Capítulo 7 - Direito fundamental de herança e planejamento sucessório

Páginas125-142
Capítulo 7
DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA
E PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO1
Sumário: 7.1 Considerações iniciais – 7.2 Aspectos gerais do planejamento suces-
sório – 7.3 Limites ao planejamento sucessório; 7.3.1 A legítima e sua intangibilida-
de; 7.3.2 Mecanismos de proteção da legítima7.4 Planejamento sucessório nas
empresas: o Art. 1.028 do Código Civil e a sucessão do sócio – 7.5 Notas conclusivas
ao capítulo sétimo.
7.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Direito das Sucessões surgiu para garantir a continuidade do patrimônio
através das gerações, mas sabemos que essa continuidade nem sempre é tran-
quila e frequentemente a sucessão se traduz em ruptura, fazendo eclodir dramas
familiares decorrentes de disputas patrimoniais. Em torno da herança surgem
quizílias capazes de provocar a dissolução precoce da coesão da família, com
repercussão direta nas relações patrimoniais. Não são poucas as empresas que
feneceram em razão das disputas entre os herdeiros ou de sua inabilidade para
gerir o patrimônio ou conduzir os negócios.
Essa realidade de ruptura torna-se especialmente dramática quando as regras
legais cogentes se encontram dissociadas dos anseios dos sucessores, afastando-se
de uma expectativa geral que concilie a vontade presumida do autor da herança
com os interesses e aspirações dos herdeiros.
O planejamento sucessório advém, então, como uma necessidade premente
nesse contexto, para prevenir ou minimizar litígios futuros e praticamente certos.
As diversas ferramentas utilizadas nas operações de planejamento patrimonial e
familiar em geral são capazes de fornecer respostas mais adequadas aos conitos
entre herdeiros do que as do Direito de Família e das Sucessões. A constituição de
uma holding familiar, por exemplo, permite que se atribuam regras convivenciais
1. Este capítulo foi adaptado, em parte, a partir de artigo escrito em coautoria com Jânio Urbano Marinho
Júnior. Cf. Fraudes no planejamento sucessório. In: Daniele Chaves Teixeira. (Org.). Arquitetura do
planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2019, v. 1, p. 221-246.
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O DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA • Mário Luiz DeLgaDo
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mínimas, à medida em que os herdeiros são submetidos ao ambiente societário,
estando obrigados a se comportar, não mais como parentes, mas como sócios,
respeitando as cláusulas de um contrato social e jungidos a resolverem seus coni-
tos pelas balizas do Direito Empresarial, nas quais estão previstos e disciplinados
os procedimentos e as técnicas de composição de conitos (autocomposição e
heterocomposição).
Entretanto, algumas dessas ferramentas são criticadas por respeitáveis auto-
res, sob o rótulo de uma suposta “nulidade, por infração ao art. 426 do CC/2002,
já que vários dos instrumentos contratuais usados no planejamento, no fundo,
teriam por objeto “herança de pessoa viva”. Ao tratar da holding famili ar, o jurista
Flávio Tartuce defende “que a categoria esbarra na segunda regra de ouro aqui
antes apontada, qual seja a vedação dos pactos sucessórios ou pacta corvina, re-
tirada do art. 426 do Código Civil. Conforme esse preceito, não pode ser objeto
de contrato a herança de pessoa viva. Reitere-se que a situação é de nulidade
absoluta virtual, situada na segunda parte do art. 166, inc. VII, da própria codi-
cação privada, uma vez que a lei proíbe a prática do ato sem cominar sanção”.2
Em suma, com frequência o planejamento sucessório é criticado e combatido
a partir de uma interpretação hiperbolizada de regras restritivas da autonomia
privada, o que compromete e enfraquece essa importante ferramenta, à medida
em que põe sob suspeita diversos atos e negócios jurídicos realizados em vida
pelo autor da herança e resultando em graves controvérsias sucessórias levadas
ao Poder Judiciário. A segurança jurídica que seria proporcionada pelo planeja-
mento desaparece, dando lugar a imbróglios intermináveis, os quais, não raro,
implicam a deterioração do acervo hereditário.
É preciso deixar de olhar o planejamento sempre com a suspeita de fraude
à lei ou burla à legítima dos herdeiros necessários, mas, sim, como legítimo
instrumento de concretização do direito fundamental de herança sob a ótica do
titular do patrimônio, sendo certo que a autonomia e a liberdade para planear a
própria sucessão também compõem o núcleo da dignidade da pessoa humana.
2. TARTUCE, Flávio. Planejamento sucessório: Novos instrumentos - Breves considerações sobre a holding
familiar e o trust. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/293162/
planejamento-sucessorio--novos-instrumentos---breves-consideracoes-sobre-a-holding-familiar-
-e-o-trust---parte-3. Acesso em: 22.07.2022. Segundo esse autor, “como têm sido estabelecidos no
Brasil, tais negócios jurídicos são claramente nulos. Se são muitos, então temos uma realidade em
que a nulidade absoluta acabou por ser propagada de forma continuada em nosso País, sob o manto
do planejamento sucessório. Se há uma sociedade – que tem natureza contratual –, instituída com o
objetivo de administrar os bens de alguém ou de uma família e de dividir esses mesmos bens em caso
de falecimento, a afronta ao art. 426 do Código Civil é clara e cristalina. Pontue-se que esse argumento
independe da existência de fraude ou simulação na constituição da sociedade, o que pode ensejar a
invalidade ou inecácia por outros argumentos, a depender do vício presente no ato” (Idem).
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