Nascimento - situações especiais

AutorAndreia Ruzzante Gagliardi
Páginas157-206
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nAscimento situAções especiAis
9.1 REGISTRO FORA DO PRAZO
Caso o registro seja declarado e realizado após o prazo legal – estudado no item
8.3 – está-se diante do chamado registro tardio, que atualmente é regulamentado pelo
artigo 46, caput, da LRP, com o texto dado pela Lei n. 11.790/2008, e pelo Provimento
n. 28/13 da CN-CNJ.
Antes de se adentrar à análise do procedimento, convém expor as alterações ocor-
ridas no instituto, para sua melhor compreensão.
O texto original do artigo 46 da LRP previa que as declarações de nascimento fora
do prazo legal somente seriam “registradas mediante despacho do Juiz competente
do lugar da residência do interessado e recolhimento de multa correspondente a 1/10
do salário mínimo da região”. O §1º do referido artigo estabelecia que o despacho do
juiz seria dispensado caso o registrado tivesse menos de 12 anos, e o § 3º, que o juiz
somente deveria “exigir justif‌icação ou outra prova suf‌iciente se suspeitar da falsidade
da declaração”. Havia, ainda, previsão do § 2º de que seria dispensado o pagamento de
multa caso a parte fosse pessoa pobre.
Com o advento da Lei n. 9.534/97, que universalizou a gratuidade do registro de
nascimento, para se assegurar a todos o acesso a documento essencial ao exercício da
cidadania – artigo 5º, inciso LXXVII, da CF/88 –, foi necessário adaptar o artigo 46 da
LRP, afastando-se a incidência de multa. Isso se deu pela Lei n. 10.215/2001, que supri-
miu a parte f‌inal do caput do artigo 46 e revogou seu § 2º.
Vê-se que pelo texto original da lei, e mesmo após a alteração dada pela Lei n.
10.251/2001, o registro fora do prazo dependia de despacho judicial, o qual era dispen-
sado caso o registrado contasse menos de doze anos de idade.
Em 2006, buscando a facilitação da obtenção do registro tardio de nascimento para
pessoas de qualquer idade e imbuída do espírito de desjudicialização e desoneração do
Poder Judiciário, a Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, após
diálogo com as associações de classe dos registradores, apresentou projeto que resultou
na Lei n. 11.790/2008.
A referida lei alterou o texto do artigo 46, caput e parágrafos, da LRP, dispensando
o despacho do juiz, afastando a diferenciação entre menores e maiores de doze anos e
exigindo, em qualquer dos casos, que duas testemunhas, sob as penas da lei, assinem o
requerimento do registro tardio. O registro, mediante apresentação do referido reque-
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REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS • AndreiA r. GAGliArdi, MArcelo SAlAroli e MArio de c. cAMArGo neto
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rimento, passou a ser feito diretamente pelo registrador, que pode exigir prova bastante
se suspeitar de falsidade, e somente encaminhará o fato ao Juízo caso persista a suspeita.
A nova regra trouxe consigo duas consequências que mereciam atenção:
1 – Os registros de crianças, declarados pouco tempo após o prazo legal, foram
dif‌icultados, pois passaram a ter a mesma exigência que os registros de maiores de idade,
mesmo quando apresentado o documento médico; e
2 – Ao se simplif‌icar sobremaneira o registro tardio para maiores de doze anos,
criou-se a insegurança de se lavrarem registros falsos ou em duplicidade de pessoas
maiores, abrindo a porta para fraudes.
Normas locais1 buscaram enfrentar tais consequências, citem-se: a normativa do
Distrito Federal, que fazendo interpretação histórica e sistemática do Direito, dispensava
a assinatura de duas testemunhas no requerimento caso o registrando contasse menos de
doze anos de idade (artigo 229, § 1º); a normativa de São Paulo, que previa procedimento
com entrevistas e autuação de documentos caso o registro fosse de maior de doze anos
(item 49.1, do Capítulo XVII, das normas, antes da alteração de 2012); as normativas
de Santa Catarina e de Pernambuco, que previam exigência de documentos e certidões
sempre que possível (artigo 604-SC e artigo 641-PE, § 1º).
Todavia, em 2013, com participação das associações de classe dos registradores
(ARPEN e ANOREG), a CN-CNJ enfrentou tais situações e regulamentou integralmente
o procedimento de registro tardio por meio do Provimento n. 28/2013 CN-CNJ, de forma
abrangente, ressalvando expressamente o Registro do Indígena, que segue as regras da
Resolução Conjunta n. 3/12 do CNJ e CNMP e a regularização de registro civil em caso de
medida de proteção nos termos do artigo 102 do Estatuto da Criança e do Adolescente2.
