina: as partículas, os agnomes e os axiônimos (títulos honoríf‌icos, nobiliários,
eclesiásticos, acadêmicos, científ‌icos e qualif‌icativos de dignidade of‌icial).
O agnome destina-se a individualizar duas pessoas da mesma família cujos nomes
completos sejam idênticos. Assim, se a criança a ser registrada receber nome idêntico ao
de seu pai, deverá ser acrescido ao seu nome completo o agnome “Filho” ou “Júnior”;
se receber o nome do avô, o agnome será, usualmente, “Neto”; se se tratar de um tio,
“Sobrinho” e, assim, sucessivamente. Embora não seja tão usual, há decisões adminis-
trativas autorizadoras do uso de números romanos (I, II) bem como números ordinais
(Primeiro, Segundo) como agnomes.
Quanto às partículas de ligação, tais como “de”, da”, “do”, “das”, “dos” e “e”, dou-
trina e jurisprudência são pacíf‌icas quanto à possibilidade de sua inclusão e exclusão
livremente, tanto no momento da atribuição de nome quanto nas hipóteses em que é
permitida sua alteração, como no momento do casamento.
Tradicionalmente, a doutrina pátria ainda aponta os títulos como elementos aci-
dentais do nome. Tal classif‌icação, contudo, merece revisão, posto que não se vislumbra
na atualidade a possibilidade de inclusão de tais termos nos assentos civis, bem como
pode-se discutir até que ponto tais termos podem ser tutelados e receber proteção legal
como se nome fossem.
15.1.3 Substitutivos do nome
Substitutivos do nome são expressões pelas quais uma pessoa pode ser conhecida
em certos círculos sociais, ou mesmo na coletividade, distintas do nome civil constante
do registro de nascimento. Cumprem, assim, a função de individualização e identif‌icação
da pessoa natural, paralelamente ao nome civil, constante do registro.
EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 471EBOOK REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS_5ED.indb 471 27/04/2023 11:46:0827/04/2023 11:46:08

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT