Brexit interpretado: imbróglio jurídico e futuro de incertezas

AutorPaula Wojcikiewicz Almeida e Júlia Knauer Carvalho
Páginas9-13
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
BREXIT INTERPRETADO:
IMBRÓGLIO JURÍDICO E FUTURO DE INCERTEZAS
Em um referendo
realizado em 23 de junho de 2016,
a população britânica decidiu que
o Reino Unido deveria sair da
União Europeia (UE) por 51,9%
a 48,1% dos votos. Do total de
eleitores, 72,2% compareceram
às urnas. A Inglaterra votou
pelo “Brexit”, assim como o País
de Gales. Escócia e Norte da
Irlanda, por sua vez, optaram por
permanecer na UE.
Como interpretar o
resultado do referendo?
Questiona-se se o referendo do
dia 23 de junho seria legalmente
vinculante. Ora, o referendo é
apenas consultivo, logo, não é
self-executing. Mas na prática,
independentemente do resultado,
produz consequências políticas e
dificilmente poderá ser ignorado
pelo governo britânico. É preciso,
portanto, que o representante de
política externa do Reino Unido
demonstre a intenção de retirada
via ato formal, de modo a invocar
o artigo 50 do Tratado de Lisboa e
seguir o procedimento jurídico ali
estabelecido. Somente a partir de
então é que teria início o processo
jurídico formal de retirada e a
concessão de dois anos para que
o Reino Unido pudesse negociar
sua saída com o bloco.
O período atual é de incertezas,
porém, legalmente, nada
mudou desde o referendo.
Ao ser aprovado, a primeira-
ministra britânica, Theresa May,
conversou com seus equivalentes
em diversos países da União
Europeia, de modo a avaliar o
posicionamento dos mesmos,
em negociações chamadas de
“pré-artigo 50”, uma vez que não
poderão ocorrer negociações
formais até que o artigo 50
seja invocado. Porém, seus
recentes pronunciamentos têm
demonstrado certa intransigência
em manter laços com a União, o
que aumenta a divergência entre
as partes.
Outrossim, May declarou que o
Reino Unido invocará o artigo 50
do Tratado de Lisboa até março
Por Paula Wojcikiewicz Almeida* e Júlia Knauer Carvalho**
de 2017. Apenas, então, iniciar-
se-á a contagem do deadline
de dois anos e das negociações
oficiais que levarão a um acordo
de retirada. Vale ressaltar que
tal período de dois anos pode ser
estendido por unanimidade dos
Estados Membros.
O que determina o artigo 50
do Tratado de Lisboa?
De acordo com o artigo 50 do
Tratado da UE, o Estado Membro
que decidir sair do bloco deverá
notificar o Conselho Europeu
de sua intenção. A partir desse
momento, o poder de decisão será
afastado do Reino Unido e ficará
nas mãos do Conselho Europeu, o
qual decidirá os termos da retirada
e apresentará suas guidelines.
Essas diretrizes serão negociadas
com os britânicos, dando origem
a um acordo que regulará sua
relação com o bloco quando da
sua retirada. Tal acordo deverá
ser concluído pelo Conselho,
por maioria qualificada, após o
consentimento do Parlamento
Europeu.
As leis da UE continuam
aplicáveis?
Os tratados que obrigam o Reino
Unido com relação à União
Europeia somente poderão deixar
de ser aplicados a partir da data
de entrada em vigor do acordo
de retirada. Ou, caso não seja
negociado tal acordo, somente
dois anos após a notificação de
retirada realizada pelo Reino
Unido. Isso se o Conselho Europeu
não decidir, de forma unânime,
prorrogar esse ínterim.
Ora, seria a unanimidade dos
Estados-Membros da UE
a favor da renovação desse
período? As reações negativas
de alguns Estados à pretensão
do Reino Unido deixam dúvidas
a esse respeito. Nesse sentido,
o parlamento britânico entende
que os Estados-Membros não
podem rejeitar a retirada do país,
apenas rejeitar os termos do
acordo de retirada. Assim, não
estendido o prazo de dois anos e
sem a aprovação de um acordo,
cessariam os efeitos das leis
europeias dentro da jurisdição
britânica, restando reconhecido
o direito adquirido tanto pelos
cidadãos britânicos quanto pelos
europeus.
Vale dizer também que, de forma
imediata, o Reino Unido continua
obrigado a respeitar o direito
da UE e a participar de suas
instituições e processos decisivos.
Entretanto, com a ativação do
artigo 50, os representantes
do Reino Unido não poderão
participar das discussões do
Conselho que lhe digam respeito.
Qual é a prática envolvendo
o artigo 50 do Tratado de
Lisboa?
Não há qualquer prática
envolvendo o artigo 50 do Tratado
de Lisboa, em vigor desde 01 de
dezembro de 2009, que emendou
o Tratado da União Europeia e o
Tratado sobre o Funcionamento
da UE. Isso porque os tratados
anteriores não previam de forma
explícita a possibilidade de
qualquer Estado sair voluntária e
unilateralmente do bloco.
Existem poucos exemplos no
cenário internacional de Estados
que se retiraram de organizações
internacionais, especialmente
no caso da União Europeia,
uma organização sui generis,
altamente complexa e que prevê
um alto grau de integração
entre seus países. O caso mais
citado seria o da Groenlândia,
que não era propriamente um
Estado-Membro da União
Europeia por constituir
um território autônomo da
Dinamarca. Esta última requereu
uma alteração na aplicação
territorial de partes importantes
dos tratados da UE com o
objetivo de afastar a aplicação do
direito do bloco à Groenlândia. A
pretendida alteração demandou
consulta aos Estados-Membros e
às instituições. Mas, de qualquer
forma, não seria comparável ao
caso presente.
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