A Lei n. 14.382/2022 incluiu novo parágrafo ao artigo 46 da LRP, que assim dispõe:
§ 6º Os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário detentores de bases biométricas poderão
franquear ao ocial de registro civil de pessoas naturais acesso às bases para ns de conferência por
ocasião do registro tardio de nascimento. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).
Trata-se de previsão bastante salutar que permitirá ao Registrador Civil maior se-
gurança para a lavratura de registros tardios, sobretudo de pessoas adultas. A pesquisa
nas bases cadastrais poderá levar à localização de registro de nascimento preexistente
e evitar sua duplicidade. Muitas vezes, pessoas mais idosas ou em situação de rua não
se lembram de seu próprio histórico de vida. Nesses casos, a pesquisa em bancos de
dados poderá inclusive auxiliar na localização de pessoas consideradas desaparecidas.
Passa-se à análise do referido provimento e do procedimento vigente para o registro
fora do prazo.
1. As normas mencionadas neste parágrafo são anteriores às alterações do Provimento n. 28/13 da CN-CNJ, de
maneira que não estão mais vigentes.
2. Parágrafo único do artigo 1º do Provimento n. 28/13 da CN-CNJ: “O procedimento de registro tardio previsto
neste Provimento não se aplica para a lavratura de assento de nascimento de indígena, no Registro Civil das
Pessoas Naturais, regulamentado pela Resolução Conjunta n. 3, de 19 de abril de 2012, do Conselho Nacional
de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, e não afasta a aplicação do previsto no art. 102 da Lei
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9 • nASCIMEnto – SItuAçõES ESPECIAIS
9.1.1 Territorialidade
Inicialmente, verif‌ique-se que a atribuição territorial para o registro tardio de nasci-
mento foge da regra geral, devendo, em conformidade com o caput do artigo 46 da LRP,
ser lavrado no Registro Civil com atribuição para o local de residência do interessado.
Para os casos de pessoas que não têm residência, como povos nômades, itinerantes
e andarilhos, o Provimento n. 28/13 CN-CNJ, no artigo 2º, parágrafo único, comple-
menta a regra de territorialidade, estabelecendo que “será considerado competente o
Of‌icial de Registro Civil das Pessoas Naturais do local onde se encontrar o interessado”.
O interessado é sempre o registrando, mesmo que já tenha falecido. Nos casos de
registro tardio de pessoa já falecida, a competência para o registro é apenas do local do
último domicílio do falecido, ou seja, não se utiliza como critério de competência o local
de residência dos parentes do falecido nem o local onde ocorreu o óbito.
Isto pois as regras de competência são importantes para a segurança jurídica e
prevenção de litígios, por exemplo, caso se deseje localizar o registro de nascimento
do falecido, a busca será feita nos locais relativos à sua pessoa. Caso seja permitido o
registro no local de qualquer dos seus descendentes, não será fácil nem lógico encontrar
o registro, deixando assim uma falha na prestação do serviço, abrindo uma fratura no
sistema de registro público, que se deseja coeso, íntegro e seguro.
Assim decidiu a E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, em parecer da lavra
do MM. Juiz Assessor Marcelo Benacchio, inclusive afastando precedente do STJ (REsp
715.989/MS, DJe 16/11/2009), pois: “(i) a decisão foi prolatada em sede jurisdicional
diante das particularidades do caso concreto, (ii) o precedente de jurisprudência é único
e (iii) a decisão não possui força vinculante.”3
9.1.2 Instância e legitimados para requerer
Atendendo ao princípio da instância, a lei prevê que deve haver requerimento para
o registro tardio, o qual será escrito, uma vez que deve ser assinado por duas testemunhas
como determina o § 1º do artigo 46 da LRP e o artigo 1º do Provimento n. 28/13 CN-CNJ.
O legitimado para requerer o registro tardio é o próprio interessado, pessoalmente
ou por seu representante legal, devendo assinar o requerimento na presença do Of‌icial
ou de seu preposto, que certif‌icará a autenticidade da assinatura, conforme estabelecido
no art. 3º, § 2º, do Provimento n. 28/13 CN-CNJ. Caso o interessado seja analfabeto,
será colhida sua impressão digital e outra pessoa assinará o requerimento a seu rogo,
na presença do Of‌icial, como prevê o § 3º do mencionado artigo.
O Provimento n. 28/13 CN-CNJ também reconhece como legitimado o Ministério
Público, dentro de suas atribuições, para requerer o registro tardio em favor de pessoas
3. Parecer 77/2018-E, de 22.02.2018, no Processo CG 9.184/2018, acolhido pelo MM. Desembargador Corregedor
Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Há outros precedentes no mesmo
sentido: Parecer 164/2018-E, de autoria do MM. José Marcelo Tossi Silva, de 18.04.2018, Processo 0001387-
11.2017.8.26.0081 e Acórdão do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, Apelação Cível n. 0111877-
30.2009.8.26.0583. Re. Des. José Renato Nalini, j. 12/04/2012.
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