Nossocentrismo: para o que não tem solução

AutorNatália de Souza Lisbôa
Páginas132-149
NOSSOCENTRISMO
PARA O QUE NÃO TEM SOLUÇÃO
Natália de Souza Lisbôa1
"Para o que o suor não me deu
O fogo do amor ensinou
Ser o barro embaixo do sol
Ser chuva lavrando sertão
Qual aleijadinho de Sabará
E a semente das bananas
Para o que não tem solução
A sede do peixe ensinou
Não me vale a água do mar
Nem vinho, nem glória, navio
Nem o sal da língua que beija o frio
Nem ao menos toda raiva
Para o que não tem mais razão
A calma do louco ensinou
A dizer nada
Para o que não tem mais nada
A calma do louco ensinou
A dizer razão"
A Sede do Peixe (Para o Que Não Tem Solução)
Milton Nascimento e Márcio Borges
Resumo: Partindo do objetivo de verificar as formas e
possibilidades de reconhecimento das diversidades dentro dos
reflexos do sistema colonial moderno e eurocêntrico ainda presentes
em nosso ordenamento jurídico, o trabalho aborda os conceitos da
teoria crítica descolonial para superar o imaginário universalista
dominante que é trazido por tal sistema. São analisados o papel que
o Direito representa na construção de propostas alternativas contra-
hegemônicas, as colonialidades que dominam o campo jurídico e
seus saberes, bem como os legados do eurocentrismo. No afã de
garantir direitos, de incluir e de escapar do sistema binário de
classificação trazido pela modernidade, o nossocentrismo é
apresentado como uma perspectiva cognitiva que pode acabar por
criar diferentes exclusões. Por meio da análise qualitativa, do tipo
teórico-dogmático, foram realizadas releituras doutrinárias,
recorrendo-se a estudos que tivessem sua fundamentação baseada
em epistemologias não hegemônicas e não eurocêntricas.
Palavras-chave: Diversidade; Modernidade; Eurocentrismo;
Nossocentrismo.
1. Introdução
Qual é a razão do peixe ter sede, se ele vive cercado de água?
Ou será que toda a água que o cerca pode não ser suficiente para o
tamanho de sua sede? Ou não será possível que ele busque matar
sua sede de outra forma, ampliando os limites de sua forma de
vida?
A partir da compreensão ocidental eurocêntrica, que pensa o
sujeito universal, aquele portador de direitos e obrigações, como
sendo um homem, branco, héteronormativo, cristão, sem deficiência
e com patrimônio disponível, ainda é difícil de reconhecermos, em
sociedade ou pelo direito, as diversidades múltiplas que nos cercam.
No afã de pensarmos em possibilidades que incluam as
diversidades, é possível que acabemos por criar novas formas de
exclusões, uma vez que sempre estamos vinculados à nossa visão
de mundo muito específica – e, por vezes, limitada. O próprio
exercício de alteridade – colocar-se no lugar do outro – também
carrega idiossincrasias, por vezes, intransponíveis, e corre o grande
risco de se render ao reconhecimento de diversidades, a partir de
uma fácil generalização e falsa universalização dessas situações.
Conforme tratado pela antropóloga argentina Rita Segato “[...]
de acordo com o padrão colonial moderno e binário, qualquer
elemento, para alcançar plenitude ontológica, plenitude de ser,
deverá ser equalizado, ou seja, equiparado, a partir de uma grade
de referência comum ou equivalente universal” (SEGATO, 2012, p.
122), o que produz o efeito da diversidade ser entendida como um
problema, devendo, então, ser equalizada.
Dessa forma, apresenta-se a interrogante se teremos solução
para a questão de se reconhecer as diversidades de forma ampla e

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