O casamento da pessoa com deficiência psíquica e intelectual: possibilidades, inconsistências circundantes e mecanismos de apoio

AutorVanessa Correia Mendes
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional nas relações privadas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Páginas453-479
O casamento da pessoa com deficiência psíquica e
intelectual: possibilidades, inconsistências
circundantes e mecanismos de apoio
Vanessa Correia Mendes*
1. Introdução
O Estatuto da Pessoa com Deficiência — EPD1 assegura o direito ao
casamento das pessoas com deficiência, reafirmando o direito que elas têm
de constituírem família já assegurado pela Convenção da ONU sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência2 — (art. 23). O direito de constituir
família pelo casamento representa o acesso a uma das mais importantes si-
tuações subjetivas existenciais. Afinal, a intersubjetividade e o vínculo de
solidariedade presente nas relações familiares são fundamentais para o de-
senvolvimento da personalidade e para o amparo na velhice. Se a CDPD já
*
Mestre em Direito Constitucional nas relações privadas pela Universidade de For-
taleza (UNIFOR). Professora das disciplinas de Direito das Sucessões e de Direitos
Humanos, nas Faculdades FAECE e FAFOR. Fortaleza – Ceará – Brasil.
1 A Lei 13.146/2015 foi sancionada pela Presidente da República em 06 de julho de
2015 e institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão. Sua
vigência iniciou-se em 02 de janeiro de 2016, obedecendo a vacatio legis de 180 dias,
contados a partir da data de sua promulgação, ocorrida em 07 de julho de 2015. Basea-
do na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o EPD des-
tina-se a assegurar e promover, em igualdade de condições com os demais da socieda-
de, o exercício de direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência,
visando sua inclusão social e cidadania.
2 A CDPD, considerada um marco na inclusão social e defesa dos direitos das pes-
soas com deficiência, é o primeiro e, até o momento, único documento internacional
ratificado pelo Brasil nos termos do artigo 5º, §3º, da CF, ou seja, acumula a qualidade
de ser formal e materialmente constitucional. Aprovada pela Assembleia Geral da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU), em 13 dezembro de 2006, nos termos da Reso-
lução da Assembleia Geral nº 61/106, tem como propósito “promover, proteger e as-
segurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fun-
damentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito a sua dignidade
inerente” (artigo 1º)
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garantia essa liberdade, a lei supracitada expandiu esse entendimento, rea-
firmando as alterações provocadas pelo tratado, numa perspectiva mais
amiudada e específica. Determinou a alteração na redação de diversos arti-
gos do Código Civil Brasileiro — CC, notadamente, como já mencionado,
no plano da capacidade civil e do direito de família.
A principal modificação está na igualdade de condições para o exercício
da capacidade legal. Por meio dessa modificação, será possível a prática de
diversos atos da vida civil, inclusive, o casamento. Porém, o ato de escolher
alguém para comungar de uma vida e administrar as responsabilidades pa-
trimoniais e não patrimoniais advindas do exercício desse direito exigem
comprometimento e prudência. Todas as pessoas com deficiência teriam a
mesma competência, o mesmo discernimento para manifestar a vontade
essencial à formação do negocio jurídico “casamento” e, em sequência, pra-
ticar os atos que lhe são correlatos como administração das contas domésti-
cas e do patrimônio comum; planejamento familiar; fidelidade recíproca;
vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda
e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos.
Presume-se que uma pessoa com deficiência não é mais considerada in-
capaz. Ou seja, a deficiência já não é um pressuposto para a declaração de
incapacidade; a ausência do discernimento necessário ao ato sim (BEZER-
RA DE MENEZES, p. 10, 2015). Considere-se ainda que a lei permite que
a pessoa com deficiência venha a se valer de apoios para que possa exercer
a sua capacidade legal. Então, como os mecanismos de apoio e a curatela
poderão interferir nessa seara para facilitar o exercício da capacidade legal
dos nubentes e cônjuges? E quais seriam os limites dessa ingerência?
A CDPD e o EPD reconhecem que, por vezes, o exercício da capacida-
de legal da pessoa com alguma limitação psíquica ou intelectual pode de-
mandar algum apoio. Para tanto, instituiu-se a tomada de decisão apoiada,
cujos termos podem ser definidos pelo próprio apoiado, em conjunto com
aquele que será seu apoiador. E, nesses termos, é cabível o apoio para a
tomada de decisões de natureza patrimonial e/ou existencial, pertinentes
ao casamento. Trata-se de um mecanismo que reflete o princípio da solida-
riedade por meio do qual a sociedade, Estado e família devem prestar todo
o apoio possível para que as pessoas com deficiência possam exercer a capa-
cidade legal, inclusive, para casar e conduzir o casamento.
De igual modo, a pessoa submetida a curatela não pode sofrer obstáculo
ao exercício do direito à conjugalidade, quando mantiver condições míni-
mas de manifestar uma vontade jurígena. O objetivo primordial da Conven-
ção é garantir à pessoa com deficiência a sua mobilidade enquanto pessoa no
trânsito jurídico, político e social. Porém, esse objetivo se conjuga com o
dever de proteção à pessoa na medida de suas necessidades. Portanto, o
exercício da capacidade legal para os atos da vida civil dependerá da mínima
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