Introdução

PáginasXV-XVII
INTRODUÇÃO
A decisão de escrever este livro partiu de um profundo incômodo que sinto
em relação a algumas posturas hermenêuticas restritivas da autonomia privada
no âmbito do Direito das Sucessões, sempre invocando o direito fundamental
de herança como substrato legal para se restringir a liberdade de disposição do
titular do patrimônio. Assim ocorre com a possibilidade de renúncia prévia, por
cônjuges e companheiros, ao direito concorrencial do art. 1.829, incisos I e II,
acoimada de nula por suposta infração ao art. 426 do CC/2002, dispositivo que
só se refere à herança e não a todo e qualquer direito sucessório.
Na disciplina da deserdação, a exegese literal das disposições legais, na grande
maioria das vezes, obsta a concretização da última vontade do autor da sucessão,
no que tange a quem transmitir ou não transmitir os seus bens. Apesar da injúria
grave e das ofensas físicas estarem expressamente elencadas entre as causas de
deserdação, são frequentes as decisões judiciais que afastam a caracterização des-
sas duas hipóteses, de acordo com a subjetividade do julgador. Exige-se, em ação
judicial póstuma, a prova de que os fatos declarados pelo testador efetivamente
ocorreram e que se subsumiram ao tipo legal, cuja taxatividade não admitiria
qualquer exibilização.
Assim é que a deserdação vem sendo corriqueiramente afastada quando “não
restou comprovado que a ré dirigiu as ofensas descritas do item 5 do testamento
público, violando a dignidade e a honra da autora da herança”,1 ao passo que
“ofensas verbais e ajuizamento de ações para apropriação indevida do patrimônio
da autora da herança” não caracterizam “as hipóteses de deserdação insculpidas
no artigo 1.962, do Código Civil, em especial, a injúria grave prevista no inciso II
do aludido dispositivo”2. Exige-se, com extremada rigidez, do herdeiro instituído,
ou daquele a quem aproveite a deserdação, provar a veracidade da causa alegada
pelo testador. E ausente prova de que o lho tenha realizado injúria grave contra
o genitor, nem que houve abandono na ocasião de doença grave a amparar a
pretensão, afasta-se o reconhecimento da deserdação.3
1. TJSP; AC 1005721-39.2016.8.26.0297; Ac. 12653409; Jales; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des.
José Aparício Coelho Prado Neto; Julg. 02.07.2019; DJESP 11.07.2019.
2. TJSP; AC 1007151-26.2016.8.26.0297; Ac. 12776097; Jales; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des.
José Aparício Coelho Prado Neto; Julg. 13.08.2019; DJESP 19.08.2019.
3. TJRS; AC 0318086-77.2016.8.21.7000; Carazinho; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol;
Julg. 09.11.2016; DJERS 14.11.2016.
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