Capítulo 5 - O fideicomisso e a inconstitucionalidade do art. 1.952 do CC/2002 por violação ao direito fundamental de herança

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Capítulo 5
O FIDEICOMISSO E A
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.
1.952 DO CC/2002 POR VIOLAÇÃO AO
DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA
Sumário: 5.1 As substituições testamentárias – 5.2 A substituição deicomissária –
5.3 Distinções entre deicomisso e usufruto – 5.4 Substituição compendiosa – 5.5
A inconstitucional limitação do deicomisso pelo CC/2002 – 5.6 Notas conclusivas
ao capítulo quinto.
5.1 AS SUBSTITUIÇÕES TESTAMENTÁRIAS
Na sucessão testamentária, um testador prevenido, ao instituir herdeiros ou
legatários facultativos,1 no exercício da sua liberdade testamentária, deve sempre
se atentar para a escolha dos respectivos substitutos, que re ceberão a liberalidade
no lugar daqueles, quando uns ou outros não quiserem, ou não puderem, aceitar
a herança ou o legado. Isso, claro, na hipótese de o disponente não preferir que
os bens integrantes da herança ou do legado prejudicados, sejam destinados aos
herdeiros legítimos, seguindo a ordem da vocação hereditária. Não havendo
designação de substitutos aos beneciários do ato de última vontade, é de se pre-
sumir que o testador “nomeou” substitutos os seus herdeiros legítimos, seguindo
a previsão do art. 1.788 do CC.
Substituição, portanto, é a disposição ou verba testamentária, por meio da
qual o testador chama, em lugar do herdeiro ou legatário, um substituto, para que
assuma, no todo ou em parte, as mesmas vantagens e ônus que caberiam à pesso a
1. Por força do princípio da intangibilidade da legítima, não é possível a nomeação de substituto para
herdeiro legitimário. Como bem explica Orosimbo Nonato, “se o herdeiro é meramente legítimo, ne-
nhuma dúvida poderá haver porque o testador poderá livremente instituí-lo ou excluí-lo da herança;
e nomeando-lhe substituto, entende-se que o instituiu em primeiro grau. Se, porém, o herdeiro é
necessário, já não terá o testador direito de nomear-lhe substituto para a legitima, porque sobre esta
sua vontade não se exerce, não lhe cabe direito de disposição” (NONATO, Orosimbo. Estudos S ôbre
Sucessão Testamentária. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p. 141).
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O DIREITO FUNDAMENTAL DE HERANÇA • Mário Luiz DeLgaDo
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cuja vocação cessou. Trata-se de uma manifestação de autonomia privada, em
concretização ao princípio da prevalência da vontade do testador.
Já apontava Felício dos Santos, nos comentários ao seu célebre projeto de
código civil, não haver “quem não queira que seus bens depois da sua morte sejam
distribuídos conforme suas afeições, sentimentos lantrópicos ou religiosos.
Pode acontecer que depois da morte do testador não possam ou não queiram
receber seus benefícios as pessoas lembradas no testamento, e nada mais con-
forme à razão que lhe permitir substituí-las por outras.2 Pode a substituição ser
feita em qualquer espécie de testamento, público, particular ou cerrado e não
exige o uso de fórmulas sacramentais. As formas sacramentais foram há muito
abolidas e nem mesmo o vocábulo deicomisso precisa constar do testamento.
Basta que o testador mencione a sucessividade da transmissão, dizendo que por
morte do primeiro beneciário (duciário) os bens passarão para o segundo
(deicomissário).
O substituto é um personagem secundário, que somente sobe ao palco da
sucessão quando o protagonista (herdeiro ou legatário) não deseja (renunciante)
ou não pode (indignidade ou impedimento) suceder. Ele não é sucessor e se, nesta
situação, se lhe verica a morte, nada transmitirá aos seus próprios herdeiros,
como bem destaca, novamente, Orosimbo Nonato: “Nestas circunstâncias en-
quanto pende a condição, isto é, enquanto não chegue para o instituído a pos-
sibilidade de aceitar a herança, ou porque lhe é deferida puramente ou porque
aconteceu a condição de que dependia pronunciar-se, não se abre para o substituto
a sucessão. Mas, o direito de substituir transmite-se aos herdeiros do substituto
se o testador falece antes dele e antes de recolher o instituído a liberalidade, ou
melhor, antes de declarar sua aceitação”.3
Ao assumir o lugar vago, o substituto recolherá a herança ou o legado na
qualidade de sucessor do de cujus, e não do substituído.
Existem várias modalidades de substituição: a substituição vulgar, as subs-
tituições pupilar e quase pupilar e a substituição deicomissária.
Na substituição vulgar, comum, ordinária ou direta, o testador elege outra
pessoa para tomar o lugar do herdeiro ou do legatário nomeado, “para o caso de
um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumin-
do-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o
testador só a uma se rera” (CC, art. 1.947). O substituto é chamado a suceder
em caráter alternativo no lugar do primeiro nomeado, que não pôde ou não quis
2. Apud NONATO, Orosimbo. Estudos sôbre sucessão testamentária. Rio de Janeiro: Revista Forense,
1957, p. 139.
3. Op. cit., p. 145.
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