Tribunal penal internacional julga seu primeiro chefe de estado

AutorJosé Eduardo Rangel Cury
Páginas29-30
29
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. B.
JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL JULGA SEU
PRIMEIRO CHEFE DE ESTADO
No dia 28 de janeiro de
2016, teve início em Haia, na sede
do TPI, o julgamento de Laurent
Gbagbo e Charles Blé Goudé. Esta
é a primeira vez na história do
Tribunal que um chefe de estado
é formalmente acusado e julgado.
Os acusados:
Laurent Koudou Gbagbo foi
preso em 2011 por forças da
ONU e da França quando estava
entrincheirado no palácio
presidencial. Gbagbo recusou-
se a deixar o poder quando o
resultado das urnas apontou que
seu adversário Alassane Ouattara
havia obtido a vitória, o que
levou a uma onda de protestos
e conflitos violentos pela
população marfinense, dividida
entre os candidatos. Relata-se
que o conflito deixou cerca de
3.000 mortos. Seu governo fora
marcado por relatos de repressão
à população do norte do país,
notadamente islâmica, sob o
argumento xenofóbico de que os
indivíduos pertencentes àquela
etnia não representam a etnia
marfinense, diferente do sul
cristão.
Gbagbo acusou os EUA e a França
de estarem mancomunados
numa tentativa de controlarem
as riquezas naturais do país,
alegação que não convenceu
nem a União Africana nem
a ONU. Ele é acusado de ser
coautor indireto de uma série
de crimes contra a humanidade,
dentre eles homicídio, estupro,
perseguição e outros “atos
desumanos”. O ex-presidente
nasceu em 1945 e possui um PhD
em História pela Université Paris
7 – Denis Diderot, tendo um papel
importante na vida política da
Costa do Marfim desde a época
em que era professor, nos anos
1970, quando fazia oposição ao
governo vigente.
Por sua vez, Charles Blé Goudé
era o líder de uma das milícias
que apoiavam Laurent Gbagbo,
e está sendo acusado pelos
Por José Eduardo Rangel Cury*
mesmos crimes que o ex-
presidente. Há 199 vítimas
inscritas para testemunhar
contra o ex-presidente e 469
contra Blé Goudé. Foi dada uma
decisão suspendendo por hora a
divulgação pública da gravação
dos relatos testemunhais até que
estes sejam revisados.
No entanto, a crítica que costuma
ser feita é no sentido de que
somente um dos lados do conflito
foi submetido a julgamento
perante o TPI, enquanto ambos
cometeram atrocidades dignas
de serem julgadas pela corte.
O chefe da equipe de acusação
Fatou Bensouda afirmou que
investigará ambos os lados
do conflito e que todos serão
responsabilizados.
Gbagbo e Blé Goudé se declaram
inocentes, e o caso ainda aguarda
um desfecho. O julgamento pode
ser acompanhado aqui.
O Tribunal:
O Tribunal Penal Internacional
foi estabelecido pelo Estatuto
de Roma, adotado em 17 de
julho de 1998. Na ocasião, mais
de 120 países assinaram o
tratado. O quórum mínimo de 60
ratificações foi atingido em 11
de abril de 2002, e o TPI iniciou
suas atividades em 11 de março
de 2003, e localiza-se em Haia.
Em nível nacional, o Estatuto
surtiu efeito no plano normativo
com a sua promulgação através
do Decreto nº 4.388, em 2002. Por
meio da emenda constitucional
nº 45/2004, criou-se o §4º do
art. 5º, dispondo que “o Brasil se
submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão”. Por
localizar-se no art. 5º, é possível
argumentar no sentido de que
tal dispositivo é cláusula pétrea,
o que dá especial proteção ao
parágrafo em questão.
Até 2016, o TPI declarou
encerrados cinco casos. A corte
possui competência para julgar
os crimes de genocídio, contra
a humanidade, de guerra e de
agressão, de acordo com o art.
5º, 1, do Estatuto. O tribunal
tem focado principalmente no
continente africano, onde se
verifica com maior facilidade
a ocorrência desses crimes.
Todos os seis casos que a
Corte está julgando envolvem
figuras políticas ou militares do
continente africano.
O foco dado pela corte aos
casos africanos criou um atrito
entre o TPI e a União Africana.
Desde 2013 até julho de 2016,
vários países da organização
internacional resolveram se opor
à corte, alegando que ela estaria
ignorando violações de direitos
humanos em outras partes do
mundo. Essa oposição, baseada
em casos como o de Laurent
Gbagbo, contava com forte apoio
principalmente dos governos do
Quênia e até mesmo de Idriss
Déby, presidente do Chade e da
União Africana, dentre outros
países, que juntos propuseram
uma renúncia coletiva ao Estatuto
de Roma. Como consequência,
esses países se retirariam do
âmbito jurisdicional do TPI.
É importante lembrar que o
referido tribunal, apesar das
fortes críticas que lhe são
frequentemente endereçadas,
é atualmente o único órgão
judicial internacional capaz de
julgar e condenar indivíduos
por crimes internacionais,
independentemente de sua
posição na escala de poder do
Estado. O julgamento de um ex-
Presidente demonstra a vocação
e alcance desse tribunal, que
acaba muitas vezes confrontado
entre política e direito.
* Graduando em Direito pela
Faculdade de Direito da
Fundação Getulio Vargas
(FGV DIREITO RIO).
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