Capítulo 2 - Direito fundamental de herança e os pactos sucessórios

Páginas25-52
Capítulo 2
DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA
E OS PACTOS SUCESSÓRIOS1
Sumário: 2.1 Considerações iniciais – 2.2 Pactos sucessórios: conceitos, moda-
lidades e aspectos gerais – 2.3 Breve história dos pactos sucessórios – 2.4 Pactos
sucessórios em Portugal e no Brasil: caminhos que se distanciaram – 2.5 Pactos su-
cessórios na legislação estrangeira – 2.6 Pactos sucessórios admitidos no Brasil – 2.7
Do exercício do direito fundamental de herança por meio do repúdio. A renúncia
prévia à herança e a inexistência de restrições legais ao repúdio anterior à abertura
da sucessão – 2.8 Renúncia ao direito concorrencial por cônjuges e companheiros
– 2.9 A pretensão de cônjuges e companheiros renunciantes de concorrerem com
descendentes ou ascendentes, após haverem manifestado renúncia prévia ao di-
reito concorrencial, caracteriza comportamento contraditório e contrário à boa-fé
objetiva – 2.10 Notas conclusivas ao capítulo segundo.
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Uma das diretrizes adotadas pelo codicador de 2002, no que tange ao Di-
reito de Família, foi a da intervenção mínima do Estado nas relações familiares,
em consonância com o artigo XII da Declaração dos Direitos Humanos, segundo
o qual “ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, na sua família”.
O Código Civil Brasileiro proíbe expressamente “a qualquer pessoa, de direito
público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” (art.
1.513). O alcance da norma tutela o princípio da dignidade da pessoa humana (CF,
art. 1º, III), a não permitir a interferência estatal indevida nos domínios íntimos
da família, fazendo surgir para os seus membros, em quaisquer das formas de
entidade familiar, uma verdadeira autonomia existencial e patrimonial.
1. Este capítulo foi adaptado, em parte, a partir de artigo escrito em coautoria com Jânio Urbano Marinho
Júnior. Cf. Novos Horizontes para os Pactos Sucessórios no Brasil. Revista Nacional de Direito de Família
e Sucessões/Edições/28. jan./fev. 2019 – Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões. O texto
original foi fundido a outro texto que publiquei posteriormente na mesma revista: Pacto Sucessório.
Renúncia a direito concorrencial. Possibilidade. Inteligência do Art. 426 do Código Civil. Revista
Nacional de Direito de Família e Sucessões. n. 43. jul.-ago. 2021.
EBOOK DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANCA.indb 25EBOOK DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANCA.indb 25 03/10/2022 16:39:1303/10/2022 16:39:13
O DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA • Mário Luiz DeLgaDo
26
A autonomia existencial se manifesta, especialmente, pelo direito de casar
ou constituir união estável e de dissolver o casamento ou a união estável, inclusive
na via extrajudicial, com qualquer pessoa, de qualquer sexo, gênero ou orientação
sexual. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos já estabelece que
homens e mulheres têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família, ao
mesmo tempo em que esclarece que homens e mulheres gozam de iguais direitos
em relação à dissolução do casamento (art. XVI). Não pode, pois, o Estado obstar,
em situação alguma, o exercício desse direito de dissolução, alçado, inclusive, à
categoria de direito potestativo após a promulgação EC 66/2010.
A autonomia patrimonial, por outro lado, é concretizada em diversos
dispositivos do Código Civil. O art. 1.639, v.g., dispõe ser lícito aos nubentes
“estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Sublinhe-se que o casa-
mento (ao qual se equiparam as demais entidades familiares), pela sua natureza
contratual, deve satisfazer, sempre, e não apenas ao tempo de sua celebração, os
interesses dos contraentes e consortes. Essa satisfatividade, de caráter permanente,
aperfeiçoa-se quando se torna possível a mudança do regime de bens durante a
convivência e quando se assegura ao casal instituir regime patrimonial diverso
daqueles instituídos pelo Código Civil, de natureza híbrida em face dos legais ou
de natureza diferente, por escolha consensualizada, graduada por circunstâncias
e condições preordenadas em pacto antenupcial ou convivencial. Este, portanto,
como instrumento de livre manifestação de vontades, não apenas será feito por
escolha de regime legal que não o da comunhão parcial, como também quando
de denição de “regime personalíssimo de bens” que pode ser considerado
como aquele que represente um regramento pessoal de vontade dos cônjuges
ou conviventes na disciplina e regência patrimonial dos seus bens e dos bens do
casal, sejam aqueles primeiros, isolada ou conjuntamente considerados, sejam
estes últimos havidos como tais em face de repercussões jurídicas reconhecidas
contratualmente no pacto.
A autonomia patrimonial dos membros da família também se estende ao
Direito das Sucessões, em concretização ao direito fundamental de herança,
podendo qualquer herdeiro, como titular desse direito, renunciar à herança ou
ao legado. Não obstante a letra da lei proíba que se renuncie à herança em parte
(art. 1.808), já se pacicou o entendimento de que cônjuges e companheiros
podem renunciar apenas ao direito real de habitação (art. 1.831), recebendo a
herança, ou, inversamente, renunciar apenas à herança, mas fazendo subsistir o
direito real de habitação. Mesmo renunciando à herança, permanecem (cônjuges
e companheiros) como titulares do direito real de habitação, cujos fundamentos
devem ser buscados não apenas na seara dos direitos hereditários, mas no direito
constitucional à moradia. Nada impede, por outro lado, que o cônjuge ou com-
EBOOK DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANCA.indb 26EBOOK DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANCA.indb 26 03/10/2022 16:39:1303/10/2022 16:39:13

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT