'A carne mais barata do mercado é a carne [das travestis e mulheres trans] negra[s]': as relações de necropolítica que consubstanciam o gênero, cor e raça das LGBTI que morrem no Brasil

AutorRainer Bomfim, Victória Taglialegna Salles, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia
Páginas168-186
“A CARNE MAIS BARATA DO
MERCADO É A CARNE [DAS
TRAVESTIS E MULHERES TRANS]
NEGRA[S]”1
AS RELAÇÕES DE NECROPOLÍTICA QUE
CONSUBSTANCIAM O GÊNERO, COR E
RAÇA DAS LGBTI QUE MORREM NO BRASIL2
Rainer Bomfim3
Victória Taglialegna Salles4
Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia5
“Dedo no cu é o seu nome, mora no canavial Gritaria é um assombro, tem a
voz dos carnavais Quando eles se encontram, fazem o povo suspirar É uma
dupla sertaneja, que acabou de chegar
Dedo no cu e gritaria Dedo no cu e gritaria Dedo no cu e gritaria Dedo no cu e
gritaria”
(Dedo no cu e gritaria, Rogério Synlab, 2018)
Em poucas palavras: Sob a perspectiva da necropolítica de Achille
Mbembe, pretende-se, por meio da pesquisa crítico-metodológica,
demonstrar como o racismo de Estado, conceituado por Michel
Foucault, age sobre as travestis, especialmente as travestis negras,
que são tidas como corpos que não importam ou corpos feitos para
morrer. Para isso, trabalha-se com o conceito de Necropolítica,
apresentando como as políticas de Estado atuam diretamente sobre
as travestis e as mulheres trans negras, de modo a determinar
quem irá viver e quem irá morrer. Essa população é interpelada
negativamente por aquela prática, de tal forma que a necropolítica
se manifesta com a morte delas. Dessa maneira, o trabalho justifica-
se pelo crescente número de assassinatos e crueldades praticados
de forma institucional diante do estigma das travestis e mulheres
trans negras. Por fim, conclui-se pela existência de um racismo de
Estado, que é articulado com a formação do Estado-nação frente às
pessoas trans.
Palavras que guiam: Necropolítica; Racismo de Estado; Travestis;
Mulheres Trans; Transfeminicídio.
1. Uma discussão mórbida no seio da população
lgbti que compra seus peitos6
Rosinha do Beco7, Bibiu8, Paty Santos9, Quelly da Silva10, Nicolly
Banks11, sem contar aquelas que são encontradas sem documentos
que possam identificá-las12. Essas são notícias rotineiras na
imprensa, em que se manifestam preconceitos enraizados e vidas
que não são passíveis de luto. Elas são violentadas, não têm a
garantia de direitos constitucionais assegurados, e nem depois de
mortas são respeitadas ou têm sua identidade de gênero respeitada,
visto que, muitas vezes, são chamadas no masculino ou enterradas
com o seu nome de registro. Muitas vezes, só são conhecidas
depois de mortas como mais um dos números que serão listados
abaixo.
Assim, as travestis e mulheres trans são o exemplo do
necropoder na atuação do Estado, com a delimitação de espaços-
territórios e horários em que podem transitar pela cidade, o que
garante a um grupo privilegiado seus status quo de maioria com
sangue nas mãos, sob uma política institucionalizada. Estas sofrem
duas grandes esferas de preconceito: (i) a marginalização da
população como um todo, que repudia seus corpos, nega-lhes
direitos básicos de personalidade e direitos sociais, como saúde ou
previdenciários (se superarem os indicadores, pois a expectativa de
vida é 35 anos) (LIONÇO, 2008, NEGREIROS et al., 2019), e,
também, do (ii) meio LGBTI13, que as reconhecem enquanto trans,
mas possuem políticas de reconhecimento que as excluem daquela
comunidade: embora aceitem as travestis, em geral, não se
relacionam (romanticamente) de forma pública com elas e
continuam reproduzindo um padrão branco-machista-elitizado de
corpo que as exclui desse padrão.
Cumpre ressaltar que, quando se trata de número de mortos

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